A saúde da moeda
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- Léo Lince
- 02/08/2007
O Banco Central, como faz sempre, deu a conhecer, está nos jornais da semana, o dados da contabilidade pública referentes ao semestre que se encerra. O que eles chamam de “economia” para pagar juros, o mal chamado superávit primário, bateu novo recorde. A União, os estados, os municípios e as estatais pagaram R$ 78,854 bilhões de juros de suas dívidas, uma média de R$ 435 milhões por dia. Eram recursos públicos, agora estão privatizados. Foram transferidos, com aquela pontualidade recorrente nos últimos anos, das arcas do Tesouro para o bolso dos rentistas. Uma sangria contínua, considerada natural e inevitável, para saciar o Minotauro no labirinto da casta financeira.
Em meio aos destroços ainda fumegantes em Congonhas, a notícia que se repete a cada publicação de balanços das contas públicas não alcançou, desta vez, a primeira página dos jornais. Ficou sumida nas páginas interiores dos cadernos econômicos. Mas, sob o impacto da tragédia aérea que nos comove a todos, suscitou comparações interessantes. No caderno “Dinheiro”, da Folha de São Paulo, dia primeiro de agosto, página 5, a matéria que trata do assunto em pauta se abre com a seguinte sentença: “O que o setor público gasta com juros em uma semana supera o valor dos investimentos previstos no sistema aeroportuário em quatro anos”. Isso mesmo, enfatiza a matéria: a quantia reservada no PAC para o investimento em aeroportos até 2010 equivale ao montante que está sendo pago de juros em sete dias.
Vale repetir um argumento já desenvolvido nesta coluna por ocasião do balanço do primeiro trimestre. Se o fato se repete, o argumento conserva atualidade. Essa overdose de dinheiro injetado na jogatina é um absurdo. Assim como absurdo é o próprio conceito com que tal operação se inscreve na nomenclatura da contabilidade atual. Invenção recente, o superávit primário é contemporâneo da supremacia absoluta do capitalismo financeiro. Os contadores formados antes do surto neoliberal não tinham conhecimento dele e, na certa, considerariam uma heresia o fato, hoje comum, de se poder ostentar um déficit nominal ao lado de um vistoso superávit primário. Nem os jornais escondem mais: é a cota reservada para os que mandam no mundo do dinheiro.
Mandam no mundo do dinheiro, mandam nos governos, mandam na política. O padrão do que eles chamam de “boa governança”, neste mundo avassalado pela supremacia absoluta dos fluxos financeiros, é o que está gerando a seqüência de catástrofes que já nos atingem e de outras que nos ameaçam. Para os atuais donos do poder, o primeiro dever de todos os governos é garantir a saúde da moeda. O resto é o resto. Os portos, aeroportos, as estradas estão em petição de miséria, mas a moeda ostenta a saúde de vaca premiada. Os serviços públicos essenciais, nas áreas da saúde, educação e segurança, estão sendo desmantelados, os governos fogem de suas insubstituíveis responsabilidades em tais setores, mas cuidam com denodo da saúde da moeda. É a lógica de um modelo que colocou um sinal de igualdade entre a doença da sociedade e a saúde da moeda.
Léo Lince é sociólogo.
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