Correio da Cidadania

Novas revelações: plano Trump é pró-Israel

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Dia 5 de dezembro, o The New York Times online publicou novas revelações que mostram o total comprometimento de Donald Trump com Israel. Agora, nem os mais otimistas confiam que a o plano do presidente norte-americano resolva o problema da Palestina.

Deu no New York Times que autoridades e oficiais europeus, árabes e palestinos ouviram relato de Mohamed Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), sobre reunião em Riad com o príncipe herdeiro saudita Mohamed bin Salman (MbS), que lhe apresentou o plano Trump.

Abbas comentou que o acordo favorecia Israel, mais do que qualquer outro dos acordos para a questão da Palestina jamais apoiado por governos anteriores dos EUA.

Diz o New York Times: “os palestinos teriam seu Estado, mas só em regiões não contíguas (como os bantustões da África do Sul, no apartheid) e soberania limitada no seu próprio território. Vasta maioria dos assentamentos na Margem Oeste (Cisjordânia), que a ONU considera ilegais, ficariam para Israel. Jerusalém Oriental não seria capital do futuro Estado da Palestina. Os refugiados (expulsos pelo exército israelense na guerra de 1948) e seus descendentes não poderiam retornar.

O ardil

Parece que os prometidos fogo e fúria de Trump contra a Coreia do Norte acabaram caindo sobre os palestinos.

Segundo os informantes do jornal, Abbas, ao chegar de Riad, teria sem demora telefonado para os líderes políticos na região, contando as breaking news.

Um alto funcionário do governo libanês, que recebeu uma das chamadas, informou que o príncipe Mohamed condescendeu em sugerir a Abbas que a capital dos palestinos poderia ser Abu Dis. Trata-se de um subúrbio de Jerusalém, não contíguo com a parte oriental da cidade, e cortado em dois pelo muro construído para separar Israel da Cisjordânia. Lugar sem qualquer significado religioso.

Por sua vez, um representante dos palestinos no Líbano contou uma pouco principesca ideia de MbS: a renúncia à soberania, aos territórios dos assentamentos, ao reconhecimento de Jerusalém Oriental como capital dos palestinos e ao direito de retorno dos refugiados seria compensada pela concessão a Gaza de áreas no deserto do Sinai, dentro do Egito, que, aliás, vetou a proposta.

Em suma, o chamado “acordo final” de The Donald excede as piores expectativas. É o “plano de Netanyahu”, como disse um oficial palestino. Chances totais de desanimar os palestinos.

Várias autoridades e representantes de governos, tanto do Ocidente quando do Oriente Médio, que ouviram as más novas de Abbas, contaram mais: para estimular o visivelmente acabrunhado Abbas, o príncipe Mohamed adoçou o amargo plano, prometendo um apoio financeiro à Palestina, imensamente superior ao atual. Inspirando-se talvez na Odebrecht, chegou a admitir que Abbas poderia receber “pagamentos diretos” a seu bolso.

Abbas jura que recusou a sedutora oferta. Como as boas maneiras não funcionaram, o herdeiro do trono saudita apelou para o jogo bruto. Abbas teria dois meses para aceitar o acordo ou “seria pressionado a renunciar”. Por um sucessor mais compreensivo, é claro.

Evidentemente, tanto os EUA quanto a Arábia Saudita negaram terminantemente que tudo isso fosse verdade.

O próprio porta-voz de Abbas negou que seu chefe tivesse dito o que disse a dezenas de líderes árabes. Compreende-se, o presidente da Autoridade Palestina não ia querer irritar o príncipe e o presidente. É duro renunciar à ideia de que, agradando os dois, conseguiria um acordo de paz decente. Enfim, na linha de como ele tem agido durante tantos anos. Sempre em vão.

O New York Times não foi nessa. E fez esta análise: “os principais pontos da proposta saudita apresentada, como relatada a Abbas, foram confirmados por muitas pessoas informadas das discussões entre o senhor Abbas e o príncipe Mohamed, inclusive o senhor Youssef, líder-sênior do Hamas; diversos funcionários ocidentais de alto nível: um membro importante do Fatah; uma autoridade da representação palestina no Líbano e um político libanês, entre outros”.

Um reforço a esta opinião você encontra no artigo Vazamento do plano Trump: o fim das esperanças palestinas, onde um diplomata ocidental e autoridades palestinas narram pontos secretos do Plano Trump, que o príncipe MbS apresentou a Abbas. São quase iguais aos publicados no New York Times de 5 de dezembro, o que dá ainda maior credibilidade aos fatos aqui narrados.

Repercussão negativa

Diante da parcialidade do plano, dirigentes dos países do mundo árabe protestaram. E, o que é preocupante para Trump, seus mais próximos aliados acharam muito estranho, pediram mesmo que ele se explicasse.

