Repressão Preventiva, Ovo da Serpente
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- Léo Lince
- 17/02/2012
Os acontecimentos da semana serviram para mostrar que o artigo mudou de gênero, mas o substantivo continua a operar no diapasão de sempre. A presidente da República, que na juventude enfrentou a tortura com extrema dignidade e foi anistiada, agora resolveu tomar assento entre os templários da ordem injusta. Do alto de sua nova posição, disparou cavalos telegráficos: não negocia com grevistas, nem cogita de anistia. Ao invés de Violeta Parra (“os famintos pedem pão”), ou do liberal mineiro Milton Campos (mandem o trem pagador), ela optou pela mão pesada da punição exemplar. Uma exigência da máquina mercante.
O ministro da Justiça, oriundo das fileiras mais arejadas do petismo, abandonou a antiga leveza, simpática e bem humorada. Agora, corpanzil alargado pela untuosidade do poder, adota ares sombrios que fazem lembrar Gama e Silva. No vértice de uma inusitada articulação de forças, cenho franzido, ele dispara as ameaças típicas da opção preferencial pela linha do confronto. A ostentação da musculatura repressiva do governo federal, inclusive com o uso cada vez mais banalizado das Forças Armadas no papel de polícia, deve ser motivo de preocupação para a cidadania. Ainda mais quando pairam sombras sobre alguns elos da investida desencadeada.
Dizem os do governo que houve autorização judicial para grampear telefones. Tal autorização teria sido assinada por um juiz cujo nome foi mantido em segredo. Qual a razão de tão estranho procedimento? Também nada foi informado sobre o alcance do grampo. Quais foram os atingidos pela autorização secreta? Os líderes grevistas da Bahia e do Rio de Janeiro? Os parlamentares que buscavam mediar negociações também tiveram seus telefones grampeados? São informações importantes para que o cidadão possa avaliar o sentido geral da operação. O império da lei opera na transparência, as maquinações do arbítrio no lusco-fusco da opacidade.
Outra dimensão do acontecido, talvez por conta de antecedentes tão famosos, intriga por demais o cidadão. Causa espanto a rapidez com que trechos seletos de telefonemas grampeados apareceram no mesmo dia, e com absoluta exclusividade, na tela da Globo. Impossível não ficar de pé atrás. Qual a razão da exclusividade? Foi combinado com antecedência? As fitas foram levadas até a emissora por algum estafeta ou foi a própria emissora que operou o grampo? Quem selecionou os trechos a serem exibidos? A emissora? Os agentes da repressão? O próprio ministro? São indagações para as quais a ausência de resposta explica tudo.
Hoje já se sabe que dois senadores petistas, um do Rio outro da Bahia, estão na fita de um dos telefones grampeados. Foram poupados (por razões óbvias?) de aparecer na telinha. A divulgação de trechos seletos de telefonemas grampeados não cumpre, por suposto, qualquer função investigativa, de segurança ou prevenção de malefícios. É pura manipulação da informação para fins de propaganda. Revela, ao mesmo tempo, uma intimidade promíscua entre o agente público e os potentados da mídia grande. Trata-se de um detalhe que parece pequeno, mas que, por si só, confere ao conjunto da operação as feições de uma urdidura tenebrosa.
Uma marca que se confirma com os absurdos cometidos na seqüência. Vejamos, para exemplo, o acontecido no Rio de Janeiro. Apesar do deliberado em assembléia, não houve greve alguma. Houve apenas um buliçoso ato público em pleno coração da cidade, na Cinelândia. Nenhum ônibus queimado, nenhum vandalismo, nenhum confronto ou empurra-empurra. Nada. Apenas um protesto ordeiro e até bem humorado. Uma pauta elementar de reivindicações econômicas. Salários aviltantes, comidos pela carestia crescente. Além de deixar claro, pela volumosa presença, a insatisfação que grassa na base das categorias presentes no protesto.
Apesar da calmaria, os do governo resolveram optar pela continuidade do arreganho repressivo. O líder dos bombeiros do Rio foi preso no aeroporto quando voltava de Salvador, onde participava das negociações. Sem qualquer formalismo legal, não pode sequer falar com a esposa e os filhos que o esperavam. Ele e outros líderes foram levados para o presídio de segurança máxima, em Bangu. Um presídio reservado para condenados, nunca até então usado para prisões preventivas, e para criminosos de alta periculosidade. A agressividade cruel dos governos Dilma e Cabral inaugurou lá uma ala de prisioneiros políticos.
