Ataque a gás na Síria: expert estadunidense desmente os EUA
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- Luiz Eça
- 25/04/2017
Há duas versões sobre o ataque químico em Khan Shaykhun, na Síria. Os EUA afirmam que o governo Assad foi o responsável. Teriam sido os aviões dele que lançaram as infernais bombas de sarin na cidade controlada pelos rebeldes.
A versão russa é diferente. Em bombardeio da aviação síria de uma fábrica e depósito de armas químicas da Frente Nusra (filial da Al-Qaeda), integrante do exército anti-Assad, ocorreu um vazamento de gás sarin que atingiu Khan Shaykhun, matando 90 civis.
O ataque foi no dia 4 de abril e já em 5 de abril a mídia internacional chocava o mundo com o horror desencadeado pelo bad guy Assad (a versão russa ganhou espaço mínimo ou foi ignorada).
Ao mesmo tempo, o governo norte-americano e estadistas europeus concluíram que as fotos e vídeos que receberam da cidade brutalmente atacada provariam as culpas do governo sírio. Unidos, eles exigiam que algo tinha de ser feito para impedir que novas ações do tipo fossem lançadas.
Tudo aconteceu em apenas dois dias, parecendo uma ação perfeitamente orquestrada. Que se completou quando, justificando-se pela barbárie do ataque, Trump esqueceu a sempre proclamada multilateralidade, para lançar de forma unilateral 59 mísseis contra uma base aérea do governo de Damasco.
Clamando contra a violação da soberania da Síria, a Rússia insistiu numa investigação para provar que sua versão estava certa, o que tornaria a revoada dos 59 mísseis não só ilegal, como também absolutamente injusta.
O Ocidente pagou para ver. “Tudo bem, senhor Putin, aceitamos a exigência russa, apresentaremos uma resolução ao Conselho de Segurança da ONU como vocês querem”.
E o que aconteceu foi divulgado urbi et orbi: a Rússia vetou. Teria mostrado temer a verdade, ou seja, a conclusão da investigação comprovaria as culpas de Assad.
Mas, nesse episódio, o vilão foi a mídia internacional. Toda a grande imprensa omitiu um fato que mudava tudo. Ao vetar a investigação, o que os russos temiam não eram as conclusões da investigação, mas sua parcialidade. Como confiar num inquérito que só considerava a hipótese do bombardeio por aviões do governo?
A orientação dos investigadores tinha um claro viés: o governo sírio deveria lhes fornecer planos de voos, informações sobre operações aéreas em 4 de abril, nomes dos comandantes de esquadrões de helicópteros, acesso imediato às bases aéreas de onde o ataque químico poderia ter partido, enfim, dados que poderiam ou não permitir uma conclusão sobre a autoria do atentado, considerando-se apenas a versão anti-Assad.
Ignorava-se totalmente um exame que pudesse comprovar a versão russa. Seria simples: bastaria verificar se havia vestígios de bombas de sarin no local onde, segundo os russos, se localizava o depósito usado pelos terroristas do Nusra para fabricar e armazenar armas químicas.
O resultado seria definitivo. Provaria se os russos estavam ou não certos. Depois da reunião frustrada por seu veto, os russos continuaram pedindo uma investigação, desde que fosse independente.
O que foi convenientemente ignorado. Para que? Já que, com a colaboração da imprensa livre, a opinião pública mundial crucificara Putin e Assad. E os norte-americanos glorificavam seu presidente machão.
Mas uma pergunta crucial continuou sem resposta. Por que Assad lançaria mão das criminosas bombas de gás, o que lhe valeria as condenações globais, se ele estava ganhando a guerra?
Foi o mesmo raciocínio do senador Randy Paul (libertário do Partido Republicano). Ele lembrou que além de estar em grande vantagem na guerra, Assad contava com apoio russo e tinha, há poucos dias, ouvido do secretário da Defesa dos EUA que combater o governo Assad não era prioridade estadunidense. E o senador Paul ainda comentou ainda: “só se ele (Assad) fosse o mais estúpido dos ditadores do mundo ou talvez o mais confuso”.
A explicação de Washington não é das mais convincentes. Depois da derrota em Aleppo, os exércitos rebeldes teriam se reconcentrado e estavam na ofensiva, tendo tomado várias aldeias. Desesperado, Assad resolvera apelar para uma saída radical, atacando com os gases proibidos pelas leis internacionais.
