Negociação de paz: se começar, vai acabar mal
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- Luiz Eça
- 23/05/2017
Trump pede a Netanyahu que interrompa a expansão dos assentamentos. Diplomacia yankee contra Netanyahu acompanha The Donald no Muro das
Lamentações para não irritar palestinos. Trump adia ad aeternum embaixada dos EUA em Jerusalém.
Parece que o presidente está demonstrando imparcialidade. Com isso, agora as negociações de paz poderiam ir para a frente.
Só falta mesmo o chefão norte-americano convencer Netanyahu a ser razoável. O que seria, aliás, missão impossível.
É bastante crível que as negociações dificilmente começarão; e, se começarem, acabarão mal.
Embora Abbas tenha renunciado a exigir um stop na expansão dos assentamentos para aceitar discutir a paz com Netanyahu, este não renunciou a suas pré-condições.
Só se senta à mesa das reuniões se os palestinos reconhecerem Israel como Estado judeu.
Bem, isso já foi feito. A PLO, em 1994 (quando representava toda a insurgência palestina), reconheceu. O Fatah, nem se fala. Mesmo o Hamas, no mês passado, aceitou tacitamente a existência de Israel, ao aprovar um Estado Palestino nos limites de 1967, que dividem toda a Palestina entre Israel e um futuro Estado palestino independente.
Mas Netanyahu é exigente: quer Israel reconhecido, não apenas como Estado, mas como Estado judeu. Aí, não dá.
A caracterização do Estado israelense como judeu coloca os habitantes de outras raças, ou seja, os árabes-israelenses, como cidadãos de segunda classe, com menos direitos e benefícios oficiais.
Perto do que eram os negros no regime racista do apartheid sul-africano. Além disso, dificulta o retorno dos cidadãos palestinos expulsos de suas terras e casas e do seu país pelo exército de Israel, na guerra de independência.
E mais: o justo é que o reconhecimento dos dois Estados seja o resultado final das negociações, pois é o principal objetivo delas.
Porque o reconhecimento de Israel como Estado judeu tem de ser feito agora e o do Estado palestino só depois do encerramento das discussões?
E se não der em nada? Israel terá conseguido sua aprovação como Estado judeu pelos palestinos, que sairão de mãos vazias e ainda comprometidos com seu ok.
Sendo realista, o timorato Abbas, devidamente pressionado por Trump, pode até aceitar o diktat de Netanyahu. Mas o Hamas, jamais. E como o Hamas representa grande parte dos palestinos, sem ele, haverá realmente paz?
Mesmo assim, é possível que Trump e Netanyahu dispensem a presença do Hamas, taxando-o de terrorista, marginal etc. Ignorariam recente decisão do tribunal superior da União Europeia, que declarou não haver base para a qualificação de Hamas como terrorista por ter a acusação se baseado apenas em notícias de jornais.
Mas ainda há mais pré-condições israelenses. Muitas vezes palestinos mortos ou aprisionados por Israel deixam suas famílias sem recursos. Nos casos de terrorismo, o governo manda seus bulldozers reduzirem a escombros os lares das famílias os culpados.
Elas costumam ser ajudadas pelas autoridades palestinas e os amigos. Israel quer que isso acabe. Chama essa piedosa ação de “pagar-por-matar”, como se os familiares desses insurgentes fossem seus cúmplices.
Além disso, diz Telavive, os inimigos do regime, sabendo que suas famílias não ficariam na miséria, são estimulados à prática de atos terroristas.
Lembre-se que o Alcorão manda que os fiéis devem praticar caridade para com os necessitados. Prestar auxílio a quem se vê na pior é obrigação do muçulmano.
Nem mesmo Abbas seria indiferente ao ponto de aceitar esta impiedosa exigência israelense.
Admitimos ser possível que estejamos subentendendo a coragem de Abbas ou sua volúpia por se manter na presidência, resolvendo o magno problema palestino, por bem ou por mal.
Se ele topar proibir a caridade islâmica, terá de encarar mais um obstáculo: a unificação de Jerusalém, em favor de Israel.
