Entre o medo da guerra e o medo do Irã
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- Luiz Eça
- 07/08/2015
A disputa pelas mentes do povo norte-americano sobre o acordo com o Irã está cada vez mais dura. Os oito principais lobbies pró-Israel uniram-se numa frente – Citizens for a Nuclear Free Iran – liderada pelo mais poderoso deles, a AIPAC.
Essas organizações juntas somavam recursos de 145 milhões de dólares em 2013. Atualmente deve ser ainda mais. Ninguém duvida de que a AIPAC vá usar tudo que pode na sua campanha.
Entre as oito organizações que defendem o acordo, destacam-se a JStreet (grupo israelita progressista) e o Move ON.
Seus orçamentos são bem mais modestos: cerca de 33,5 milhões de dólares. As duas partes lançaram seus ativistas para tentar convencer o Congresso de suas posições, nos 60 dias em que ele terá para aprovar ou rejeitar o acordo.
Os lobbies pró-Israel levam vantagem, pois somente a AIPAC conta com 100 mil membros. Eles já iniciaram uma vasta campanha de opinião pública, colocando artigos e editoriais em jornais e entrevistas favoráveis nas rádios e emissoras de TV de todos os EUA, graças ao poder de pressão dos muitos milionários do movimento.
A propaganda vai ter um papel fundamental, calculando-se que a AIPAC e aliados gastarão entre 20 e 40 milhões de dólares na publicação de anúncios de imprensa e comerciais de rádio e TV.
Para enfrentar essa tremenda massa de recursos o grupo da JStreet dispõe de uma verba publicitária de 10 a 20 vezes menor (apenas dois milhões de dólares).
A estratégia da campanha antiacordo foi definida em reuniões dos líderes republicanos com Netanyahu, em Telavive, e com o embaixador israelense nos EUA.
Sua mensagem básica é: a guerra não é necessária, existiria uma terceira alternativa. Com a rejeição do acordo pelos EUA, as sanções seriam mantidas e até aumentadas, até que o Irã topasse desmontar todas as suas instalações de enriquecimento de urânio.
Os aiatolás acabariam topando, pois seu país está em situação crítica, dependendo desesperadamente da suspensão das sanções para sair do buraco.
A eficiência da verificação da observância das cláusulas restritivas do acordo é contestada. A frente israelo-republicana garante que os iranianos poderiam iniciar seus projetos nucleares secretamente.
Caso o Ocidente percebesse, até que seus fiscais fossem ao país para checar as ações suspeitas, o governo de Teerã teria tempo para apagar todos os vestígios, tornando a verificação inócua. Como os iranianos “são falsos e indignos de confiança”, certamente lançariam mão desses expedientes, podendo até produzir uma bomba nuclear escondido.
Por sua vez, os defensores do acordo insistem que rejeição significa guerra. E mais: os EUA ficariam desmoralizados perante seus aliados em todo o mundo.
Como os europeus assinarão o acordo e querem conquistar o apetitoso mercado iraniano, retirariam suas sanções, deixando a Casa Branca falando sozinha.
Já que foram as sanções das potências europeias as que mais prejudicaram o Irã, livres delas os iranianos poderiam se recuperar, fazendo uma banana para as sanções estadunidenses.
Outro fator a considerar é que, caso Rouhani fracasse em obter a aceitação do Ocidente, seu governo moderado, que busca promover o respeito aos direitos humanos e contestar leis retrógradas do país, ficaria desmoralizado. Fortalecidos, os conservadores de Teerã jamais aceitariam a terceira alternativa de Netanyahu.
Provável mesmo que tirariam o Irã das negociações, talvez iniciando um programa nuclear, desta vez militar, abrindo caminho para uma guerra no Oriente Médio.
Quanto à capacidade de o Irã esconder dos inspetores eventuais ações proibidas, os especialistas na área afirmam ser impossível, resíduos de atividades nucleares demoram muito a desaparecer.
Esta argumentação é enfraquecida por um ponto favorável aos objetivos de Netanyahu e companhia: a falta de confiança do povo norte-americano nos iranianos.
Obama rebate, repetindo que o acordo é garantido por “verificações”, não por “confiança”.
Mas está tendo um sucesso muito relativo.
Em fins de abril, quando havia certeza de que se chegaria a um acordo com o Irã, pesquisa da Quinipiac University mostrava uma clara maioria dos estadunidenses a favor do acordo: 58% x 33%.
Nos meses seguintes, a campanha dos lobbies foi se intensificando. Em julho, a opinião pública mostrou estar em dúvida.
