Macri se complica
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- Luiz Eça
- 28/03/2017
A onda direitista, que está varrendo a esquerda do poder na América Latina, chegou à Argentina. Para seus adeptos no país e no primeiro mundo, as expectativas eram as melhores.
Mauricio Macri, o presidente eleito, mostrara-se bom administrador no estado de Buenos Aires, duas vezes governado por ele.
O povo também tinha esperanças em Macri, as pesquisas no primeiro mês de governo davam ao político conservador 65% de aprovação.
Como se esperava, ele adotou os princípios do FMI, que não costumam dar certo nos países que os seguem: corte de despesas públicas, privatizações em massa, abertura do mercado ao capital estrangeiro... Em suma, o clássico ajuste fiscal.
Talvez Macri tenha sido radical demais. Bom exemplo foram os aumentos dos preços administrados pelo governo: 375% na água, 100% no transporte e até 300% no gás.
Buscando eliminar o déficit das contas públicas, o novo presidente reduziu sensivelmente os gastos do Estado com obras e despediu 26 mil funcionários públicos.
Contaminando boa parte dos custos de produção da indústria, estas ações tiveram efeitos negativos.
A inflação atingiu 41%, em 2016, primeiro ano do governo Macri. Outras estatísticas alarmantes foram se sucedendo.
O PIB, que em 2015 (governo Cristina Kirchner) era de 2,3% positivo, encolheu em 2016 (Macri no poder) para 2,3% negativos.
Segundo a CEPAL, o desemprego aumentou de 6,5%, em 2015, para 8,1% em 2016. O terceiro mais alto na América Latina, depois da Venezuela e do Brasil.
Nos três primeiros meses da nova gestão, o índice de pobreza cresceu 5%. Hoje, já está em 35%, um dos piores do continente.
Entre novembro de 2016 e fevereiro de 2017, o preço do pão aos consumidores subiu 83%. O quilo ficou 87% mais caro do que há três meses, devido à escalada de preços da farinha de trigo e do gás (Centro de Estudios de Estatística).
Levou um certo tempo para o povo perceber que as coisas iam mal, apesar das mensagens otimistas da Casa Rosada.
As mobilizações sociais se traduziram em protestos dos sindicatos, marchas e greves setoriais, em diversas cidades do país.
Finalmente em março deste ano, realizou-se a primeira grande manifestação. Um grande comício promovido pelos sindicatos de professores reuniu 400 mil pessoas, reclamando do abandono que a educação vinha gramando.
As principais federações de trabalhadores marcaram greve geral para fins de março. Esta crescente mobilização deve estar deixando Macri preocupado.
Mais do que ela, os resultados de recentes pesquisas são de tirar o sono do presidente.
Elas mostram que 62% dos trabalhadores acham que Macri governa para os ricos. Para apenas 3% o presidente governaria para todas as classes.
Pior do que isso: 64% dos trabalhadores asseguram que o governo atual é pior do que o anterior (que, aliás, não tem boa imagem). Enquanto 18% afirmam que Macri é melhor.
O governo procura mostrar tranquilidade. O tempo dos sacrifícios necessários estaria acabando. Ainda neste ano, a Argentina voltaria a crescer, o desemprego e o custo de vida cairiam e o país entraria numa “gloriosa marcha em direção ao futuro”.
Para a oposição, trata-se de uma “não verdade”. Nada mais do que uma interpretação demasiado otimista dos economistas que cercam o presidente.
Seja como for, Macri encontra-se numa situação difícil, com o povo que o elegeu, afastando-se dele a largas passadas.
Mas como “desgraça pouca é bobagem”, uma nuvem negra, que vinha se formando, passou a despejar uma autêntica tempestade: o caso Correos Argentinos/Franco Macri.
Este cidadão, pai do presidente, é um riquíssimo empresário com indústrias até no exterior – Brasil, Uruguai e Panamá. O Grupo Macri é muito importante nas áreas de construção, indústria automotriz, indústria de alimentos, comunicações e coleta de resíduos, sendo considerado um dos maiores grupos empresariais do país.
Ambicioso, Franco Macri estava de olho numa grande estatal: Correos Argentinos. Eram tempos de Menem, um presidente que estava privatizando tudo o que podia e não podia.
Em 1997, ele fechou a empresa estatal e outorgou à empresa SOCMA, do Grupo Macri, a exploração dos serviços de correio na Argentina, por um prazo de 30 anos, num contrato que previa pagamentos anuais ao Estado no valor de 103 milhões de pesos.
