Correio da Cidadania

Fim do processo de paz na Palestina. E agora?

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A corda já esticou demais na Palestina. Agora, está rebentando. Depois do reconhecimento de Jerusalém como capital da Palestina, Mohamed Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, finalmente abriu os olhos: os EUA jamais mediarão uma paz justa na região.

E assim o processo de paz articulado pelos estadunidenses deixou de existir.
Os presidentes norte-americanos assumiram a mediação desde os anos 90, no governo Clinton, sempre com um nítido viés pró-Israel.

Nesses 40 anos de tratativas, nenhum esforço foi feito em favor dos palestinos, a não ser na gestão de Barack Obama. Ele até que tentou fazer o processo de paz evoluir, especialmente a partir de 2013, quando John Kerry assumiu a secretaria de Estado.

Tendo conseguido o consenso universal pela proposta dos “dois Estados independentes”, o ex-presidente Obana pressionou várias vezes o premier Netanyahu para ajudar, ou pelo menos não atrapalhar, as negociações pela independência palestina.

Pouco ou nada adiantou. Israel continuou desrespeitando decisões da ONU, violando o direito internacional e os direitos humanos dos palestinos. E os EUA continuaram a vetar no Conselho de Segurança condenações das ilegalidades israelenses, que, prosseguiram impunes, enterrando gradativamente a “solução dos dois Estados”.

O máximo que Obama conseguiu foi abster-se de votar resolução contra os assentamentos, aprovada por todos os demais 14 membros do Conselho de Segurança.

Não sei se faltou vontade ou força (provavelmente os dois) para Obama ir mais além.

Seja com a parcialidade pró-Israel de Clinton e Bush, seja com os bons propósitos de Obama, nenhuma negociação foi muito longe, devido às exigências despropositadas de Netanyahu conforme o próprio presidente dos EUA denunciou. A ação do premier tinha um objetivo: evitar a criação de um Estado palestino independente e viável, que nunca estivera em seus planos (vide discursos de campanha).

Desanimado com seu aliado, Obama chegou a declarar, em entrevista à rádio de Israel: ”As propostas de paz de Netanyahu incluíam tantas advertências, tantas condições, que não é realístico pensar que essas condições poderiam ser atendidas em qualquer momento num futuro próximo”.

Eleito presidente da Autoridade Palestina, em 2005, Mohamed Abbas acreditava que só com a intervenção dos EUA se chegaria a um acordo justo.

Orientou-se sempre por esta ideia, apesar do contínuo avanço de novos assentamentos em terras dos palestinos, tornando a ocupação um fait acompli, que implicaria numa redução fatal da área do futuro Estado palestino.

Coerente com sua disposição de colaborar, Abbas fez uma série de concessões aos presidentes norte-americanos, chegando a retirar, a pedido de Obama, a interrupção no programa de assentamentos como pré-condição de um acordo com Israel, exigência tradicional da insurreição palestina.

Chegou mesmo a confiar nas promessas milagrosas de Trump, ignorando as abundantes evidências da estreita ligação entre The Donald e Netanyahu.
Mas, sua visão curta não lhe permitia ver as alterações do ânimo de seu povo, à medida que negociações malogradas se sucediam.

Ele não percebeu que, diante do desmanche gradativo das esperanças dos palestinos e dos movimentos pró-independência, a paciência popular chegava ao fim.

Basta

Passou do limite em dezembro de 2017. O vazamento dos itens básicos do trombeteado plano Trump, que revelou parecer ser obra de Netanyahu, tal a identificação com os interesses israelenses, teve um impacto poderoso.

Os palestinos ainda não tinham se refeito do choque, quando The Donald lançou uma bomba de muitos megatons: o reconhecimento de Jerusalém capital Israel.

A reação foi fulminante, espalhando-se por todos os povos islâmicos. Jerusalém é a terceira cidade santa do islamismo, entregá-la aos judeus seria ofensa mortal à religião.

Reunidos no Egito, 50 chefes de governo de povos árabes e islâmicos de modo geral, exigiram repúdio, exigindo ação contra a medida catastrófica.

Profundamente decepcionado com os “amigos norte-americanos”, Abbas, por fim, deixou de ser cordato e concessivo.

