Gangsterização da política
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- Léo Lince
- 10/10/2007
O caso Renan Calheiros vai adquirindo, na medida em que o tempo passa, feições cada vez mais escabrosas. Como bola de neve ladeira abaixo, o imbróglio se avoluma como agregado de escândalos que, literalmente, avacalha a política e deixa as instituições republicanas em petição de miséria. São tantas as trapalhadas que até a poderosa operação abafa, que deu resultado no primeiro julgamento, perdeu condições de sustentabilidade. A julgar pelos últimos acontecimentos, não dá mais para segurar.
Quando tudo começou, os mais atentos hão de se lembrar, a correlação de forças no Senado era inteiramente outra. Todo prosa, o senador rebateu arrogante (sentado na cadeira de presidente) a denúncia da revista semanal. Tremendo cara-de-pau, ele não hesitou em colocar a família na linha de tiro e obteve como resposta a solidariedade imediata da maioria esmagadora dos seus pares. Aquela vergonhosa fila de cumprimentos após o discurso, na qual se acotovelavam notáveis de quase todos os partidos com representação no Senado Federal, parecia indicar que o assunto estava liquidado.
Apenas um único e escasso partido, o pequenino PSOL, reuniu condições políticas para contestar o até então todo poderoso presidente do Congresso Nacional, para o qual o problema começara e deveria terminar na vara das famílias. O problema real, para o qual o PSOL solicitou investigação, não estava nas aventuras ou desventuras da pessoa física, nem na primeira ou na segunda família do senador, mas no acasalamento espúrio das empreiteiras com a “família” dos que fazem negócios na política. Foi essa a espoleta que desencadeou o processo.
Logo em seguida, é bom não esquecer, um volumoso grupo de destacados senadores se reuniu na casa do presidente do PSDB, Tasso Jereissati, com o objetivo de organizar um movimento suprapartidário para salvar Renan. Além de tucanos, estavam lá petistas do calibre Mercadante, demopefelistas como o finado ACM, e pemedebistas padrão Sarney, todos unidos para apagar a espoleta. Com maioria na Mesa Diretora, na Comissão de Ética e no Plenário, com apoio do governo o dos grandes partidos da oposição “ma non troppo”, a operação abafa contava com a vitória certa.
Mais fortes, no entanto, são os misteriosos poderes do povo. Graças ao trabalho de algum jornalismo investigativo e com a pressão difusa das ruas, o quadro mudou inteiramente de figura. O ponto de virada, por paradoxal que pareça, foi a sessão secreta (sem registro nos anais, mas gravada em tinta escarlate na memória coletiva) da vitória de Pirro. Ao recorrer à clandestinidade para salvar o mandato do seu indigitado presidente, o Senado deu um tiro no pé. De lá para cá, recrudesceu o rechaço da opinião pública e os aliados da primeira hora saíram em desabalada diáspora. Até a tropa de choque está em desalinho.
Mudou o tom dos discursos e o eixo do debate. O petista Mercadante, depois do fiasco da abstenção que quase lhe transforma em figura de museu de cera, agora se diz parte de um “movimento suprapartidário em defesa do Senado, e essa defesa passa pelo afastamento de Renan”. E o tucano Jereissati descobriu, antes tarde do que nunca, que “não dá mais, acabaram as condições. Isto aqui virou centro da patifaria e da canalhice”. A manobra tacanha contra Pedro Simon e Jarbas Vasconcelos e a espionagem contra os senadores de Goiás, tudo indica, definiram o fim da picada.
O bota-fora de Renan Calheiros, por si só, não resolve nada. Ele é apenas uma peça da engrenagem maior que a cidadania precisa desativar. A mercantilização da politica, no padrão desvairado da simbiose Lula-Renan, é uma decorência direta da privatização do poder público. Enquanto durar o atual modelo, o balcão de negócios vai continuar. Quando a riqueza privada se afirma sobre a falência do poder público, o resultado inevitável é a gangsterização da política.
Léo Lince é sociólogo.
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