Com Abbas, a Palestina independente não é possível
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- Luiz Eça
- 19/05/2016
O chefe da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, está pondo todas as suas fichas na proposta para o problema da Palestina que a França apresentará na reunião da ONU em setembro.
Não sabemos todos os detalhes, mas o principal é conferir à comunidade internacional papel básico para definir as linhas gerais do acordo, numa conferência a se realizar em 30 de maio.
Só numa segunda etapa, israelenses e palestinos se reuniriam para negociar o texto final, a partir do decidido pela reunião internacional.
A Europa está de acordo e até os EUA demonstraram simpatizar com a ideia.
Netanyhu já se mostrou contra, ele insiste numa solução discutida somente entre seu país e os palestinos. Como tem sido feito durante os últimos 22 anos sem sucesso.
Mesmo que o governo de Washington não vete a proposta francesa, não quer dizer que o assunto estará resolvido. Israel vai dizer “não” e é de se duvidar que a ONU ou as grandes potências apliquem as devidas sanções.
A essas alturas Hillary Clinton ou Donald Trump terá ganhado as eleições e os EUA vetarão qualquer iniciativa nesse sentido.
O máximo que os palestinos poderão conseguir será o reconhecimento da sua independência pela França e talvez alguns outros países europeus.
É de se crer que, em tal circunstância, os palestinos não se limitarão a celebrar seu upgrade e provavelmente adotarão o caminho da resistência armada.
Mas eles enfrentarão Israel sozinhos, pois Abbas continuará falando a linguagem da moderação.
Para ele, sem a aceitação de Telavive jamais existirá um Estado independente palestino. Portanto, a paz dependeria da vontade do governo de Israel.
Pensando assim, Abbas, nos seus 11 anos como presidente da Autoridade Palestina, participou de muitas negociações com os israelenses.
E não conseguiu nada. Quem conseguiu tudo o que queria foi Israel, que expandiu seus assentamentos pela Cisjordânia em terras tomadas aos palestinos.
Hoje a população judaica da região chega a 750 mil habitantes, ocupando grande parte da região, sob a proteção do exército de Israel.
Na prática, o Acordo de Oslo, de 1993, que visava a criação gradativa de um Estado palestino nas fronteiras de 1967, já foi para o espaço, pois os assentamentos de Israel ultrapassaram de longe esses limites. E continuam avançando.
Apesar de Netanyahu declarar que concorda com a solução dos dois Estados independentes na Palestina, ele sabotou todas as negociações com Abbas.
Como o próprio Obama declarou em entrevista à TV de Israel, as exigências de paz de Netanyahu são sempre exageradas e inaceitáveis. Aliás, o próprio líder israelense declarou meses atrás que não permitirá a existência de um Estado Palestino.
Cumprindo o Acordo de Oslo, foi criada a Autoridade Palestina, como primeiro passo para a fundação do Estado palestino. Em 2005, Abbas foi eleito seu presidente.
Nesse cargo, ele passou a administrar uma parte do seu país (40% da área total), com poderes extremamente limitados, em nome das forças de ocupação israelenses.
É um regime que lembra muito o chamado regime de Vichy, que compreendia uma parte da França, administrada por franceses, durante a ocupação do país pela Alemanha nazista na 2ª Grande Guerra.
Como o governo de Vichy, a Autoridade Palestina colabora com os opressores, encarregando-se dos serviços públicos e, principalmente, da segurança. Para isso, fornece informações de inteligência ao serviço secreto israelense, prende ativistas do Hamas e dissolve com violência manifestações contra a ocupação.
Como se sabe, a principal objeção dos israelenses a uma Palestina independente é que facilitaria a entrada de terroristas para praticar atentados em Israel.
Abbas acredita que a eficiência de seus serviços de segurança está provando que esse receio não procede.
Ele tem a seu favor declarações recentes de diversos oficiais israelenses. Para eles, a ação da Autoridade Palestina é “crucial para a segurança da Israel”.
Netanyahu também acha ótimo. Nem por isso muda suas posições contra a independência palestina, já que seu verdadeiro objetivo é impedir que ela venha a existir.
Quem não gosta da colaboração da polícia da Autoridade Palestina com as forças de ocupação é o povo palestino.
Pesquisa do Centro Palestino de Pesquisa de Política e Segurança (PCPSR) apurou em abril que 2/3 da população da Cisjordânia ocupada e de Gaza é contra a cooperação existente.
É contra Abbas também, especialmente pelos seus 11 anos governando a Autoridade Palestina sem qualquer resultado concreto.
Numa pesquisa do PCPSR, 64% dos respondentes queriam sua renúncia. Numa disputa com Isil Haniyeh, o líder do Hamas venceria Abbas por uma diferença de 11%.
