Impasse no jogo duplo da Turquia
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- Luiz Eça
- 07/12/2015
Não é com preces que os chefes do Estado Islâmico mantêm seu poderoso aparato bélico. Eles precisam de muito dinheiro para comprar armas, munições, mantimentos, medicamentos para seus exércitos. São centenas de milhões de dólares mensais (senão bilhões) que vêm de generosos príncipes e ricaços anônimos da Arábia Saudita e outros países do Golfo Pérsico e, principalmente, da venda de petróleo.
Eles têm o precioso “ouro negro” em abundância extraído das jazidas da Síria e do Iraque que conquistaram. Como é ilegal para o ISIS vender petróleo roubado, o jeito é fazer seus negócios através do mercado negro. Que é feito num país que faz fronteira com o território controlado pelos bárbaros radicais: a Turquia.
Pelo menos até Istambul entrar na coalizão anti-ISIS, frotas e mais frotas de caminhões transportavam enormes quantidades de barris à Turquia, onde eram vendidos a preço de banana a empresários locais.
Por ali também entravam e saiam à vontade milicianos salafitas e wahabitas (das seitas islâmicas ultrarradicais) para se alistarem no Estado Islâmico ou de lá saírem para praticarem atentados no estrangeiro, como fizeram recentemente em Paris.
Há mais de um ano, desde que formaram sua coalizão anti-ISIS, os EUA vêm pedindo aos turcos que também aderissem ou, pelo menos, cedessem o uso de uma de suas bases aéreas em condições estratégicas para de lá partirem bombardeiros contra os inimigos. Mas Istambul sempre negou. Até que, por sua vez, sofreu alguns atentados atribuídos ao ISIS, no mês de julho.
Ao ingressarem no bloco de Tio Sam, cederam sua base, deram apoio logístico e programaram ataques aéreos, a maioria contra seus inimigos, os curdos, por sinal os mais eficientes combatentes contra o Estado Islâmico.
Em novembro, fatos novos trouxeram sinais de tempestade. Com a derrubada do avião de caça russo pelos turcos, Putin saiu do sério. Acusou que o governo do presidente Erdogan estava, na calada da noite, ajudando decisivamente o ISIS a ganhar muito dinheiro para abastecer seus arsenais e armazéns. E assim ganhar músculos para continuar sua luta.
Com fotos de satélites e vídeos, Putin mostrou quilométricas procissões de caminhões carregados de petróleo passando da fronteira síria para a turca.
“Dia e noite eles entram na Turquia. Os caminhões sempre vão cheios e voltam vazios”, comentou o líder russo.
E o tenente-general Sergei Rudskoy (RT, 3 de novembro) forneceu números: “o lucro desta organização terrorista é de cerca de 3 milhões de dólares por dia”.
Segundo Moscou, os bombardeiros russos alteraram a situação. “Depois de dois meses de ataques, os lucros já caíram para 1,5 milhão de dólares diários”.
Em dois meses de bombardeiros, foram atingidos 32 complexos petrolíferos, 11 refinarias, 23 estações de extração de petróleo e destruídos 1.080 caminhões cheios de barris do ouro negro.
A conclusão do premier russo é que seu avião foi atacado para evitar que atacasse o suprimento de óleo do ISIS para a Turquia. Um tanto discutível.
O fato é que parece real a continuidade do tráfego de caminhões levando petróleo a preços de banana para a Turquia e trazendo recursos para o Estado Islâmico continuar lutando.
Cite-se alguns depoimentos a favor.
Deu na revista TIME: “A razão que as pessoas acusam a Turquia de colaborar com o ISIS é porque... Sua prioridade é derrubar Assad. Sua política não oficializada de abrir as fronteiras permitiu aos islamitas radicais, inclusive a Al-Nusra (filial da al Qaeda) e o ISIS trazerem dinheiro, recursos e milicianos para a Síria.”
O The Guardian noticiou um raid das forças especiais norte-americanas cujo alvo era um oficial do ISIS, responsável pela negociação do petróleo com compradores turcos. Na ocasião, oficial dos EUA, sob condição de anônimo, disse que os negócios entre oficiais turcos e o ISIS eram inegáveis. Um parlamentar da oposição turca, Ali Ediboglu, garantiu ao ABC News (Austrália) que o ISIS lucrou 800 milhões de dólares nas operações com os turcos.
Mowaffak al Rubaie, parlamentar iraquiano, declarou em entrevista que o petróleo roubado da Síria e do Iraque era vendido ao compradores turcos pela metade do valor. E concluiu: “Há oficiais de segurança na Turquia simpáticos ao ISIS. Estão permitindo que (os fanáticos do ISIS) viagem até a fronteira e se infiltrem na Síria e no Iraque”.
E o fato mais revelador: na semana passada, um tribunal turco condenou à prisão dois importantes jornalistas por terem publicado fotos de um caminhão turco entregando munições a milicianos na Síria.
O presidente Erdogan alegou que eram para turcomanos, inimigos do governo Assad. No entanto, um político turco, muito ligado aos turcomanos, negou.
Esteja o governo turco autorizando ou não o contrabando de petróleo da Síria e do Iraque, o fato é que existem 98 km de fronteira sem vigilância.
Não dá para acreditar que por lá não continuem trafegando as frotas de caminhões responsáveis por negócios ilegais que garantem recursos para o Estado Islâmico continuar praticando barbaridades.
Tanto é verdade que, após o atentado de Paris, o presidente Obama deixou bem claro que não aceitaria a desculpa de Ankara de que não tinha meios de fechar a parte da fronteira com a Síria, usada pelo ISIS.
O Wall Street Journal relatou assim as palavras do presidente: “O jogo mudou. O necessário é o necessário. A fronteira tem de ser fechada”.
Por enquanto, os turcos resistem. Seu ministro do Interior lamentou que a fronteira fosse muito grande. Seria praticamente impossível policiar toda ela.
Então, tá.
Obama vai engolir esse sapo?
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Luiz Eça é jornalista
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