Não foi bem assim. Antes do suposto ataque químico, as forças do governo já haviam detido a progressão adversária e começado a recuperar as aldeias recém-perdidas. Seria motivo para Assad entrar em pânico?
Um estudo de autoria de renomado expert mostrou que não havia provas da culpabilidade do chefe do governo sírio.
Ele é Theodore Postol, professor emérito no Massachuissets Institutute Tecnology (MIT), universidade de prestígio internacional, e ex-conselheiro científico do próprio departamento de Defesa dos EUA.
O professor Postol realizou uma avaliação das fotos nas quais se baseou o governo norte-americano para concluir pela versão do bombardeio químico por aviões de Assad.
Com base nesses documentos, escreveu um relatório de 14 páginas, contendo suas conclusões.
De um modo geral, Postol afirmou: “revi cuidadosamente os documentos fornecidos pela Casa Branca e acredito que eu possa demonstrar, sem dúvida, que o governo dos EUA não dispõe de um conhecimento concreto de que o governo sírio foi a origem dos ataques químicos a Khan Sheikoun, em 4 de abril de 2017”.
O expert declara que a análise das fotos que, segundo a Casa Branca, representam uma evidência da origem do lançamento de gás indica duas possibilidades:
1) as fotos citadas pela Casa Branca retratam cenas reais, sem maquiagem. Nesse caso, o ataque só poderia ser disparado por indivíduos em terra, não por avião;
2) ou as fotos foram muito provavelmente encenadas, preparadas para parecerem as evidências com que se pretendia enganar a opinião pública.
Nenhuma conclusão séria se pode fazer a partir delas, já que a região é controlada pela Frente Al-Nusra, integrante das forças anti-Assad. Portanto, só poderiam ser membros da facção que produziram a farsa.
Conforme o relatório, a única fonte citada como evidência de que o ataque teria sido realizado pela força aérea síria é uma cratera, localizada numa estrada ao norte da cidade alvejada.
“Não há absolutamente nenhuma evidência”, afirma Postol, “de que a cratera foi gerada por uma munição projetada para espalhar sarin depois de lançada de um avião”.
O mais provável, continua o relatório, é que a munição tenha sido colocada numa cratera já existente por indivíduos em terra. Ou seja, por milicianos das forças rebeldes, pois são eles quem dominam a cidade.
O professor Postol faz também um comentário bastante revelador sobre uma foto, na qual alguns homens, com luvas médicas e roupas frouxas, inspecionam o local onde teria caído uma bomba de sarin.
“Se houvesse sarin nesse local onde a foto foi tirada, essas pessoas receberiam doses letais ou debilitantes de sarin. O fato delas estarem inadequadamente vestidas sugere, ou completa ignorância das medidas básicas necessárias para proteger-se contra o envenenamento por sarin, ou a ciência de que o local não estava contaminado”.
Como até agora não se teve notícias de novas vítimas do gás na cidade, a segunda alternativa é a mais viável. O que representa mais um indício de que o ataque químico via aviões do regime não passou de uma peça de ficção, fabricada pelos militantes da Nusra para enganar a opinião pública mundial.
O relatório de Theodore Postol, cientista com credenciais irretocáveis, não foi contestado pela inteligência da secretaria de Defesa dos EUA. A afirmação do seu titular, o general James Mathis, garantindo que as “evidências” enviadas de Khan Sheikoun são definitivas, não valem grande coisa.
O general, apelidado por seus colegas de “cachorro louco”, tem um ardor beligerante que passa da conta. Por isso mesmo, o então presidente Obama o demitiu quando Mattis propôs ataques a alvos no Irã em retaliação a mortes de soldados dos EUA no Iraque, causadas pelo Hizbollah, movimento apoiado pelo governo de Teerã em sua luta contra a ocupação norte-americana do país.
Preferimos acreditar que Postol está certo. Seu relatório demonstra que os EUA e seguidores não dispõem de evidências para imputar à aviação síria o ataque químico de 4 de abril.
Não quer dizer que a versão russa seja verdadeira. Apenas que, mais uma vez, os EUA de Trump violaram leis internacionais.
E saíram impunes, pelo contrário, ganharam pontos nos corações e mentes do Ocidente.
Graças principalmente à colaboração da grande mídia, sempre pronta a falsear a verdade quando conveniente.
“Se você conta uma grande mentira e a repete mil vezes, as pessoas acreditarão nela”, Joseph Goebbels, eterno ministro da propaganda no Reich alemão.
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Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.