Irã sem bombas: o acordo garante?
- Detalhes
- Luiz Eça
- 08/04/2015
“Chamberlain conseguiu um melhor acordo que Hitler”, foi a opinião do senador republicano Mark Kirk. Referia-se ao acordo de Munique, quando o primeiro-ministro inglês cedeu de bandeja a Tchecoslováquia ao ditador nazista.
Já o presidente do Conselho Americano-Iraniano pensa exatamente o contrário. Ele declarou que os EUA conseguiram um acordo “absolutamente incrível” com o Irã, recebendo tudo o que queriam.
Quem acompanhou o noticiário sobre os 18 meses de debates entre o Irã e os P+5 (EUA, Reino Unido, França, China, Alemanha e Rússia) fica impressionado com as principais concessões que Teerã fez às grandes potências.
Concordou em enriquecer urânio no máximo a 3,67% (uma bomba nuclear exige 90%) durante pelo menos 15 anos.
Das quase 20 mil centrífugas instaladas nas usinas de enriquecimento, o Irã aceitou conservar em operação apenas 5 mil.
Haverá uma grande redução no estoque de urânio de baixo enriquecimento, com a diluição ou exportação de ao menos 8 toneladas, deixando no país apenas 300 quilos.
Nenhuma unidade de enriquecimento será construída durante os próximos 15 anos. O Irã se obriga a remover o núcleo do seu reator de água pesada de Arak, tornando-o inoperável.
Um reator em planejamento será reconstruído de forma a não poder produzir plutônio em grau de armas nucleares.
O país se submeterá a uma severa inspeção de sua cadeia de suprimento de combustível nuclear.
Para avaliar o volume e a qualidade dessas condições, o jornal The Sacramento Bee ouviu a opinião de uma série de experts na matéria.
Todos eles se declararam impressionados de forma muito positiva. Greg Theilman, da ”Associação de Controle de Armas” e ex-oficial sênior do birô de inteligência do “Departamento de Estado”: “estou agradavelmente surpreendido porque alguns desses itens representam até mais do que se esperava”.
Jeffrey Lewis, do Middlebury Institute of International Studies, de Monterrey, Califórnia: “o canal de aquisição é uma ideia muito boa que uma porção de pessoas tinha. Mas eu fiquei espantado quando eles (os iranianos) a aceitaram”.
Explicando: o acordo estabelece que compras iranianas de quaisquer materiais relacionados à energia nuclear terão de ser feitas através de um “canal de aquisição” aprovado pelas Nações Unidas.
Com isso, seria eliminada a possibilidade de o Irã burlar as sanções, realizando em segredo compras de equipamentos através de empresas estrangeiras.
Cheryl Rofer, ex-químico no Laboratório Nacional de Los Alamos, onde se projetaram as bombas nucleares norte-americanas: “São salvaguardas que cobrem todos os aspectos do ciclo de combustível nuclear. Se eles tivessem concordado com metade delas, já seria um grande passo”.
A opinião geral é que o objetivo central do acordo será cumprido. Com sua implementação, o Irã precisaria de um ano para construir uma bomba nuclear, tempo suficiente para as grandes potências descobrirem e tomarem providências preventivas.
O próprio primeiro-ministro israelense parou de criticar as medidas previstas, passando a clamar que os iranianos enganariam o Ocidente, descumprindo-as. E tratariam de produzir sua bomba, sem que ninguém percebesse.
Mas os experts acham que o Irã aceitou um regime de vigilância nuclear de uma intromissão jamais vista.
Frank von Hippel, do “Programa de Ciência e Segurança Internacional”, da Universidade de Princeton, depois de se dizer surpreso com o alcance das cláusulas do acordo, afirmou ao “The Sacramento Bee”: “em matéria de transparência, parece que eles foram muito longe.”
Como disse o presidente Obama: “Se o Irã tentar enganar, o mundo inteiro ficará sabendo”.
De fato, os inspetores da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) terão acesso livre a todos os setores relacionados à área nuclear, incluindo as minas de onde o Irã extrai minério de urânio e os moinhos nos quais produz o yellow cake, um concentrado de urânio.
Segundo Philip Hammond, secretário do Exterior do Reino Unido, o Irã será sujeito a um monitoramento completo: “Haverá uma transparência muito rigorosa e um sistema de inspeções diárias através de inspetores internacionais, segurança high-tech de todas as instalações, câmeras de TV, selos eletrônicos nos equipamentos – de modo a ficarmos a par de tudo”.
Essa severíssima inspeção da cadeia de suprimento de combustível nuclear permanecerá em operação durante 25 anos.
As sanções contra o Irã só começarão a ser retiradas depois de implementados todos os itens previstos no acordo. Estima-se que deverá levar mais de seis meses.
Antes disso, até fins de junho, o acordo definitivo, incluindo todos os detalhes técnicos, deverá ser assinado pelas partes.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamim Netanyahu, não desistiu de acabar com ele. Conta com o Partido Republicano dos EUA, cujos membros estão totalmente a seu serviço.
Durante as últimas semanas das negociações do acordo nuclear, John Boehner, presidente da Casa de Representantes (Câmera Federal), e Mitch McConnel, líder da maioria no Senado, viajaram a Telavive para conspirar com Netanyahu.
Com apoio dos milhões de dólares da AIPAC (maior lobby pró-Israel) e de poderosas cadeias de imprensa, como a Fox News, os republicanos já tentaram várias cartadas para destruir o acordo no Legislativo.
A última é uma lei exigindo que os parlamentares tenham a palavra final na decisão sobre o acordo. Sem seu ok, Obama não poderia assiná-lo.
Com maioria republicana nas duas casas do parlamento, esta lei será fatalmente aprovada. Obama já afirmou que a vetará.
Para derrubar seu veto, os republicanos precisarão de 12 votos de democratas. O presidente está fazendo de tudo para convencer os membros de sua bancada a não cederem aos apelos dos defensores do Israel, first.
Mesmo que mais esta barreira seja vencida, nem assim a partida poderá ser considerada ganha.
Na semana passada, Netanyahu ainda tentou criar novos problemas, exigindo que, como parte do acordo, Teerã reconhecesse o regime sionista de Israel.
Não pegou. A porta voz do governo Obama respondeu de maneira óbvia: o objetivo do acordo é específico: resolver a questão nuclear iraniana.
Nada mais.
Mas até a data de assinatura final do acordo, o líder israelense terá ainda quase três meses para lançar novas provocações tentando jogar a opinião pública contra o Irã. É de se crer que não conseguirá.
No mundo inteiro, a notícia do acordo, enfim alcançado, foi recebida com uma imensa sensação de alívio. A paz parece salva.
Não dá para acreditar que a posição belicista de uns poucos possa prevalecer.
Luiz Eça é jornalista
Website: Olhar o Mundo.