América First está criando o Euro First
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- Luiz Eça
- 27/06/2017
Os europeus estão chocados. Na promoção dos seus interesses, o novo governo norte-americano prejudica até os países do Velho Continente, tradicionais seguidores da política externa dos EUA.
Surfando no seu nacionalismo vesgo, Trump não hesita em atropelar princípios e tratados internacionais.
Não demorou muito para ficar claro o significado do America first do novo presidente. Logo após a posse, Trump mostrou que via os Estados europeus mais como concorrentes do que como aliados.
Apoiou o Brexit inglês, chegando a estimular outros países do Velho Continente a fazerem o mesmo. Na filosofia de magnata do novo presidente, enfraquecer a concorrência é sempre conveniente.
Em defesa dos negócios das empresas automobilísticas norte-americanas, The Donald tuitou: “veja os milhões de carros que eles (os alemães) estão vendendo nos EUA. Terrível, nós vamos acabar com isso” (The Guardian, 16 de março último).
Como? Criando um imposto de 35% sobre as importações de carros alemães. Muito lógico, no America first os princípios da livre concorrência só valem quando beneficiam os EUA.
Os alemães “abusariam” do uso desse princípio porque “eles são maus, muito maus”. Imagine, ousam ter saldo no comércio exterior com os EUA. Merkel e seus colegas na União Europeia ainda não tinham digerido essa ameaça quando Trump, na gloriosa viagem à Europa, atacou em mais duas frentes.
Na reunião da OTAN, reclamou do fato de muitos países não contribuírem com 2% de suas receitas, como deveriam, explorando a generosidade dos EUA, que gastavam o necessário para hostilizar a Rússia nas fronteiras do leste.
O que, na verdade, interessa mais à política externa estadunidense, que vê nos russos seus grandes inimigos, do que aos seus aliados da União Europeia.
No seguinte parada, na reunião do G-7, The Donald negou-se a reconhecer o compromisso assinado pelo anterior presidente dos EUA de reduzir em 2% as emissões de carbono e metano, para ajudar a combater o assustador aquecimento da Terra.
De volta a seu país, ele acusou o Acordo de Paris de ser uma trama dos seus concorrentes, os países europeus. Impondo dispendiosas reduções das emissões norte-americanas, eles visariam inflar os custos e preços das indústrias dos EUA, reduzindo seu poder de competição no mercado internacional.
Alegando estar protegendo os interesses empresariais, Trump nem se tocou dos perigos que sua retirada de Paris traria ao mundo.
Angela Merkel foi a primeira a protestar. Ela alertou: “os tempos em que nós podíamos confiar completamente em outros acabaram. Eu descobri há poucos dias que nós, europeus, temos de, verdadeiramente, conduzir nossos destinos com nossas próprias mãos”.
Foi uma declaração de independência da política externa estadunidense. Não serviu de advertência aos políticos norte-americanos.
Por larga maioria, o Senado impôs novas sanções contra a Rússia pelos eventos na Ucrânia e pela suposta intervenção de Moscou nas eleições dos EUA.
Essas sanções têm por alvo prejudicar a indústria mineral da Rússia e impedir investimentos nas suas indústrias de energia e mineração.
O problema é que também atingiam por tabela importantes interesses das empresas alemãs como a Wintershal e a Uniper, grandes investidoras no oleoduto Nordstream 2, projetado para levar gás natural do Mar Báltico aos países do norte da Europa.
A maioria deles, especialmente a Alemanha, depende fortemente das fontes russas de gás natural.
As novas sanções serão submetidas à Casa dos Representantes, onde sua aprovação é certa e, por fim, a Trump, cuja assinatura as transformará em lei.
Quem as desrespeitasse seria punido de modo possivelmente insuportável. Para evitar essas penas, a construção do oleoduto pode ser paralisada, causando perdas vultosas às empresas europeias e prejudicando ainda os países consumidores do gás russo.
Houve pronta reação de Merkel, prevenindo que, se aprovada a iniciativa, haveria retaliações da parte da União Europeia.
O que, aliás, nunca aconteceu nas relações euro-americanas. Comentando, as novas sanções, os ministros do Exterior, Keirn (da Áustria) e Seibert (Alemanha), notam ser estranho que companhias europeias possam ser afetadas por sanções relativas à interferência russa nas eleições norte-americanas.
“Isso não poderá acontecer”, disse Seibert, “nós geralmente rejeitamos sanções com efeitos extraterritoriais, que representem um impacto nessas nações”.
E os dois ministros lembraram que, sendo as sanções convertidas em lei, será extremamente difícil serem posteriormente levantadas, limitando o espaço para uma eventual reconciliação entre EUA e Rússia.
Por outro lado, as sanções importarão em pesadas penas para as companhias russas de petróleo e gás, repercutindo na BASF, Shell, OMV, Wintershall e Uniper, que participam do projeto Nordstream 2.
No dia seguinte a essa manifestação, os ministros austríaco e alemão atacaram as novas sanções, afirmando que o suprimento de energia é um assunto da Europa, não dos EUA.
E explicaram: “as sanções são um instrumento político e não devem ser relacionadas a interesses econômicos”.
Ameaçar empresas austríacas, alemãs e de outros países, que participam de um empreendimento na área do gás associados aos russos, com penalidades no mercado estadunidense acrescentaria “um aspecto absolutamente novo e altamente negativo nas relações entre EUA e Europa”.
A primeira-ministra Angela Merkel fez questão de aprovar totalmente a manifestações dos ministros do Exterior austríaco e alemão.
Ninguém dúvida que o objetivo real da iniciativa norte-americana seja ganhar o mercado europeu para as indústrias de gás e de energia dos EUA e garantir mais empregos aos sobrinhos de Tio Sam.
Trump acha que o país mais rico do mundo, que possui o exército mais poderoso, inibe qualquer reação de outros países.
Mas, diante das sanções que os prejudicam, os povos da União Europeia não devem permanecer passivos.
É provável que o Euro first que se delineia resulte numa Europa mais unida e mais forte, capaz de agir em defesa dos seus interesses, até mesmo contrapondo aos dos EUA.
Como no caso das sanções contra a Rússia. Os europeus resistiram muito tempo às pressões do presidente Obama. Acabaram as aceitando, mesmo sabendo que implicariam em prejuízos econômicos a diversos países. Afinal, confiavam na sua liderança, que saberia corresponder à fidelidade dos seus aliados.
O America first de Trump já os catalogou como concorrentes, num mercado internacional selvagem, onde não existem aliados, apenas interesses. É hora de a União Europeia catalogar os EUA apenas do mesmo modo.
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.