Correio da Cidadania

A paz em jogo nas eleições iranianas

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Trump, Israel, o iranofóbico general Mattis e a direita norte-americana poderão ter um forte aliado para destruírem o acordo nuclear com o Irã. Mais exatamente, os radicais da linha-dura iraniana, caso vençam as eleições presidenciais de 19 de maio.

O apoio popular ao presidente Rouhani, que concorre à reeleição, caiu muito, pois o Irã se encontra em recessão. Apesar da baixa inflação, o desemprego foi de 12,7% em 2016, sendo de 30% entre os jovens.

Pesquisa em abril mostra que 52% acham que a economia está piorando. Para 55%, Rouhani, na resolução dos problemas econômicos, foi algo entre razoavelmente bem sucedido e mal sucedido.

As promessas do moderado presidente iraniano de que o acordo nuclear com as grandes potências traria uma nova era de progresso e bem estar não puderam ser cumpridas.

Os necessários investimentos estrangeiros de grande porte não corresponderam ao esperado. As sanções norte-americanas contra o Irã, por alegadas violações de direitos humanos e de promoção internacional do terrorismo, não foram retiradas.

Com isso, as grandes empresas e os bancos internacionais se retraíram, temendo que os EUA bloqueassem suas operações com o Irã por considerarem que seriam atingidas pelas sanções anteriores ao acordo nuclear.

E, no entanto, as razões dessas sanções são injustas. Embora o Irã esteja longe de ser um modelo de respeito aos direitos humanos, a Arábia Saudita, fraternal aliada dos EUA, tem nota muito mais baixa nesse quesito.

E o fato de Teerã apoiar os houthis – grupo em guerra permanente com a al-Qaeda- além do Hamas e o Hizbollah - que há muito tempo abandonaram as ações terroristas, nada teria de condenável.

Apesar disso, as constantes vociferações de Trump e seus generais ameaçam, e muito, o fim do acordo nuclear, o que torna as empresas internacionais ainda mais receosas de entrar no país.

Essa sombria realidade econômica foi aproveitada pelo Supremo Líder para atacar Rouhani – censurado, tanto pelo acordo nuclear (que o próprio Khamenei aprovara), quanto pelo medíocre desempenho da economia.

Mas, ele não ficou nisso, lançou recentemente um violento ataque contra a adesão do governo ao programa da UNESCO- EDUCAÇÂO 2030, que visa, inclusive, assegurar educação equitativa e oportunidades vitalícias para todos.

Diz o Supremo Líder: “esta é uma república islâmica, baseada no Alcorão. Não é um lugar para corruptos, destrutivos e defeituosos estilos ocidentais se infiltrarem, como este programa, criado pelas superpotências para imporem suas políticas sobre as outras nações”.

Tendo sido a adesão do governo ao programa da UNESCO em 2015, Khamenei só o criticou dois anos depois, numa evidência de que seu alvo é, na verdade, minar a candidatura de Rouhani.

Os ataques de Ebrahim Raisi e Mohammad Qalibat, os principais rivais de Rouhani, se concentram principalmente na recessão e suas consequências. E Raisi exemplifica: 250 mil pequenos negócios foram fechados graças à política econômica do governo.

Membro do poderoso Conselho Clerical e o preferido de Khamenei, Raisi é o grande concorrente do presidente. Ele promete elevar os subsídios pagos aos mais pobres em 300%. O que é completamente incompatível com as possibilidades escassas do tesouro nacional. Sem contar que essa decisão não cabe ao presidente, mas ao parlamento...

Raisi tem também uma folha corrida de causar inveja a muitos chefões do nazismo alemão. Em 2009, na brutal repressão dos protestos populares contra a eleição do conservador Ahmadinejad, Raisi se destacou. Foi um dos membros do grupo dos quatro, o chamado “comitê da morte” que, em dois meses, condenou à morte milhares de prisioneiros políticos, baseando-se em sua improvável oposição à própria República Islâmica.