Um assessor top do presidente Macron ponderou que a proposta apresentada pelos sauditas parece similar às de Israel e jamais seria aceita pelos palestinos.

Através dessas revelações sobre o “acordo final” ficou patente a associação Trump-Israel-Arábia Saudita. Essa aliança se explica pela convergência de interesses entre os três países. Todos eles querem dar um fim ao Irã como potência forte e independente, que busca o protagonismo no Oriente Médio.

A aceitação do plano Trump pelo até agora cordato Abbas poderia tirar o problema palestino da frente dos planos anti-iranianos dessa tríade.

Sem a paz com os palestinos, seria impossível a desejada aliança Riad-Telavive, pois traria aos sauditas as maldições de todos os muçulmanos, para quem a luta por um Estado palestino independente é uma cláusula pétrea.

Graças à ocupação da Cisjordânia, Israel é visto como uma das bestas do Apocalipse pelos povos árabes. Eles se negam de pés juntos a estabelecerem amplas relações diplomáticas com os israelenses, a menos que os palestinos sejam atendidos.

Aí, Israel seria aceito. E poderia juntar forças com a Arábia Saudita e os EUA para enfrentarem os iranianos, até militarmente, se for o caso.

Esse conto das mil e uma noites foi relegado ao mundo da fantasia com a total rejeição de Abbas e dos líderes árabes a quem ele apresentou as informações do príncipe saudita.

Movimento arriscado

Tudo ficou muito pior quando Trump anunciou o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel e a mudança para lá da embaixada norte-americana, hoje em Telavive.

O efeito dessa declaração oficial é ainda mais forte do que as revelações do príncipe sobre o acordo para a questão palestina, afinal, passível de ser discutido, talvez alterado. Além disso, ao contrário de tais revelações, o anúncio de Trump foi divulgado urbi et orbi, pela imprensa. Atingiu quase todos os povos. Trump ficou sozinho, a reprovação foi geral. The Donald colocou o mundo contra os EUA.

Protestaram: a ONU; os países muçulmanos - desde os árabes, até a Turquia, o Irã (é claro), a Malásia e a Indonésia - que se sentiram traídos pelo presidente estadunidense e a maioria dos mais fiéis aliados de Washington.

Mesmo na própria elite do governo houve discordantes como Rex Tillerson, secretário de Estado, James Mathis, secretário de Defesa, além de membros-sênior do Departamento de Estado. E Abbas anunciou o corte do chamado processo de paz.

Expressiva manifestação partiu de Husam Zomlot, chefe da representação da PLO (central dos movimentos palestinos) em Washington: “um reconhecimento formal de Jerusalém como capital de Israel seria um ‘beijo da morte’ na solução dos dois-Estados para o conflito Israel-Palestina. Seria uma autoinfringida desqualificação dos EUA do papel de mediador, que será irreversível porque, então, os EUA seriam parte do problema, não parte da solução”.

Na verdade, a parcialidade de Trump ficara evidente pela equipe que ele escalou para tratar com as partes: Jared Kushner, chefe, diretor da empresa familiar, que fez grandes doações aos assentamentos; Jason Greenblat, enviado especial, político pró-Israel (Le Figaro, 24-2-2007) e David Friedman, ativo defensor das posições israelenses e embaixador dos EUA em Telavive.

Esse viés de Trump já tinha aparecido na campanha eleitoral, quando ele prometeu o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel e a mudança da embaixada para a cidade. E depois de eleito, ao pressionar Obama para vetar a condenação dos assentamentos pelo Conselho de Segurança da ONU.

Os pontos principais do “acordo final”, vazados há poucos dias, e o reconhecimentos de Jerusalém, capital israelense, para onde iria a embaixada dos EUA, só poderiam ser muito mal recebidos pelos palestinos e a comunidade internacional.

Trump não deve ter ficado surpreso, afinal ele pode ser grosso e reacionário, mas não é burro.

Diante desses fatos, a pergunta que não quer calar é: por quê? Por que Trump se arriscou a enfrentar o mundo e o provável corte das negociações de paz pelos palestinos? Por que se arriscou a perder o tradicional papel de mediador da questão palestina, importante para os EUA como líder do planeta?

Podemos formular algumas hipóteses viáveis. Nas negociações de paz que se sucederam desde o fim do século passado, o objetivo de Israel foi sempre o mesmo: melar o jogo.

As exigências de Telavive costumam ser: manter quase todos os assentamentos; o futuro Estado Palestino teria de ser desarmado; força militar israelense estacionada no território desse Estado: Jerusalém indivisível, capital de Israel; desarmamento do Hamas e do Fatah, proscrição dos demais movimentos palestinos; refugiados não voltam a Israel; reconhecimento pelos palestinos do Estado sionista de Israel.

Telavive sabe que os palestinos nunca aceitariam todas estas condições. Por isso, o governo de Israel tem sabotado todas as negociações de paz, enquanto expande sem cessar os assentamentos, dificultando cada vez mais um acordo justo da questão palestina.

