Correio da Cidadania

A súbita riqueza do ministro chefe

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Em priscas eras, quando o PT ainda postulava a mudança na ordem econômica e defendia uma "nova gramática do poder", a palavra "projeto" sempre aparecia em seus documentos associada ao esforço coletivo: projeto estratégico dos trabalhadores, projeto político para o Brasil. Como goiabada cascão em caixa, coisa fina que não mais se acha.

 

Depois de quase uma década na posse da principal alavanca do poder político, a palavra mudou de conteúdo no vocabulário petista. O que era plural se individualizou. Projeto, agora, é uma empresa particular de consultoria financeira.

 

A classe operária, claro, não foi ao paraíso. Os trabalhadores seguem moendo no áspero, mas os que chegaram ao poder político em seu nome navegam no mar das facilidades. Alguns descobriram cedo que, ao invés de dar "cavalo-de-pau" em transatlântico, mais confortável era tomar assento na boleia.

 

A súbita riqueza do atual ministro chefe da Casa Civil não passa de mera decorrência de outras escolhas, não só dele, e muito anteriores. Em 2002, a esperança só venceu o medo na campanha eleitoral. Ato contínuo, como alertou na época o saudoso Celso Furtado, a música do continuísmo já tocava no grupo de transição para o primeiro governo petista.

 

O que era grande, a promessa de mudança, foi trocado em miúdos: milhares de pequenas "metamorfoses ambulantes". Quem se vendeu como artífice da mudança, agora se oferece como palestrante e consultor da restauração.

 

O alvoroço montado nos jornais desta semana não passa de um episódio a mais em tal trajetória. Episódio, aliás, que pode se tornar território de múltiplas revelações. Algumas delas, além de curiosas, sintomáticas. Por exemplo: José Serra e Aécio Neves, que brigam de foice pela liderança do tucanato, estiveram unidos na defesa do acusado. Comem da mesma fruta e, na certa, não querem saber de marolas no condomínio do poder.

 

Por outro lado, a nota expedida pela assessoria da Casa Civil em defesa do ministro é um espanto. Foi feito até um levantamento do número de parlamentares que, como o acusado, "costuram para fora" durante o exercício do mandato. Levantamento que cumpre um duplo objetivo: defender a absoluta normalidade do duvidoso procedimento e, ao mesmo tempo, ameaçar quem recalcitra na crítica. Ou seja, "locupletemo-nos todos...".

 

Mais grave ainda é a defesa do princípio dos vasos comunicantes entre os pontos fortes da economia e as alavancas que definem, na estrutura do Estado, o destino das finanças públicas. Quem ocupou postos chaves na administração e depois virou banqueiro ou, no percurso inverso, banqueiro que virou ministro, são fornecidos exemplos concretos com nome e sobrenome, são procedimentos defendidos na nota como naturais e desejáveis. Um absurdo sem tamanho.

 

Ao tratar como natural a malha de cumplicidades de mão dupla, que coloca o aparelho estatal como extensão das corporações dominantes, o objetivo da nota é justificar o "enorme valor de mercado" dos "profissionais" que transitam por tais escaninhos. Os consultores de luxo, pagos a peso de ouro pelos barões do setor privado, não precisam revelar a fonte nem a quantia de seus ganhos. Estão protegidos pelo manto sagrado da confidencialidade dos contratos. Um privilégio dos poderosos que, infelizmente, não esteve ao alcance do caseiro Francenildo.

 

Nas origens, quando Carlito Maia não cobrava tostão por seus slogans geniais, o PT se orgulhava da sua condição de partido diferente. Nas cantorias de militância, interpelava os partidos da ordem por serem "tão iguais". Agora ficou igual aos demais. Para desfrutar os privilégios do poder, vangloria-se de fazer o que todos fazem. Pratica o que antes execrava e, sem desconforto aparente, defende de cara limpa a súbita riqueza do ministro chefe.

 

Léo Lince é sociólogo.

 

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Comentários   

0 #10 Dilma é o alvo.Alberto Gastegi 23-05-2011 13:38
Neste fim-de-semana aproveitei os dois dias de sol e me locomovi entre os populares desta aprazível cidade de Porto Alegre. Esperava ver cidadãos indignados, influenciados pelas manchetes da imprensa, rádio e TV. Para meu espanto, a maioria nem sabia do assunto, outros achavam normal que estando ele lá em cima, a burra ficasse mais cheia. Os gremistas só queriam saber de culpar o Odone e apenas um estava indignado com o Palocci, mas este era conhecido político da oposição, e ainda assim, mais com inveja do que com preocupação com os rumos do país. Já eu, acho que o verdadeiro alvo é a Presidente. Claro que é um teste, se ela ceder as acusações sem provas, mostrar preocupações será atacada por todos os lados. Mas quem resistiu a torturas físicas para não entregar seus companheiros, não é agora que ocupando o maior cargo do país que ela vai se sentir fragilizada.
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0 #9 Alexandre 23-05-2011 11:29
Disse o Hélio, ali em cima:
"com aquela mania de CONVOCAR MINISTROS PARA DAR EXPLICAÇÕES. Santa ingenuidade,...ou apenas tentativa de fazer marola? Que se apresentem provas, documentos."
Meu amigo, o "documento" em questão é a própria nota do ministério. É só ler.
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0 #8 ... e entao ...Abaquar 23-05-2011 09:54
como cidadao brasileiro me pergunto que mecanismos podemos nós, o povo, criar para estar conseguindo diminuir essas metamorfoses na ideologia. Ou sera
uma ilusao infantil minha, o oportuniscomo cidadao brasileiro me pergunto que mecanismos podemos nós, o povo, criar para estar conseguindo diminuir essas metamorfoses na ideologia. Ou sera uma ilusao infantil minha, o oportunismo é uma caracteristica que nao queremos controlar.