Netanyahu não admite nem brincando que Jerusalém Leste seja capital do futuro Estado Palestino independente. Vade retro!
O próprio Trump teria concordado ao prometer para breve a mudança de sua embaixada para lá.
É verdade que o contínuo adiamento dessa providência pôs uma pulga atrás da orelha de Netanyahu. Mas Abbas deve bater o pé por Jerusalém Oriental como capital do Estado palestino.
Afinal, no passado, o grande sultão Saladino teve de derrotar três reis europeus para conquistar Al-Kuds (nome árabe de Jerusalém). Se o presidente da Autoridade Palestina cede à pressão, arrisca-se a ser recebido em Ramallah, sua capital, com vaias, tomates e até bombas (de fabrico caseiro).
Na base do wishful thinking, vamos supor que essa barreira seja superada. Agora o que existe é um verdadeira muralha: os assentamentos. Como eles continuariam a aumentar de número durante as negociações, quando se começasse a discutir sua expansão, já haveria bem mais assentamentos do que os atuais 200.
O chefão de Telavive já falou que não cederia nem um metro desses territórios, onde, aliás, arde com mais furor o radicalismo judaico.
A maioria dos partidos da coalizão dominante tem também essa fixação. No máximo, admitem, mantendo os principais blocos de assentamentos, trocas com os palestinos de alguns outros assentamentos por terras israelenses (a maioria desérticas).
Isso causaria longas discussões, muitas vezes rompidas e depois recomeçadas. Se chegarem a algum improvável acerto, as partes vão deparar com novos assentamentos, que surgiram enquanto elas negociavam.
E agora? Pra quem eles vão ficar? Não importa como será a divisão final dos assentamentos. Qualquer renúncia palestina a territórios que lhe foram roubados por Israel para seus assentamentos será uma renúncia a direitos que a ONU e as leis internacionais lhe conferem.
Será enfraquecer o futuro Estado palestino com uma redução substancial das melhores terras do país, talvez o tornando praticamente inviável, dependente da ajuda internacional para sobreviver como Estado independente.
Respire fundo, há mais barreiras pela frente. Não faz muito tempo, o premier israelense determinou que, para a segurança de Israel, tropas do país deveriam guarnecer as fronteiras da Palestina e ainda se estabelecer-se num ponto central do novo país. É ponto pacífico para Telavive que a Palestina teria de ser desmilitarizada.
Nenhum país é soberano com tropas estrangeiras localizadas no território, sem terem sido chamadas. Nem se não possuir um exército nacional preparado para sua defesa. Soberania é requisito de um país independente.
Mesmo que Abbas aceite as prováveis pré-condições de Netanyahu, ou que ceda a pressões de Trump para ser menos exigente, o processo de paz poderá acabar aqui.
Grande parte da coalizão de Netanyahu, a mais direitista da história de Israel, vai vetar seu início. Simplesmente porque não querem uma Palestina independente nas terras da Cisjordânia. Para eles, Deus doou toda a Palestina para os judeus israelenses.
O próprio premier já sentiu o poder desta linha dura nas últimas eleições, quando teve de garantir que no seu governo não haveria Palestina independente.
É verdade que, em se tratando do líder do Likud, verba volant (as palavras voam). Seja como for, vai ser jogo bruto.
Os extremistas não devem recuar e, sem eles, o premier cai. Novas eleições serão obrigatórias e o partido Yesh Lapid de oposição lidera as pesquisas. Mesmo assim, poderá haver salvação para Netanyahu.
A centro-esquerda israelense, de Herzog, e os centristas poderão entrar no governo com os votos que o salvarão da degola. Trata-se de uma hipótese remota.
Sem a extrema-direita, as negociações costuradas por The Donald dariam com os burros na água. Embora não seja provável, Mahmoud Abbas poderia ceder em tudo e os partidos de linha-dura poderiam aceitar as conclusões finais.
Poderia ser trágico. Desenhado por Netanyahu e sua coalizão de extrema-direita, o Estado palestino não seria nem independente, nem viável. E o acordo não seria de paz. Ao Hamas e outros grupos inconformados só restaria o recurso das armas.
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.