Ebrahim Raise

Por sua vez, Qalibat, o outro candidato com chance, foi comandante da Guarda Revolucionária, um organismo de imenso poder no Irã. É a terceira vez que ele concorre a presidente, sendo sempre derrotado.

Atualmente prefeito de Teerã, Qalibat surpreende com uma plataforma bizarra, considerando sua origem. Repetindo célebre movimento norte-americano (embora não na matemática), ele se diz representar os 96% mais pobres, contra os 4% muito ricos.

Acusa Rouhani de proteger os interesses dos 4% milionários, às custas do empobrecimento dos infelizes 96%.  Esqueceu de informar se os privilegiados chefes dos Guardas Revolucionários (até pouco atrás, ele foi um deles) incluem-se nos 96% ou nos 4 %...

Qalibat imita também Raisi no populismo irresponsável. Promete subsídios a toda população, o que levaria o Estado iraniano à falência.

O quarto obstáculo que Rouhani precisa superar na corrida eleitoral é a abstenção. Muitos dos que votaram nele na sua primeira eleição estão desanimados com a recessão e o pouco que se progrediu em direitos humanos.

Nas últimas semanas, Rouhani, que vinha sendo comedido, passou a atacar seus adversários e os problemas causados pelos poderes excessivos da Justiça, da Guarda Revolucionária e de vários conselhos religiosos, a maioria conservadores linha dura.

Ele os responsabilizou pela injusta detenção de líderes reformistas. Rouhani declarou: “nossa juventude escolheu o caminho da liberdade. Ninguém pode evitar o progresso e a liberdade da nossa juventude. A era da violência e do extremismo acabou”.

Passando a trilhar estradas minadas, ele pôs em dúvida a isenção de taxas concedida a uma instituição de caridade ligada a Khamenei.

Propôs um debate público sobre as ações e atribuições da mais influente força de segurança, a Guarda Revolucionária, que tentara solapar o acordo nuclear.

E formulou sua principal crítica a essa instituição, que vale para o próprio establishment iraniano: “se nós desejamos uma economia melhor, deveríamos não permitir que grupos apoiados pela política e pela segurança se envolvam na economia”.

No último debate da campanha, o presidente mirou os pontos fracos dos adversários. Advertiu Raisi: “como juiz da corte clerical, você pode emitir mandados de prisão. Mas, por favor, não abuse da religião pelo poder”.

Numa referência ao passado político dos seus rivais, disse: “aqueles que falam em liberdade de palavra, nestes dias, são aqueles que cortaram línguas e costuraram bocas para mantê-la fechadas”.

Na vez de Qalibat, ex-comandante da Guarda Revolucionária e chefe de polícia, que se gabava de prender pessoalmente jovens manifestantes, Rohuani acusou: “como um criminoso, você queria era o espancamento dos estudantes”.

Dirigindo-se a seus tradicionais eleitores que pensam em se abster, devido ao fraco progresso e o pouco que se fez na promoção dos direitos humanos, o presidente falou: “querido povo do Irã, vote pela liberdade... Eu estou pronto a conseguir que todas as sanções que ainda existem sejam canceladas”.

O que parece difícil, Khamenei continua rejeitando a normalização de relações com os EUA. Enquanto isso, Trump, os generais do Pentágono, a extrema-direita e Israel devem estar torcendo por sua derrota.

Vencendo no Irã qualquer dos conservadores linha dura, tudo fará para comprar briga com os EUA. Cada um por seu lado, direita estadunidense e direita iraniana, lutando pela mesma causa, o fim do acordo nuclear com o Irã, e podem ganhar.

Mas a partida ainda não está perdida. O povo do Irã já abriu os olhos. Fechá-los agora seria um desastre para a paz no Oriente Médio.

atualização: após finalizado o texto, Mohammad Qalibat retirou sua candidatura e declarou apoio a Ebrahim Raisi, em declaração pública de 16 de maio.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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