Declarou os EUA indignos de continuarem a mediar o conflito palestino-israelenses e recusou-se a receber o vice-presidente Mike Pence, com viagem marcada para uma reunião com ele.

O escândalo causado pelo insólito reconhecimento atingiu om mundo islâmico tão profundamente que o príncipe Mohamed bin Salman, que governa de fato da Arábia Saudita, foi obrigado a deixar de lado (por um tempo), a construção da aliança do seu país com os EUA e Israel para afundar o Irã, seu inimigo número 1. E também emitiu seu protesto.

É fato que Abbas já parece estar recuando. Primeiro, negou diplomaticamente que tivesse contado a políticos árabes os pontos do plano
Trump, que o príncipe saudita o pressionara a aceitar.

E agora está de malas prontas para voar a Riad, talvez vá discutir com a realeza os próximos passos para conter a fúria islâmica contra a desfaçatez da Casa Branca. Afinal, diz o príncipe herdeiro, destruir o Irã é preciso. Não vai desistir facilmente das alianças, incluindo EUA e Israel, que articula com esse objetivo.

Mas, a farsa das negociações bilaterais, coordenadas pelos EUA para não darem certo, não deve mais continuar a ser encenada.

Os palestinos, reforçados - talvez como nunca – com o apoio de todo mundo islâmico, terão de procurar uma nova opção.

Neste momento, eles se encontram em uma encruzilhada. Seguir o caminho institucional, com Abbas pedindo à ONU que substitua os EUA como novo mediador, seria a primeira opção. Seus assessores já falam num organismo multilateral, integrado por nações como a Rússia, a França e a China (Times of Israel, 28-12-2017).

Lembre-se que, em 2016, a França tentou passar para a comunidade internacional a função de mediar a questão palestina.

Inesperadamente, John Kerry, o secretário de Estado dos EUA aprovou: “nem uma única nação ou uma única pessoa pode resolver esta parada (o problema palestino). Isto vai exigir a comunidade global, exigirá apoio internacional”.

Adiantou alguma coisa?

Netanyahu logo foi contra, seguiram-se visitas, reuniões... E tudo acabou na tradicional redonda.

Se a ideia deu em nada, mesmo que aprovada por um secretário de Estado dos EUA, agora com Trump fechado com Israel, duvido que sequer consiga chegar ao Conselho de Segurança (onde os EUA vetariam)

O caminho da luta armada pela devolução de toda a Palestina aos palestinos é o que propõe o Hamas, no momento.

É de se pensar que o Estado de Israel, mesmo discordando da justiça da sua criação, já está totalmente consolidado. Afinal, existe há quase 70 anos, com suas instituições funcionando. Voltar atrás agora é uma fantasia semelhante a devolver os EUA aos índios.

A solução militar me parece igualmente fantasiosa. A superioridade de Israel nesse quesito é imensa e tende a crescer, com os 3 bilhões anuais em armamentos, concedidos pelos EUA.

Lançar mísseis absolutamente inócuos contra Israel só causa retaliações israelenses, bombardeios de Gaza, com mortos, feridos e danos materiais.

Uma terceira intifada, espalhando ataques por Israel, contra militares e civis, também me parece uma ideia furada, nas circunstâncias de hoje.

Não vai contar com a participação, sequer o aplauso, da maioria dos palestinos, que não aguentam mais os sofrimentos causados pela repressão de Israel a atos terroristas.

Netanyahu até que gostaria que o Hamas partisse para essa linha de ação. Seria uma ótima chance de se promover, ainda mais junto a seu eleitorado, reprimindo e punindo ferozmente os palestinos. Apresentando-se como herói, em defesa da segurança geral da nação.

Uma nova intifada pegaria muito mal junto à comunidade internacional (para alegria de Netanyahu e acólitos).

Especialmente as pessoas nos EUA, França, Alemanha e Reino Unido, veem com horror os atentados que têm acontecido por lá, o que alimenta o anti-islamismo nesses países.

Resistência pacífica

A boa vontade internacional, que hoje beneficia os palestinos, poderia virar para o lado de Israel.

