Indícios de mudança nas relações EUA/ Israel
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- Luiz Eça
- 30/03/2015
Até agora, Tio Sam tem sido uma verdadeira mãe para Israel. Além de lhe dar uma ajuda anual de 3,1 bilhões de dólares em armas, também já o defendeu de mais de 70 condenações e/ou sanções na ONU.
No governo Netanyahu especialmente, Israel tem se comportado muito mal. Entre suas muitas violações dos direitos humanos e das leis internacionais, as mais graves foram a expansão sistemática de assentamentos na Palestina e diversos ataques a Gaza, matando milhares de civis, inclusive centenas de crianças, e destruindo a infraestrutura de serviços e a economia da região tão pesadamente que Gaza está às portas de uma catástrofe humanitária.
Embora protegendo sempre Telavive de possíveis sanções internacionais, o governo Obama se preocupa em promover um acordo entre palestinos e israelenses para criar uma Palestina independente, ao lado de um Israel com segurança.
É a chamada “solução dos dois Estados”, aprovada também pela Europa e por israelenses e palestinos.
O caminho para se chegar a essa solução, conforme Obama, passaria necessariamente por negociações bilaterais entre as partes.
Em nome dessa tese, os EUA derrubaram duas vezes na ONU propostas de reconhecimento da Palestina como Estado soberano.
Teoricamente, Netanyahu concordava em gênero e número com Obama. Na prática, não era bem assim.
Em 2009/2010 e 2014 ele sabotou duas negociações de paz bilaterais, estimuladas pelos EUA, continuando a criar novos assentamentos e exigindo que os palestinos reconhecessem previamente Israel como Estado judeu, sem em troca reconhecer a Palestina como Estado independente.
Sua marinha cometeu um verdadeiro ato de pirataria ao atacar um comboio que levava suprimentos a Gaza e matar nove ativistas.
Na recente invasão de Gaza, foi tão brutal o massacre de civis inocentes que até mesmo o tolerante Tio Sam não gostou – pediu mais contenção ao exército do seu sobrinho predileto.
Mas, ao doutrinar os congressistas norte-americanos, em pleno Senado, contra o acordo nuclear com o Irã para convencer os indecisos, Netanyahu avançou o sinal vermelho.
O que ele fez significou um país estrangeiro tentando mandar na política externa dos EUA. Foi a última gota que fez o copo de água transbordar.
Depois de negar-se a receber o líder israelense, Obama concedeu uma entrevista dando a entender que as coisas poderiam mudar entre EUA e Israel.
O próprio Netanyahu ajudou a embananar a situação quando afirmou em campanha eleitoral que, com ele no governo, a Palestina jamais seria independente.
Mais tarde, uma vez eleito, ele tentou voltar atrás. Em entrevista à BBC afirmou, com a maior cara de pau, não ser a favor da existência de um único Estado (Israel) na região... O que deixava implícito sua aceitação de um segundo Estado, ou seja, a Palestina.
Mas Obama não foi nessa. Em entrevista na Casa Branca, afirmou que, mesmo depois da “correção”, as perspectivas de paz no Oriente Médio estavam diminuídas. Foi enfático, reiterando a necessidade de se reavaliar a política norte-americana na região.
Sobre as negociações bilaterais, até agora privilegiadas pelos EUA, esta foi sua posição: “não podemos continuar baseando nossa diplomacia em algo que todo mundo sabe que não vai acontecer nos próximos anos”.
Segundo TruthDig (26/3), quando um repórter perguntou se os EUA agora apoiariam o reconhecimento da Palestina pelo Conselho de Segurança da ONU, Obama respondeu: “nós vamos fazer uma reavaliação...”.
Indicou, portanto, que poderia mudar sua tradicional posição pró-negociações bilaterais (palestinos – israelenses), admitindo implicitamente negociações multilaterais no terreno da ONU.
Novos indícios foram surgindo de que mudanças radicais poderiam pintar na relação entre EUA e Israel.
A nomeação de Robert Malley como assessor para o Oriente Médio não foi nada bem vista por Telavive. Malley defende a participação do Hamas – grande inimigo de Israel – nas negociações de paz na Palestina.
Denis McDonough, chefe do staff da Casa Branca, fez um apelo a Israel para retirar seu exército da Palestina, “uma ocupação que já dura 50 anos tem de acabar”.
Ele falava diante de três mil pessoas, na conferência anual do J. Street, um lobby liberal israelense. Foi muito aplaudido, pois os judeus liberais norte-americanos são favoráveis à independência da Palestina.
McDonough não ficou nisso. Condenou também a posição de Netanyahu contra a “solução dos dois Estados”: “Os EUA não podem simplesmente fazer de conta que aqueles comentários nunca foram feitos”.
Como ele é um assessor muito próximo de Obama, parece certo que não manifestaria nenhuma opinião que não fosse a do presidente.
A recusa dos EUA de participarem do debate anual sobre violações na Palestina, da Comissão de Direitos Humanos da ONU, chamou a atenção porque sempre seus representantes têm estado presentes defendendo Israel. Por que desta vez teriam se omitido?
Outro possível indício de mudanças em Washington foi a retirada do Irã e do Hizbollah da lista negra dos terroristas do Departamento de Estado dos EUA. Também deixou os israelenses com uma pulga atrás da orelha porque faz muitos anos que esses dois inimigos de Telavive frequentam a “lista do terror” com assiduidade.
Por que de repente foram excluídos?
A revelação de que Israel espionava as reuniões secretas das negociações do acordo nuclear com o Irã, para fornecer a congressistas republicanos argumentos para derrubá-las, enfureceu a Casa Branca. Pôs mais lenha na fogueira.
Antes do fim do mês, os representantes dos EUA, das potências europeias, da China e do Irã terão a última chance para acertarem as pontas.
Será o prazo final para os congressistas pró-Israel o destruírem de uma vez.
Seja qual for o resultado, a relação de amor eterno entre EUA e Israel não deverá ser mais a mesma.
O governo Obama já foi bastante ofendido.
Terá ainda dois anos de mandato para fazer o que seus antecessores nem tentaram: proclamar a independência da política externa norte-americana.
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Luiz Eça é jornalista
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