Licença para matar e desmatar
- Detalhes
- Leo Lince
- 04/06/2011
Existe, sim, um nexo efetivo entre a votação do Código Florestal e os novos assassinatos de trabalhadores rurais. Não adianta negar. Por mais que cause irritação em setores do governo, nos donos do agronegócio e nos políticos que lhes prestam serviço no parlamento brasileiro, tal vínculo existe. É ele, aliás, que explica também o surto atual de crescimento das áreas desmatadas.
Quem aperta o gatilho, claro, é um pistoleiro de aluguel. Mata, arranca a orelha para provar a execução do serviço, recebe o pago do mandante e fica acoitado na espera de novas encomendas. Pistolagem, grileiros, contrabando de madeira de lei, desmatamento ilegal, entre outras, são violências antigas no campo brasileiro. Mas flutuam de intensidade a depender das relações de forças na política. Os que assassinam opositores e destroem florestas estão, na quadra atual, certos da impunidade, e se imaginam respaldados de cima.
O método do arrastão com correntes entre tratores abre clareiras quilométricas. Por sua ostensiva visibilidade, só é praticado quando se tem a absoluta certeza da impunidade. O mesmo acontece com o assassinato de trabalhadores com militância ambiental. Trata-se de recado para sinalizar posição de mando, intimidar, definir quem reina no pedaço. Sem garantia de impunidade, seria um tiro pela culatra. São crimes conexos e articulados ao estupro do Código Florestal. Quando os conservadores ostentam maioria em cima, os que barbarizam na base nadam de braçada.
Estufadinhos de dinheiro, os donatários do agronegócio estão com a bola toda na política. A corporação dos ruralistas hegemoniza um espantoso arco de alianças. Os maiores partidos da mal chamada oposição, PSDB e DEM, votaram com eles. A maioria da base de apoio do governo, o PMDB unido e boa parte do PT, também. Vale ressaltar, para espanto de alguns, o papel desempenhado no processo pelos ex-comunistas do PC do B. O deputado Aldo Rabelo, com seu semblante de jagunço, foi o relator da matéria e assumiu a condição de grande timoneiro da proposta conservadora. Segundo as más línguas, ele operou, na linha chinesa, como bom discípulo de Deng Xiaoping: “não importa a cor do gato, importa é que ele financia campanha...”.
O governo, atordoado pelo descontrole total de sua base, reagiu como quem ainda não sabe o que fazer. Formou grupo interministerial, criou comissões. Michel Temer, o vice em exercício, antigo mordomo que agora dá cartas, requentou velhos programas e liberou grana parca para pequenos deslocamentos burocráticos. Quantia ridícula, que não paga palestra do Lula, nem consultoria do Palocci. Maria do Rosário, responsável pelos direitos humanos, disse que não pode garantir segurança sequer para um terço da lista dos ameaçados de morte.
Os marcados para morrer que se cuidem, pois a alma do governo está empenhada ao agronegócio. Como afirmou o advogado da Comissão Pastoral da Terra em Marabá, José Batista Afonso, “o governo desde o início optou por acordo com setores ligados ao agronegócio para garantir a governabilidade e abriu mão de implementar políticas públicas que contrariassem esses interesses”. Tratados a leite gordo, os herdeiros da violência secular do latifúndio vão continuar aprontando, da ponta engomadinha até a cauda envenenada.
Donatário de capitania, senhor de engenho, latifundiário, grande fazendeiro, ruralista, os nomes mudam, mas a mentalidade é a mesma. São tiranos de baraço e cutelo, donos de gado e gente, portadores de uma arrogância consolidada em cinco séculos de latifúndio. Os debates sobre o Código, transmitidos ao vivo pela TV Câmara, atualizaram esta triste realidade.
Em pleno século 21, a hegemonia dos reacionários nos faz lembrar Oswald de Andrade. Na mesma década do século passado, falando sobre realidades vindas de séculos anteriores, ele escreveu um poema que parece mais atual do que nunca. O título, ao modo da época, é “Senhor Feudal”. São cinco breves versos que resumem o que continua valendo: “Se Pedro Segundo/Vier aqui/Com história/Eu boto ele na cadeia”.
Os donos da terra se julgam donos de tudo e não aceitam qualquer limite para seu arbítrio absoluto: não precisam de licença para matar e desmatar.
Léo Lince é sociólogo.
Comentários
Essa aliança,feita pelo PT,só favoreceu à ele próprio,enquanto isso,trabalhadores e,pessoas honestas,morrem por defender e exigir seus direitos e,os responsáveis pelos direitos humanos,não podem garantir suas sobrevivência.
o Brasil está cada vez mais desdentado,
analfabeto e egoista. A sociedade está mui-
to preocupada consigo mesmo e esquecendo do
coletivo. A prova foi o estrupo anunciado no código florestal e a barragem de monte
belo. Precisamos repensar sobre o que é
sociedade moderna ou sociedade egoista, em o que importa é o que eu tenha de ime-
diato, o que eu vou ter ou não vou ter no futuro não interessa. É triste muito triste saber que este governo é mais um
governo que vem privilegiar aos que são
privilegiados desde que o babaca do Pedro A. Cabral resouvel trocar a rota e vir pa
ra a terra Brasilis. Educação só educação
pode transformar esta sociedade da qual faço parte, em um país mais decente de se
viver.
felicitaciones LEO por su gran trabajo
aadeus hernan
Filandia Quindio /Colombia
O agronegócio depredador "nunca dantes na história deste país" esteve tão eficientemente guarnecido por um governo, como nos anos dos governos petistas.
A adesão dos petistas, dos ex-comunistas pecedobistas e seus aliados de circunstância dão todas as garantias ao retrógrado e truculento coronelismo "moderno" batizado de ruralistas.
Assine o RSS dos comentários