Indiferente do que eu acho, o artigo de Leo Lince foi mais um texto que traz beneficios a uma democracia mais informada.

Um abraco.mo é uma caracteristica que nao queremos controlar.
Indiferente do que eu acho, o artigo de Leo Lince foi mais um texto que traz beneficios a uma democracia mais informada. Um abraco.
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0 #7 Vergonha , palavra estranharenato machado 23-05-2011 05:39
O afundamento da esquerda do PT , a cooptação dos movimentos sociais pelo governo , a transformação da casta mandatária sindical do PT em homens de negócios , a Land Rover do Sr. Silvio , o aumento patrimonial de 20 vezes do Sr Palocci , os valores cobrados pelo Sr Lula de 200 mil reais por palestra , os "recuos" do governo Lula durante os oito anos , a "distribuição de renda" sem que os ricos sequer fossem tocados , tudo isso são elementos do mesmo cenário. Ocorre que muitos não querem ver o que realmente aconteceu nestes últimos oito anos. Nos parece que não querem acreditar que políticos oriundos da classe trabalhadora também traem seus ideais e podem ser venais. É claro que é duro concluir , que essa casta sindical que está no governo , liderada pelo Sr Lula se vendeu e se transformou em prestimosos gerentes (tão rápido!!! ) do capital. Mas os historiadores que se debruçarem sobre a história do Partido dos Trabalhadores irão descobrir que tudo isto já estava se gerando lá há bastante tempo. São perdas irreparáveis para um povo tão sofrido , tão espoliado e tão humilhado.
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0 #6 DeprimenteNelson 22-05-2011 19:36
Deprimente. É o mínimo que podemos dizer de tudo isso, meu caro Léo.
Creio que, para aqueles como eu, que acreditam que a participação política das pessoas é fundamental para que mudanças concretas se estabeleçam, é desesperador. Algo altamente deseducador, uma vez que provoca um afastamento cada vez maior das pessoas em relação às questõs políticas.
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0 #5 Nada mais nos envergonharenato machado 22-05-2011 12:49
Muito bom o texto.Parabéns.
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0 #4 A Fábrica de CanalhasFidélis Pedro Pretto 21-05-2011 12:17
O que era temido por aqueles que sempre idealizaram um país verdadeiramente democrático, agora está claro que isso acontecerá. O projeto de poder do PT é para 30 anos. Enquanto os tubarões do partido locupletam-se escandalosamente, a chamada militância contenta-se com as migalhas do grande banquete permanente do outrora detentor do monopólio da ética. Enquanto Lula vende-se para o grande capital, através de pseudopalestras, o violador de contas de poupança de caseiros, Antônio Palocci, descobriu um jeito fácil de fazer com que o seu capital tenha crescimento inigualável. Enfim, o PT encontrou a fórmula que todos querem: ficar rico sem trabalhar. Esta é a verdadeira fábrica de canalhas.
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0 #3 O nefasto já estava em gestaçãorenato machado 20-05-2011 13:09
O afundamento da esquerda do PT , a cooptação dos movimentos sociais pelo governo , a transformação da casta mandatária sindical do PT em homens de negócios , a Land Rover do Sr. Silvio , o aumento patrimonial de 20 vezes do Sr Palocci , os valores cobrados pelo Sr Lula de 200 mil reais por palestra , os "recuos" do governo Lula durante os oito anos , a "distribuição de renda" sem que os ricos sequer fossem tocados , tudo isso são elementos do mesmo cenário. Ocorre que muitos não querem ver o que realmente aconteceu nestes últimos oito anos. Nos parece que não querem acreditar que políticos oriundos da classe trabalhadora também traem seus ideais e podem ser venais. É claro que é duro concluir , que essa casta sindical que está no governo , liderada pelo Sr Lula se vendeu e se transformou em prestimosos gerentes (tão rápido!!! ) do capital. Mas os historiadores que se debruçarem sobre a história do partido dos trabalhadores irão descobrir que tudo isto já estava se gerando lá há bastante tempo. São perdas irreparáveis para um povo tão sofrido , tão espoliado e tão humilhado.
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0 #2 riqueza do PalociHélio Q Jost 20-05-2011 12:53
Ainda que concordando em parte com o articulista, o artigo cairia bem na revista Veja e na boca da oposição, com aquela mania de CONVOCAR MINISTROS PARA DAR EXPLICAÇÕES. Santa ingenuidade,...ou apenas tentativa de fazer marola? Que se apresentem provas, documentos. E o Ministério Público? Estou cansado de ouvir que filho do Lula tem mansão, a maior fazenda do Brasil, etc. etc. E os fatos, e as provas, e documentos?
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0 #1 Robson Santos 20-05-2011 06:59
Pérola na forma e conteúdo. Parabéns!
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