A pesquisa do PCPSR ainda mostrou que mesmo os militantes do Fatah (movimento ao qual Abbas pertence) não confiam mais em sua liderança.
O mais grave é que, desiludida com soluções diplomáticas, 65% da população apoia a luta armada. Mostra-se favorável a uma terceira intifada, a partir da ampliação e organização da atual onda de ataques a faca contra israelenses.
É a posição que o Hamas defende. Ele assegura que só a resistência armada poderia acabar com a ocupação.
No ano passado, sentindo a pressão do povo e dos seus próprios seguidores, Abbas admitiu seu fracasso. Com a extrema-direita governando Israel, a paz nunca seria possível.
Ele informou a alguns dos aliados mais próximos que deseja novas eleições, nas quais não se candidatará. Falou em admitir nos Conselhos do Fatah (o movimento ao qual pertence) elementos jovens, com ideias mais agressivas.
Só ainda não marcara novas eleições por oposição do Hamas. Non sense: o Hamas está louco para ver Abbas pelas costas e eleger um dos seus para o lugar do velho líder.
No duro mesmo, Abbas não entregou os pontos. Surpreendentemente, depois de sua autocrítica, anunciou que lançaria uma bomba na assembleia da ONU, em setembro passado.
E lançou. Disse que, como Israel não cumpria o Acordo de Oslo, os palestinos estavam se retirando formalmente dele.
As consequências seriam explosivas. A saída implicaria no fim da Autoridade Palestina, o que seria péssimo para Israel. Teria de assumir a administração de toda a Cisjordânia, o que significaria inesperadas despesas, gravando pesadamente seu orçamento.
Passando a controlar a segurança da região no lugar da polícia palestina, o exército de Israel se veria obrigado a aumentar muito suas operações, envolver-se de forma mais radical na repressão das manifestações populares anti-ocupação. O que acabaria resultando em um número crescente de vítimas palestinas, abalando a já má imagem internacional do regime de Telavive.
Nada disso aconteceu porque Abbas não levou a sério suas próprias palavras. Ficou nas ameaças. Continuou presidente da Autoridade Palestina. Fiel colaboracionista de Israel, continuou perseguindo o Hamas e outros movimentos radicais, exercendo a repressão nas regiões que administra, para aplausos do exército israelense.
Com isso, ficou numa saia ainda mais justa. Sua situação no movimento pró-independência se tornaria crítica.
Sorte que havia a proposta francesa, que parecia vantajosa e, o que é mais importante, viável. Abbas se apegou a ela. Visitou vários países, inclusive o Egito – que prometeu apoiar os interesses palestinos na ONU –, coisa que sempre fez.
Na Alemanha pediu a Merkel que apelasse a Netanyahu para aceitar a proposta da França. Ele continua achando possível convencer Bibi a ser bonzinho.
Merkel nem vai tentar, pois Netanyahu vai rejeitar a proposta francesa no Conselho de Segurança da ONU, como já anunciou. E aí, mesmo que os EUA a aceite, não haverá sanções contra a atitude hostil de Israel, como aconteceu no caso do apartheid sul-africano.
Qualquer dos candidatos que vença as próximas eleições norte-americanas protegerá Israel com todas as suas forças. Que são muitas e invencíveis.
Apesar dos inúmeros fracassos de Abbas, acredito que ele tem razão num ponto: sem o ok de Netanyahu, nada feito.
Só que não será a postura submissa do líder palestino que fará o chefão israelense mudar de ideia. Nem com a luta armada do Hamas. Com a sofisticação e o poder devastador das armas modernas de hoje, Davi não tem chance contra Golias.
Ainda existe, porém, uma saída: a resistência sem violência. Um grupo de altos dirigentes do Fatah e do Hamas a criou e já conseguiu a adesão de vários líderes dos movimentos pró-independência.
Consiste em negar qualquer cooperação com Israel, inclusive com os serviços de segurança, bloquear estradas vitais para os assentamentos, promover constantes manifestações de protestos ao mesmo tempo em diversos lugares e realizar ações mais arriscadas: sabotar os serviços de eletricidade, telefones e internet dos assentamentos, enfim, criar o caos nos assentamentos.
E assim levar Israel a concluir ser mais vantajoso retirar-se da Cisjordânia e apoiar a formação de um Estado palestino.
Evidentemente, com Abbas no comando a “resistência sem violência” não daria certo. Seria necessário eleger em seu lugar um líder respeitado, tanto pelo Hamas quanto pelo Fatah, e promover a união entre as duas facções.
Tudo isso demanda muito tempo e tem de ser realizado por etapas, pacientemente planejadas e fielmente executadas.
Como dizia Mao-Tse-Tung: “para construir um muro é necessário colocar a primeira pedra”.
Luiz Eça é jornalista.
Website: Olhar o Mundo.