Correio da Cidadania

Desilusão mexicana

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Eleito há dois anos, Peña Nieto, o presidente do México, projetava enfrentar os cartéis de drogas com uma estratégia diferente da do seu antecessor.

 

Felipe Calderon (2000-20012) priorizava ações militares e policiais para prender ou matar os chefões e assim destruir os bandos.

 

Os resultados obtidos por ele na guerra das drogas não foram nada bons: mais de 60 mil mortos e cerca  de 27 mil desaparecidos, conforme dados oficiais. Estimativas particulares falavam em 120 mil mortos.

 

E os cartéis continuavam ativos e prósperos, fornecendo 70% da cocaína e da marijuana consumida nos EUA e aterrorizando todo o México.

 

Peña Nieto afirmou que seu objetivo seria reduzir radicalmente o número de assassinatos, roubos e extorsões, principalmente através do uso de recursos tecnológicos e de inteligência.

 

A população mexicana confiou nas propostas dele, preferindo-o em vez do esquerdista Lopez Obrador.

 

Mas essas esperanças foram sendo desfeitas à medida em que  Peña Nieto parecia estar mais focado na realização dos seus sonhos neoliberais do que na segurança e promoção social.

 

Foi assim que ele conquistou o apoio entusiástico dos conservadores do país e de publicações estrangeiras como o Financial Times, o Washington Post e  o Wall Street Journal.

 

Aplausos especiais desses grupos foram para a extinção do monopólio estatal do petróleo, que lhe valeu uma foto de capa na revista Time e sua consagração como uma espécie de salvador da economia mexicana.

 

Já a população pobre do país não compartilhava de toda essa euforia.

Nem poderia.

 

Recentes estatísticas da Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) colocam o México muito mal no ranking das principais estatísticas dos 36 países da entidade (o Brasil é um deles):

 

- antepenúltimo em crescimento econômico;

- último em educação;

- último na porcentagem das pessoas em risco de caírem na pobreza;

- 52% da população na pobreza, dado inalterado nos últimos 20 anos;

- em habitação é o 33º em 36;

- mesma classificação em saúde;

- 2º lugar entre os países com maior desigualdade social;

- na redução da pobreza e desenvolvimento social, o orçamento mexicano corresponde a um terço da média dos países da OCDE.

 

Por fim, nos 2 primeiros anos do governo Peña Nieto, o México manteve as mesmas posições nos itens medidos pela OCDE.

 

Enquanto isso, a nova estratégia anti-cartéis não está deixando ninguém satisfeito.

 

É certo que houve uma ligeira redução no número de homicídios, mas os raptos, extorsões e ações corruptas praticadas pela polícia e o exército continuaram crescendo.

 

No estado de Michoacan, assolado pelo cartel dos Cavaleiros Templários, apesar da existência de forças militares e policiais que deveriam garantir a paz e a ordem, as coisas chegaram longe demais.

 

Em outubro de 2013, o bispo don Miguel Patiño Velasquez  publicou uma mensagem,  na qual chamava o México de “estado falido”, denunciando os raptos e extorsões promovidas por esses estranhos “templários”, que obrigavam centenas de famílias a fugirem das violências. Cidadãos, narrava o bispo, estavam sendo obrigados a assinarem petições pela saída do exército. E as autoridades não prendiam um único dos chefões, embora soubessem quem eram.

 

O governo respondeu em março deste ano, enviando mais três mil soldados.

 

Não adiantou muito: esses templários, que substituíram a cruz pelo cifrão, continuam dando as cartas.

 

“Eles estão desafiando o Estado do México em pé de igualdade,” disse Edgardo Buscaglia, scholar na Universidade de Columbia, estudioso do crime organizado  na América Latina. Buscaglia observa que, em muitas partes do estado de Michoacan, os Cavaleiros Templários são a lei de fato. “Existe um vazio de Estado no México que não é ocupado por qualquer quadro institucional… e os cartéis estão se movimentando para capturar pedaços do Estado”.

 

Por sua vez, o comportamento das próprias autoridades era bastante questionável.

 

Como aconteceu em junho deste ano, na cidade de Tlacaya, quando foram descobertos 23 cadáveres.

 

A princípio, os responsáveis pela segurança alegaram que eram traficantes mortos em combate com o exército.

 

Por denúncia de jornalistas, inclusive da revista americana Esquire, revelou-se que se tratava de uma execução sumária de pessoas desarmadas praticada por soldados. Pior: testemunhas que procuraram a polícia e os procuradores locais foram amedrontadas, presas e mesmo torturadas para que se calassem.

