Nova esquerda espanhola começa bombando
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- Luiz Eça
- 23/06/2015
Como no Brasil, massas de espanhóis saíram às ruas contra o sistema. Mas não ficaram nisso, como aconteceu por aqui.
O povo não suportava mais as consequências do arrocho econômico e fiscal, impostos pelas autoridades da Europa. Que os governos dos dois grandes partidos – socialista e conservador – se conformaram em aceitar.
Ao contrário do que aconteceu no Brasil, as grandes manifestações populares espanholas (dos chamados Indignados) foram apenas o começo de uma atuação política realmente efetiva.
Os indignados criaram movimentos para enfrentar os graves problemas do país, causados ou agravados pela política de austeridade. Fundou-se também um partido político alternativo – o Podemos.
Diferente de todos os demais partidos espanhóis, o Podemos está focado em mudanças radicais, porém, realistas, para aliviar os sofrimentos do povo. É uma nova esquerda, não engessada, nem por princípios ideológicos rígidos, nem por compromissos com interesses econômicos.
O Podemos surgiu oficialmente em janeiro de 2014 e quatro meses depois se tornou o quarto partido mais votado já na sua primeira disputa eleitoral, para o parlamento europeu.
Nas eleições municipais deste ano, o Podemos participou em coalizão com diversos movimentos sociais.
Conseguiu resultados surpreendentes, elegendo os prefeitos de quatro das cinco maiores cidades da Espanha.
E eles já estão mostrando ao que vieram. Em Barcelona, a nova prefeita, a ativista Ada Colau, prometeu que nunca terá um carro oficial. E vai reduzir seu salário de 140 mil euros anuais para 35 mil euros anuais.
Logo no seu primeiro dia, ela atendeu pessoalmente a uma família despejada de seu lar. Sem demora, ligou para o banco credor e conseguiu que a ordem de despejo fosse suspensa.
A seguir, ordenou que um assessor tomasse providências para proteger outras 15 famílias também ameaçadas de despejo.
Ada Colau anunciou à imprensa um plano de emergência para tratar do problema da habitação. Vai convocar os banqueiros para discutirem como interromper os despejos e transformar as casas de suas carteiras que estão vazias em residências de preço acessível.
A questão da habitação é uma das mais angustiantes na Espanha de hoje. Devido à crise, o desemprego atingiu 26% (só na Grécia é pior). Com tanta gente sem ganhar salário, falta dinheiro para pagar prestações de casas ou aluguéis.
Até o fim de 2012, já havia 400 mil processos de despejo. Na Espanha, as leis de habitação são extremamente duras para o locatário. Depois de despejado, terá de continuar pagando a hipoteca se o valor da casa for inferior à dívida. O que acontece muito, pois, por efeito da crise, a procura de residências caiu e, consequentemente, também seu valor de mercado.
Antes de ser eleita prefeita, Ada Colau distinguiu-se como líder de movimento em defesa dos atingidos por despejos. Já demonstrou que vai continuar ligada a essa causa no seu atual cargo, como prefeita de Barcelona.
O mesmo já está fazendo a nova prefeita de Madri, a juíza Manuela Carmena, outra candidata apoiada pelo Podemos.
Como Ada Colau, ela teve um começo de governo surpreendente: chegou de metrô, prometendo que será sua condução normal para a prefeitura.
Sem perder tempo, Manuela Carmena comprometeu-se a implementar uma série de medidas nos primeiros 100 dias do seu mandato.
1 - Usar de todos os meios e recursos municipais para paralisar as desocupações e despejos de “primeira moradia” e oferecer uma alternativa habitacional;
2 - Interromper a privatização dos serviços públicos;
3 - Garantir água e eletricidade a todos que não possam pagar;
4 - Desenvolver um plano urgente para a inserção no mercado de trabalho de jovens e desempregados há muito tempo.
Na sua campanha eleitoral, o recém-eleito prefeito esquerdista de Valença, Joan Ribó, deu ênfase especial à busca de outras opções para a mobilidade na cidade.
Coerente, foi de bicicleta à prefeitura no primeiro dia do seu mandato. Usar o metrô como condução normal, reduzir seu salário e dispensar carros oficiais poderão parecer medidas ineficientes ou demagógicas.
Mas há um sentido simbólico: mostrar ao povo que os políticos da nova esquerda fazem parte dele e não querem usar de qualquer privilégio nessa quadra sofrida que a Espanha vive.
Na Galícia, três prefeitos dessa nova esquerda tomaram algumas decisões controversas. Todos eles negaram-se a participar de uma famosa e tradicional procissão religiosa.
O motivo: sendo a Espanha um país laico, autoridades não deveriam se comprometer com atividades públicas de qualquer religião.
Xulio Ferreiro, eleito na Corunha, disse que preferia homenagear a matemática galega Maria Wonemburger, recém-falecida aos 86 anos, a primeira pessoa na Espanha a ganhar uma bolsa Fulbright para doutoramento em matemática.
Jorge Suarez, de Ferrol, prometeu que vai cumprir programa discutido com entidades sociais que prevê a reestatização da maioria de serviços privatizados pelos conservadores.
Coube a Martiño Noriega, novo prefeito de Santiago de Compostela, definir, de forma simples, mas, quem sabe, básica, os objetivos desta nova esquerda: “uma sociedade mais justa em termos reais e um país dono de suas decisões”.
O fracasso do establishment espanhol, provado pela crise que a direita e a esquerda tradicional não conseguiram administrar, gerou a nova esquerda do Podemos e dos movimentos sociais.
Quando dezembro chegar, ela terá boas chances de assumir o governo da Espanha, nas eleições parlamentares.
Seria, então, uma alternativa válida, mesmo porque não existe outra.
Luiz Eça é jornalista.
Website: Olhar o Mundo.
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