Barbas de molho, cidadãos. O contubérnio de forças articulados no episódio presente pode ser o ensaio geral do que está por vir. Autorizações judiciais secretas, governos submissos aos ditames da máquina mercante, informação manipulada nos canais da mídia oligopolizada. O “estado de exceção”, já anunciado como recurso indispensável para o sucesso dos megaeventos esportivos, sempre esteve entre os desígnios permanentes da máquina mercante. A repressão preventiva não combina com democracia, tampouco com estado de direito. Ecos da doutrina Bush, ela é a ante-sala do arbítrio total, o ovo da serpente.
Léo Lince é sociólogo.
Comentários
Solicito sua opiniao a respeito, de como
lidar com estruturas militares como a PM e os Bombeiros, acho que esta questao merece uma abordagem diferente daquela voltada para os civis, como pareceu o escopo de seu artigo.
Saudacoes
O primeiro momento foi a denúncia que o sumiço de uma criança recém nascida no Hospital da AMIL, pertinho da Delegacia, foi mal investigado, com suspeita de conluio da polícia com a direção do hospital, e com direito á intimidação dos pais da criança.
O segundo acontece agora, quando este delegadozinho "modelo ditadura militar", ao ler convocações para uma manifestação em frente à estação das barcas, na Pça Araribóia, em Niterói, contra o aumento da passagem deste que, dizem, é um transporte de massa, de R$2,80 para, PASMEM, R$4,50, sendo que que quem tem o tal Bilhete Único paga "apenas" R$3,10, e fica pensando que não aumentou tanto, se esquecendo que TODA a sociedade paga a diferença, por complementação do governo do estado, desgovernado pelo sérgio cabral filho, onerando a todos, indiferente de usarem ou não este meio de transporte, outrora de grande eficiência e regularidade, além de funcionar 24 horas por dia.
Pois bem, este delegadozinho ditadura abriu investigação "com possível responsabilização preventiva" daqueles que ele acha que "estimulam o vandalismo", só por que leu em uma destas convocações, a lembrança de episódio histórico violento ocorrido em 1956, onde a população revoltada com o aumento absurdo das passagens, quebrou tudo por lá.
Assim, este delegadozinho Alexandre Leite (que já se articulou com a PM, cujos agentes de repressão tiveram toda a solidariedade da deputada Janira Rocha do PSOL)tem o seu Momento Tom Cruise, em alusão ao filme Vanilla Sky, onde ele faz parte de uma equipe de repressão preventiva a crimes que serão ainda cometidos e que foram "detectados" por uma equipe de sensitivos.
O filme é uma droga, mas a idéia(= argumento) é boa, e por si só, uma premonição, pois é de 2001, logo antes da "Invasão Preventiva" do Iraque, pelas tropas estadunidense, pela difusão da mentira que Saddann Hussein usava armas biológicas letais. Sadann, como sabemos, era um sanguinário, mas foi deposto por causa do petróleo....
De minha parte, como quero participar desta manifestação, irei já na segunda feira ao Ministério Público, solicitar um habbeas corpus preventivo para mim, "garantido a minha integridade e liberdade de participar desta manifestação, que é um Direito Constitucional do Cidadão, e denunciar este delegado por Abuso de Poder, Tentativa de Intimidação e Exorbitação de Função, pois aqui extrapola suas funções para a de Polícia Política, extinta por Lei aqui no Brasil e que temos de se fazer respeitar, embora saibamos com a banda toca...
Não é á toa, que na Estação das Barcas, existe uma baita estátua do índio Tamoyo Araribóia, que dá nome ao logradouro que, segundo consta a História, traiu seus irmãos de etnia, passando-se para o lado dos portugueses colonizadores.
Hoje, ele está impassível, de braços cruzados, "de costas para Niterói e de frente para o Rio", emblematicamente representando a atitude dos que seguem fazendo o serviço sujo, para as elites que nos dominam desde sempre.
A negociação, e não a agressão, deve ser a ponte entre o Estado e os movimentos sociais; a repressão somente enterrará por debaixo do tapete as contradições, até que uma nova greve surja e o ciclo recomece.
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