 

Diante do escândalo, um oficial e sete soldados foram detidos.

 

Por fim, em novembro último, apenas três desses soldados acabaram processados, sendo que os oficiais e autoridades civis que tentaram jogar a sujeira para debaixo do tapete seguiram impunes.

 

A profunda indignação causada por essa omissão somou-se à que já estava em ebulição deflagrada por acontecimentos de dois meses antes, na cidade de Iguala, estado de Guerrero.

 

Estudantes da Escola de Professores Rurais de Ayotzinapa foram detidos pela polícia, quando se dirigiam de ônibus a Iguala para participar de uma reunião pública.

 

Os “agentes da ordem” mataram a tiros seis dos jovens e entregaram outros 43 a integrantes do cartel Guerreiros Unidos, que os levaram à força para local desconhecido.

 

Em meio a crescentes manifestações populares de protesto, descobriu-se que a ação fora ordenada pelo prefeito local e sua esposa, ambos ligados aos traficantes.

 

A prisão da dupla não demorou muito.

 

Sendo eles membros do esquerdista Partido de Renovação Democrática (PRD), de oposição ao Partido Revolucionário Institucional (PRI) de Peña Neto, o presidente pretendeu dissociar-se de culpas do massacre.

Não conseguiu.

 

De fato, como presidente, ele é responsável pela defesa dos cidadãos contra as violências dos traficantes.

 

E convém lembrar que a redução dos assassinatos e sequestros na guerra das drogas fora justamente o carro-chefe de sua campanha eleitoral.

 

Outros fatos alimentaram a indignação popular contra o governo, expressa em manifestações exigindo a libertação dos 43 sequestrados.

 

A descoberta de uma sepultura coletiva com 38 corpos, seguida por outra sepultura coletiva e depois por uma terceira passaram a ideia de impunidade de que os cartéis gozariam. E de incompetência, se não de cumplicidade, do governo.

 

Foi quando explodiu um escândalo envolvendo o próprio Peña Nieto.

Revelou-se que parte da mansão de 7 milhões de dólares onde vivia sua esposa fora doada por ex-empregador dela, a Rede de mídia Televisa.

 

Já a outra parte pertencia ao grupo empresarial Higa, integrante de um consórcio que recebera um contrato de 3,5 bilhões de dólares para a construção do trem-bala, sem concorrência.

 

Para culminar, o procurador-chefe, nomeado por Peña Nieto, encerrou entrevista à imprensa sobre o massacre de Iguala desabafando: “estou cansado disto”.

 

O que somente reforçou a impressão de indiferença da administração diante do crime transmitida pelo governo.

 

Agora, a massa dos manifestantes tinha um novo brado : “fora Peña”.

Desesperado por não conseguir encontrar indícios do paradeiro das 43 vítimas, o governo procura uma solução que acalme o povo.

 

Divulgou declarações de mafiosos presos, garantindo que os rapazes haviam sido mortos pelas gangues, sendo seus corpos incinerados, sem deixar vestígios.

 

Portanto, não haveria nada mais a fazer, que todo mundo voltasse pra casa…

 

Sucede que Peña perdeu totalmente sua credibilidade.

 

Os protestos se espalham por cidades de todo o país.

 

Cada vez mais veementes.

 

No maior deles, na cidade do México, houve sérios conflitos entre a polícia e manifestantes. O governo prendeu 11 estudantes, acusando-os de terrorismo, crime organizado e conspiração,  encerrando-os numa prisão de segurança máxima.

 

Por posturas desse tipo, a Human Rights Watch, o Artigo 19 e dezenas de Ongs locais soltaram documento acusando o governo de escandaloso aumento na repressão dos protestos e na violência contra a imprensa.

 

O fim das ilusões despertadas pelo presidente Peña Nieto aparece nos números de recente pesquisa de opinião do diário Reforma.

58% do público desaprovam seu governo, contra apenas 39% que ainda acreditam nele. Entre os líderes de opinião, a rejeição é mais clara: Peña Nieto perde por 79% versus 21%.

 

O presidente ainda tem dois anos de mandato a cumprir.

 

Pelo pouco que conseguiu até agora na área social e na confiança perdida junto ao povo, não dá para se esperar muita coisa.

 

Leia também:

O massacre dos estudantes de Ayotzinapa: terrorismo de Estado mexicano - http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10168:submanchete221014&catid=30:america-latina-&Itemid=187

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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