A pesquisa PEW apontou a vitória dos lobbies judaicos por 48% x 38%. E, segundo a pesquisa da CNN, 52% achavam que o Congresso deveria rejeitar o acordo, contra apenas 44% a favor da aprovação.
Por outro lado, o acordo vencia por 58% x 40%, de acordo com a CATO/YouGov, e por 56% x 37%, pela pesquisa do Washington Post.
Essa contradição mostra que povo norte-americano ainda não se decidiu se é a favor ou contra. Nota-se uma tendência de crescimento da posição contrária. Mesmo apoiando o acordo, a maioria dos consultados duvida que os iranianos o cumpram (42%, Washington Post).
Algumas pesquisas sugerem que Teerã já tem ou breve terá armas atômicas, o que seria uma ameaça para os EUA (CNN).
O argumento da falta de confiança nos iranianos pode acabar pesando mais do que a eficiência das “verificações” e das chances de guerra.
Existe no público do país uma profunda aversão ao Irã, tido como inimigo dos EUA e da própria civilização ocidental, capaz de tudo para destruí-la.
As raízes desse sentimento vêm de 1979, na revolução que derrubou o regime do xá e instituiu a República Islâmica do Irã, quando um grupo de estudantes sequestrou diplomatas e funcionários norte-americanos na embaixada em Teerã. O governo do aiatolá Khomeini negou-se a intervir e somente depois de 414 dias de negociações eles foram libertados.
Isso pegou tão fundo no público que o presidente Jimmy Carter foi derrotado por larga margem pelo candidato republicano.
O ódio entre as duas nações começou até bem antes, em 1953. O governo democraticamente eleito do premier Mossadegh foi derrubado por um golpe de Estado da CIA por ter nacionalizado o petróleo. Com apoio dos EUA, o xá assumiu poderes ditatoriais, instituindo uma repressão violenta, marcada por torturas, assassinatos e prisões de opositores, que durou até a revolução de 1979.
Irã e EUA continuaram a se opor em diversas outras situações: no auxílio prestado pelo presidente Ronald Reagan ao Iraque de Saddam Hussein, na guerra contra o Irã; no fornecimento de armas iranianas aos movimentos Hamas e Hizbollah, hostis aos EUA; mais recentemente, nas sanções que os EUA convenceram a Europa a fazer, com efeito devastador na economia de Teerã.
Durante estes 35 anos, governos, políticos e imprensa norte-americana rivalizaram na demonização do Irã.
De acordo com o jornalista Larry Clinton (artigo no New York Times), o povo ianque vem sendo cooptado por uma propaganda de governo “estritamente semelhante à da campanha de Hitler contra a Polônia”.
Terreno fértil para acolher bem os ataques de Netanyahu e partidários. As partes interessadas na aprovação do acordo nuclear têm contribuído para isso.
Durante as negociações entre o Irã e os P+5 (Alemanha, EUA, França, Reino Unido, China e Rússia), Obama não cessou de ameaçar o Irã com o célebre bordão “todas as opções estão sobre a mesa”, insinuando possível ataque militar.
Mais recentemente, no afã de amenizar a ira de Netanyahu, admitiu que o Irã seria antissemita. Falso, os judeus são protegidos por lei especial, têm liberdade religiosa, 20 sinagogas, um grande hospital, escolas de hebreu e direito de eleger um representante para o parlamento, o qual, aliás, acompanhou Rouhani na sua primeira visita a Nova Iorque.
Por sua vez, o Supremo Líder Khamenei e próceres conservadores repetem exaustivamente condenações ao governo norte-americano, descrito como um adversário cruel e traiçoeiro.
Não dá para Obama passar a dizer que os iranianos são gente séria e de palavra, quando está repetindo exaustivamente que o acordo se baseia em “verificações”, na falta de um interlocutor confiável.
Não é tarde, porém, para se expressar de forma favorável à pessoa do presidente Rouhani. Não timidamente como já fez, mas ressaltando sua moderação, espírito de paz e esforço para democratizar e modernizar seu país. Seria uma forma indireta de mostrar que também há good guys no Irã, começando pelo seu presidente.
Ganhar o povo norte-americano é importante para os dois grupos com posições divergentes sobre o acordo.
No Congresso, a vitória dos comandados por Netanyahu é quase certa, pois os republicanos são maioria. Nesse caso, Obama já prometeu que vetará.
Se ele contar com pesquisas de opinião favoráveis, terá mais força para convencer os parlamentares democratas a não darem os 12 votos necessários para derrubar seu veto.
Afinal, no ano que vem tem eleições.
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Luiz Eça é jornalista.
Website: Olhar o Mundo.