As hienas do mercado financeiro e os aloprados bolsonaristas: as eleições brasileiras sob ataque calculado
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- Luis Fernando Novoa Garzon
- 25/10/2022
Apresento aqui o que considero ser duas coreografias coincidentes. Um movimento é o dos órfãos do autogolpe de Bolsonaro, ensaiado no 7 de setembro de 2021: entre indultados e abandonados lá estão Daniel Silveira, Oswaldo Eustáquio, Sara Geromini, Roberto Jefferson e congêneres, acusados de orquestrarem milícias paramilitares e digitais em ataques frontais ao Supremo Tribunal Federal. Outro movimento é o dos mercados financeiros condutores do rally eleitoral de 2022 em estado de euforia com o que chamam de “ativos estatais eleitorais”, com ações da Petrobrás e Banco do Brasil batendo recordes de valorização até a última sexta-feira, dia 21 de outubro.
No dia 23 de outubro, os paralelismos se explicitaram. Jefferson, assumindo o papel do bolsonarismo desimpedido, procurou oferecer um espetáculo de vitimização de todos os “defensores da liberdade de expressão” no intuito de desautorizar o STF e por decorrência o TSE. Os estilhaços das granadas e tiros de fuzil, além de ferirem dois agentes da Polícia Federal, atingiram em cheio a mentoria da campanha subterrânea.
Os agentes de mercado tiveram que levantar cedo neste domingo para calcular o tamanho da queda das ações da Petrobrás e do Banco do Brasil no dia seguinte. O exemplo vem da LEVANTE, uma plataforma cara a traders e chief executive officers (CEOs) de agências financeiras. Às 14h deste mesmo dia, é remetida uma imprevista newsletter a seus apostadores com a chamada: “você deve lidar com a indefinição”. O trader responsável pelos lances que bombaram na semana anterior, Enrico Cozzolino, procurou se antecipar à mudança de viés, suavizando o peso da má notícia que viria: “Opiniões pessoais à parte, a reeleição do atual presidente é vista como melhor nos bastidores da Faria Lima para as empresas estatais. Uma salada mista de fatores positivos para o seu bolso como investidor ou investidora. Sim, sim, sim. Porém... [o consultor destas apostas faz aqui a marcação da passagem de cenário, que ocorria naquele momento] “Não devemos nos esquecer de que as eleições ainda não acabaram, e nada está verdadeiramente definido. Mais ainda: o Brasil, apesar de um bom ‘recanto de investimento’ no cenário macroeconômico global, não é um mar de flores”. Hora de cair na real e de retomar posições contra a moeda nacional, com o “problema fiscal de novo no radar”, conclui Cozzolino.
Os posicionamentos desencontrados do presidente e das redes bolsonaristas, fiadoras do mesmo tipo de “liberdade” defendida com artilharia pesada por Jefferson, aumentaram a percepção do país em modo golpe. A atuação farsesca de pseudo-religiosos do lado de dentro e de fora da casa, respaldando e abençoando ações criminosas, deu mostras do que é a “guerra santa” encampada pelo bolsonarismo. Kelmon, o “padre que caiu do céu” para Bolsonaro, estava ali para desarmar ou para armar Jefferson? A pastora e ex-deputada Lilian Sá, declara em meio a uma aglomeração de incautos de camisa amarela: “Ele [Roberto Jefferson] deve ser libertado porque não fez nada demais, não matou ninguém, não roubou”.
Bandidos são sempre os outros, é o lema neofascista brasileiro que se imiscui nos templos produzindo uma colagem de sentimentos segregadores em busca da “purificação” da nação. O crime maior é projetar o crime nos sujeitos mais estigmatizáveis, prosseguindo impune, sem mácula visível.
Em tempos de exceção continuada, em que a regra é a ruptura de qualquer laço ou pacto social, que limite a rentabilidade dos investimentos, que “alternância de poder” se pode esperar? Tornado admissível o método de extravasar a ordem liberal-institucional para consolidar butins sobre direitos e territórios, particularmente nesta extensa periferia dos capitais globais, é inócuo demarcar procedimentos do que seja representação política legítima. Eleição, para ultraliberais e milicianos associados, é guerra por outros meios, e com todos os meios disponíveis.
Não é por acaso que o método criado pela Levante para maximizar ganhos financeiros em ano eleitoral, com “operações de tiro rápido”, se chama “Lucro acima de tudo”. Assim se locupleta o bordão presidencial: o (negócio) Brasil acima de tudo. O âmago do negócio é a extensão da ponte do futuro, iniciada em 2016, com o teto de gastos não-financeiros e a reforma de precarização trabalhista. Logo vieram a plena autonomia do Banco Central, a privatização definitiva do saneamento básico, a reforma previdenciária dos sonhos dos banqueiros, novas rodadas de flexibilização dos marcos regulatórios de infraestrutura e a entrega de um volume inédito de concessões ao setor privado.
Assim como Jefferson é a face de Janus de Bolsonaro, as operações financeiras de tiro de rápido é que predefinem os movimentos mais caudalosos do IBOVESPA. É como uma corrida de cavalos sem possibilidade de azarão. É o que vocaliza Guedes com os três Ds, o programa redux, ao modo Ku Klux Klan (KKK), das altas finanças: desvincular, desobrigar, desindexar. O que significa o acionamento de mecanismos automáticos de gestão transnacional e financeirizada de nossa economia, instituindo a indexação compulsória da renda, do patrimônio e do capital às custas da desindexação crescente dos gastos sociais. Obrigações e vinculações rentistas em troca de desobrigações e desvinculações sociais, é o que está em jogo.
Os defensores dessas descosturas se agarraram a Bolsonaro e à sua guerra suja. A criatura forjada nos porões da Ditadura tem o aval do financismo de choque para apressar a marcha da desdemocratização, uma espécie de desconstituinte permamente, que torne indistinguível o limite do intolerável, e assim novas dimensões de mercadorização e de militarização lhe são acrescentadas. Os agentes de mercado, em busca da intermediação de ativos estatais e da livre expansão da fronteira de commodities, não duvidam que distopias valem mais, aqui e agora.
Os grandes bancos e fundos de pensão – com suas agências – de “tiro rápido”, pleiteiam um impedimento prévio que sobrepassa o presidente que for eleito. Impedir proteções que resguardem as remanescentes cadeias industriais. Impedir vínculos orçamentários para serviços essenciais e restrições à sua privatização. Impedir políticas tecnológicas aglomeradoras. Impedir políticas creditícias voltadas para a geração de empregos e para a mobilização de negócios locais e regionais através dos bancos públicos. Impedir restrições aos investimentos estrangeiros e seus fluxos de entrada e saída. Querem manter intocadas as operações da dívida pública e subsequentemente o sucateamento expresso do Estado e dos direitos dos trabalhadores para lastrear mercados derivativos e fazer avançar a financeirização da natureza e dos territórios.
No horizonte tático-estratégico, a derrota eleitoral de Bolsonaro deve se traduzir na contestação popular e jurídica do conjunto das medidas de exceção pró-mercados de Temer e Bolsonaro, com a convocatória de um movimento articulado por um revogaço, na forma de um plebiscito popular para varrer o entulho ultraliberal e neofascista dos últimos anos. São vastas as resistências latentes e ativadas contra o arranjo neofascista de mercado no Brasil. No dia 30 de outubro, essas forças estarão conjugadas para derrotar Bolsonaro para além do campo eleitoral.
Luis Fernando Novoa Garzon é sociólogo, doutor em Planejamento Urbano e Regional e professor da Universidade Federal de Rondônia.
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