Tanto Obama, quanto seu secretário de Estado, John Kerry, já declararam que, no governo Netanyahu as exigências israelenses seriam exageradas, impossíveis de serem aceitas. Trump parece ter embarcado nessa canoa.

Com o reconhecimento e a mudança da embaixada, ele está tornando, senão impossível, pelo menos supercomplicadas a continuação das negociações das partes, sob sua égide.

Abbas disse que não tem mais conversa, mas é fraco, pode voltar atrás. Trump já está facilitando esse recuo, dizendo que a mudança da embaixada ainda vai levar muito tempo, depende do decidido, de comum acordo, por israelenses e palestinos.

Mas, na hora do presidente norte-americano apresentar seu plano, com aqueles pontos desastrosos comunicados pelo príncipe Mohamed, o assado irá queimar no forno. Abbas e seus representantes terão de voltar para casa, protestando e amargando mais uma esperança perdida.

Enquanto Trump lamentaria, embora gargalhando por dentro, o fracasso de sua missão, imputando-o à intransigência palestina...

É certo que ele perderia muitos pontos na Europa e nos países muçulmanos, especialmente nos árabes. Até mesmo no seu próprio povo que, conforme pesquisa do Brooking Institute, é contra mudar a embaixada para Jerusalém, por 63% contra 13%.

Concretizando-se as ameaças do Hamas e do Fatah, uma terceira intifada incendiaria Israel e a Cisjordânia. A repressão israelense não deveria ser das mais amenas, baixando ainda mais a baixa nota israelense na comunidade internacional e também a nota dos EUA e seu presidente, que foram quem acenderam o fogo.

Em compensação, as vantagens seriam de peso: The Donald brilharia junto aos bilionários judeus-americanos e suas generosas doações eleitorais; à poderosa AIPAC e lobbies similares, de grande influência na imprensa e nos políticos; aos congressistas, em maioria ardentes defensores de Israel; aos brancos evangélicos que são muitos nos EUA e apoiam os reconhecimentos de Trump por 53% versus 40%.

Encantaria a Arábia Sauditas, cujas compras bilionários de armas fazem os EUA esquecerem as barbaridades que ela comete.

Canto da sereia

Não se descarta a possibilidade das coisas se passarem de modo diferente. As revelações do príncipe herdeiro e os subsequentes reconhecimentos norte-americanos, todos punindo a Palestina e premiando Israel, podem se tratar de meros balões de ensaio.

Trump visava talvez dimensionar as reações dos palestinos e do resto do mundo.
De acordo com suas observações, poderia fazer certas correções, para tornar os pontos do “acerto final” mais palatáveis para os representantes dos palestinos.

Não que Israel deixaria de comer a parte maior do bolo, apenas que o impacto sobre os palestinos poderia ser graduado para não provocar uma exagerada indigestão neles.

Acrescentados a essas concessões, alguns sacos de dólares poderiam ser colocados na mesa de negociações. O mais graúdo seria a oferta saudita de investir 10 ou mais bilhões na Palestina. Sempre sob a ameaça da retirada de outro saco, cortando-se os subsídios à Autoridade Palestina, se ela relutasse em ceder.

Por trás desse aceno bilionário, estaria a fantasia de um Estado Palestino, saindo das trevas para um oásis de fartura, onde as ajudas sauditas, estadunidenses e de outros países promoveriam um crescimento sustentável do país. Sob a aura protetora dos EUA, da Arábia Saudita e de Israel.

Desde é claro que Abbas e os demais líderes palestinos aceitassem reduzir substancialmente suas exigências de paz.

Tentador, considerando que, sem imensa ajuda externa, o futuro Estado Palestino terá ásperas dificuldades para sair do buraco.

Não está fora de cogitações que Abbas e sua grei sejam seduzidos, em parte porque a proposta não deixa de ser interessante, em parte porque estão a fim de resolver um problema que os anos cada vez mais demonstram ser insolúvel.

Duvida-se que aconteça. Como não existe um almoço grátis, os palestinos teriam de pagar aceitando tudo que os doadores lhes ordenassem, ainda que contra seus interesses, princípios religiosos ou valores nacionais. Talvez, participar da guerra contra o Irã, por exemplo.

Depois de durante 70 anos lutando contra a ocupação israelense, os palestinos provaram ser um povo corajoso e persistente, animado pelo sonho de um Estado independente.

Mesmo que o pouco confiável Abbas e seus seguidores aleguem que um Estado fraco é melhor do que nenhum Estado, que o plano Trump, ainda que sob medida para Israel, traria bilhões e bilhões para tirar a Palestina do deserto e desenvolver o país, os palestinos não vão entregar os pontos.

Na próxima vez não irão colocar seus anseios de independência nas mãos de qualquer presidente de plantão nos Estados Unidos.

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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