Mas as coisas não correram bem. Em 2001, Franco Macri pediu concordata preventiva. E começou a negociar acordos com os credores. O Estado era o principal, a Correos lhe devia 250 milhões de pesos.
Em 2003, o presidente Kirchner rescindiu o contrato alegando que a Correos Argentinos deixara de fazer os pagamentos anuais desde 1999.
A essas alturas a dívida para com o Estado já somavam 300 milhões de pesos (19 milhões de dólares).
Durante 12 anos, as partes discutiram as condições de um acordo que poria fim à pendência, sem concordarem.
Aí, Mauricio Macri tornou-se presidente da Argentina. Seis meses depois, em junho de 2016, conseguiu-se o que não fora possível em 12 anos de negociações.
O governo Macri aceitou um acordo proposto pelo Grupo Franco Macri: ele pagaria ao Tesouro 300 milhões de pesos em 15 anos, mais juros anuais de 7%.
Jubilosa, a Casa Rosada informou que os juros assim calculados trariam mais 300 milhões de pesos às caixas semicheias (ou semivazias, conforme a oposição) do governo do país.
Somando dívida e juros, daria algo como 600 milhões de pesos (39 milhões de dólares).
Antes do acordo ser aprovado em definitivo pela Câmara Nacional de Apelações Comerciais, a promotora geral, Gabriela Bolquin, resolveu criar caso. Contestou o acordo, taxando-o de extremamente prejudicial ao Estado.
E olha o que Graciela alegou: atualizando-se a dívida inicial, com base no valor crescente do dólar, ela somaria mais de 4 bilhões de pesos (258 milhões de dólares). E até o fim do prazo proposto de 15 anos (em 2033), esse total iria atingir algo superior a 70 bilhões de pesos (4 bilhões e quinhentos milhões de dólares)!
Perto desta nova colocação, o acordo aprovado por Macri seria um negócio de pai para filho. Ou melhor, de filho para pai.
Em outras palavras: um escândalo de vastas proporções. E a promotora Graciela demonstrou que não estava fora de si. Sua explicação parece ter sentido.
Em 2001, quando a Correos Argentinos pediu concordata, um peso valia um dólar. O certo, portanto, seria atualizar a dívida de 300 milhões, multiplicando-a pelo valor atual do dólar (15,5 pesos). Como resultado, teríamos mais de quatro bilhões de pesos. Somando-se também os juros a vencer de hoje até 2033, calculados pelo Banco de la Nación Argentina, se chegaria ao total assustador, porém justo, de 70 bilhões de pesos.
Aceitando a proposta aprovada pelo presidente, o país seria lesado em cerca de 69,4 bilhões de pesos (70 bilhões menos 600 milhões).
Situação devastadora para um governo que exigia sacrifícios do povo para tirar o país de uma grave crise.
Macri tentou se justificar, através de seu representante nas negociações do acordo. Ele alegou que, como a dívida fora contraída em pesos, seria “absolutamente incorreto tomar o dólar como paradigma”.
Adversários de Macri responderam que existe jurisprudência que atualiza a Lei das Falências, permitindo a cobrança de juros com base na inflação.
Cobrar juros de somente 7% anuais, durante 15 anos, seria pra lá de absurdo. Graças à alta inflação que a Argentina costuma ter, os 600 milhões de pesos, devidos pela Correos Argentinos, em 2001, valeriam algo radicalmente menor em 2033.
Parece que o povo argentino se deu conta deste negócio profundamente suspeito que o país estava em vias de fazer, sob as bênçãos do seu presidente.
Na pesquisa da consultoria D´Alessio y Berenstein, 86% dos argentinos dizem que o acordo prejudicaria o país e apenas 3% o acham justo.
Outra pesquisa, esta promovida pelo jornal conservador Clarin, mostrou que decepcionantes 25% aprovavam o primeiro ano do governo Macri. A grande maioria manifestou-se contra, prevalece a opinião de que ele não cumpre as promessas eleitorais.
Quanto ao caso Franco Macri, a Câmara de Apelações Comerciais deve em breve decidir se homologa ou não o acordo.
Mas pode não ficar nisso. O procurador Pedro Zoni acusou o presidente e o ministro Oscar Aguad de vários delitos, por sua participação no acordo entre Correos Argentinos e o Estado.
Caberá ao juiz federal Ariel Lijo decidir se existiriam motivos para abertura do processo contra aquelas autoridades.
Como cantava Carlos Gardel, “el mundo fue y será una porqueria...”
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.