Correio da Cidadania

Milenarismo de mercado

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"A imprensa no Brasil é livre, só não é democrática". O sentido da frase, proferida tempos atrás por um observador arguto, conserva plena atualidade. É livre porque seus donos fazem o que querem. E não tem como ser democrática pelas mesmas razões.

 

Antigamente, muito antigamente, imprensa era só jornal. Mesmo grandalhão, era propriedade privada, voz do dono, sem maiores problemas. O dono defende o que lhe apraz e compra na banca quem quer. Hoje, tudo é tão dessemelhante. O conglomerado midiático articula uma poderosa miríade de meios de comunicação e da indústria cultural de massas. Além de redes de rádio e televisão, que são concessões públicas e entram na casa de todos sem bater na porta. São instrumentos que interferem fortemente na definição do espaço público e, como tal, demandam um tipo de controle adequado à sua natureza.

 

No vértice do conglomerado midiático, artilharia pesada do embate ideológico, está a televisão. O formato da televisão que temos no Brasil foi definido nas entranhas da ditadura. O auge do domínio militar sobre a política coincide, não por acaso, com a montagem da estrutura atual da mídia eletrônica, com seu suntuoso padrão global e seus vínculos com o internacionalismo procelário. Montada como monopólio de alguns poucos concessionários, armada de uma estrutura moderna de enorme eficácia técnica, orientada nos seus mínimos deslocamentos pela pesquisa diária de opinião, a televisão foi o meio por excelência da pedagogia autoritária. Não havia Mindlins entre os seus proprietários, todos ajudaram a repressão política.

 

O fim da presença física da ditadura, infelizmente, não se fez acompanhar da construção de mecanismos de controle democrático sobre a mídia eletrônica. Ela sobrevive como um espinho na ferida cicatrizada. Interfere de maneira poderosa na construção do espaço público, no jogo político, e faz isso com uma soberania quase absoluta. Opera a partir das fortalezas inexpugnáveis do poder privado e conserva, na alma de suas engrenagens, a marca arrogante do autoritarismo.

 

Agora mesmo, no primeiro de março, os magnatas supremos da mídia eletrônica esbanjaram arrogância na espantosa reunião realizada em um hotel de luxo em São Paulo. Estavam lá, além dos "estudiosos", articulistas da agressividade contratada e de potentados de áreas conexas, os herdeiros da meia dúzia de famílias que monopolizam o ramo: Frias, Civitas, Marinhos, Mesquitas e que tais. O espetáculo, denominado Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, foi convocado pelo "Instituto Millenium", que, pelo que se viu, articula a convergência entre a defesa dos interesses dos pontos fortes do mercado e o discurso da direita ensandecida.

 

A fala dos representantes do governo federal, sem dúvida, foi o ponto alto do convescote. O ministro Hélio Costa, das Comunicações, afirmou: "Na Conferência Nacional de Comunicação, o governo foi unânime em dizer que em hipótese alguma aceitaria uma discussão sobre o controle social da mídia". E adiantou que, para ele, a idéia de controle social da mídia é "absolutamente inadmissível". O deputado Palocci, pronto para reassumir a linha de frente (superados os incômodos provocados por aquele caseiro com feições de Kafka), foi além. Segundo ele, quem critica monopólio e concentração está errado: "há concentração na comunicação, mas há em várias atividades econômicas no Brasil. Considero normal e uma característica do amadurecimento das economias". Imagina-se que, ao ouvir tal música, a platéia tenha aplaudido de pé.

 

Sendo assim, tudo seguirá como dantes. Os meios de comunicação de massa, afastado o "risco" do controle público, continuarão protegidos na fortaleza inexpugnável do poder privado. A direita social, garantida a liberdade de movimento da máquina mercante, proverá recursos fartos aos partidos certos. São elos de uma corrente que alimenta o milenarismo de mercado.

 

Léo Lince é sociólogo.

 

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Comentários   

0 #3 LiberalismoRaymundo Araujo Filho 05-03-2010 07:11
Prezado Osmir

Não sou advogado do Leo Lince, a quem sequer conheço pessoalmente, mas a sua crítica é completamente infundada.

A não ser que nutras a fantasia que é possível um ambiente democrático (aqui no sentido da oportunidade e acesso aos meios de comunicação, como emissor, e não receptor - Saussure, teoria linguística), em ambientes onde 3 famílias e, os governos, em escala menor, controlam 90% da mídia e meiso de comunicação.

Isso não é Democracia, mas sim Liberalismo. O Sonho de uma Sociedade Sem Regras para Convivência e Distribuição mais equânime dos Meios de Produção, Comunicação, Terra e quetais, não fazem parte nem dos ideários anarquistas.
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0 #2 Milenarismo de mercadoOsmir José 04-03-2010 12:31
"...O fim da presença física da ditadura, infelizmente, não se fez acompanhar da construção de mecanismos de controle democrático sobre a mídia eletrônica..."

Nada mais contraditório do que o seguinte: termo "controle democrático"

Como falar em democracía com controle... Democrático, Cara Pálida!
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0 #1 GolpeZedoToko 04-03-2010 10:54
Não nos surpreende o comportamento dos integrantes do tão badalado - Forum Democracia e Liberdade de Expressão -.
A história se repete.
Segue abaixo trechos do que significou o papel da grande imprensa, de 01/04/1964 a 02/04/1964.
A grande imprensa brasileira, à época, teve um papel de destaque na criação do clima de histeria golpista, na preparação da opinião pública para a quebra da legalidade democrática.
O editorial do JB, que rigorosamente não diz nada além de baboseiras, deixa tudo bem claro:

“Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade ... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem. (...) A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas.(...)“Golpe? crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada.” [JB, 01/04/1964]

O editorial de O Globo não fica para trás em seu empenho na derrocada da ordem democrática:

“Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas (...) para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas (...) o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições. (...) Poderemos, desde hoje, encarar o futuro confiantemente (...) Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegeram de seus inimigos. (...) Aliaram-se os mais ilustres líderes políticos, os mais respeitados Governadores, com o mesmo intuito redentor que animou as Forças Armadas. Era a sorte da democracia no Brasil que estava em jogo.(...) A esses líderes civis devemos, igualmente, externar a gratidão de nosso povo.(...) Se os banidos, para intrigarem os brasileiros com seus líderes e com os chefes militares, afirmarem o contrário, estarão mentindo, estarão, como sempre, procurando engodar as massas trabalhadoras, que não lhes devem dar ouvidos(...).” [O Globo, 02/04/1964]

Textos golpistas, que proclamam em alto e bom som o compromisso antidemocrática da grande imprensa brasileira. Pois é essa mesma imprensa que não soube respeitar a legalidade democrática e a liberdade dos brasileiros que hoje se arvora em defensora da liberdade de imprensa. É de se perguntar: afinal, que liberdade é essa? A liberdade de fazer uso do monopólio da informação com o objetivo de manipular a opinião pública para promover golpes de Estado?
Como já disse são os mesmos vícios de comportamento, avançaram na ciência e na tecnologia, porém em se tratando de valores éticos nada mudou, pois, ainda, somos refém de uma política que é mera legitimadora da economia vigente, ou seja, a economia de mercado.
Infelizmente, ainda, não modificamos esta hegemonia perversa que protege ricos e penaliza pobres.
Ainda prevalece o:
consenso de Washington, pregando:
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