Admite-se que a prática de atentados tem uma aura de romantismo. Seus autores devem ser tomados pela emoção de estarem se sacrificando por amor à pátria e ao povo. O martírio, através de um atentado suicida ou um ataque contra soldados israelenses, nada tem de heroico. Não beneficia ninguém.

Talvez os mártires sejam celebrados em cartazes ou entre seus grupos de correligionários. Mas é uma glória fugaz, pois eles acabam sendo esquecidos.

O que é pior: os movimentos de resistência ficam desfalcados da participação deles, militantes de que a Palestina tanto precisa. Não é assim que se conseguirá uma paz justa com Israel.

Caso Abbas e aliados optarem pela via institucional, devem fracassar. Desesperados, aqueles que acreditavam nas chances da paz trilhando esse caminho, poderão acabar ingressando nas hostes dos extremistas.

Nem tudo está perdido, existe ainda uma terceira saída. É a “resistência civil”, proposta por Mawram Barghouti, o chamado “Mandela palestino”.
Defensor dos direitos dos palestinos, foi um dos principais líderes das duas intifadas, onde firmou sua imagem de honestidade, coragem e confiabilidade.

Em 2002, sequestrado de forma ilegal por comandos israelenses em Ramallah, Barghouti foi levado a Israel, onde o condenaram a cinco penas de prisão perpétua, por suposto envolvimento em cinco assassinatos.

Ele sempre negou as acusações, embora admitisse o direito de os palestinos se rebelarem pelas armas.

Sua posição é bem clara: “Eu me oponho fortemente a ataques contra civis em Israel, nosso futuro vizinho. Eu ainda procuro coexistência pacífica entre os igualmente independentes Israel e Palestina, baseada na retirada total dos territórios palestinos ocupados em 1967”.

Embora preso, Barghoputi enviou ao Hamas e do Fatah um documento expondo suas ideias sobre a libertação do país.

Barghouti propõe a “resistência civil”, o fim de toda cooperação dos palestinos com Israel, incluindo o não cumprimento de leis ou decisões governamentais injustas. Como Gandhi pregava e fazia.

Os serviços de segurança da Autoridade Palestina não deveriam mais colaborar com a ocupação na prevenção de ataques contra o exército de Israel e na proteção dos assentamentos.

Caberá ao povo e autoridades palestinos boicotarem totalmente os produtos, instituições e lojas israelenses na Cisjordânia.

E a unidade política?

Posteriormente, em conjunto com membros proeminentes do Hamas e do Fatah, presos como ele, foram acrescentadas algumas propostas concretas num plano que se chamou a “Revolução Pacífica do Povo”.

Seu objetivo seria pressionar Israel a se retirar dos territórios ocupados e aceitar a criação de um Estado palestino Independente.

Além de manifestações de protestos por toda a Jerusalém, há propostas mais arriscadas como bloquear as estradas de acesso aos assentamentos e danificar sua infraestrutura, como eletricidade, telefone e internet.

Qadura Fares, um dos coautores do plano, explica: “uma das ideias será mobilizar centenas de milhares de pessoas numa marcha até Jerusalém. Propomos também que dezenas de milhares promovam sit ins em toda a Cisjordânia, 24 horas por dia”.

Objetiva-se com estas ações criar uma revolução popular intensiva que perturbe a vida dos assentados, sem matar, nem ferir ninguém.

Uma vez funcionando, este poderoso movimento deixaria o governo israelense em dificuldades e daria apoio à renovação do pedido de reconhecimento do Estado Palestino como membro integral da ONU.

Evidentemente, o fraco Abbas não poderia liderar um movimento com tal margem de risco. Espera-se que muito breve haverá novas eleições e novas lideranças.

A tentativa atual de unir Hamas e Fatah, construída em torno de interesses financeiros e políticos de cada um dos dois grupos, acha-se em compasso de espera. Não tem como avançar, devido ao evidente oportunismo que os une, gerador de fortes contradições.

Para o plano de Barghouti e companheiros ser viabilizado, Fatah e Hamas têm de se unir numa causa que transcenda seus objetivos particulares. Referimos à independência da Palestina.

A terceira via já foi discutida há um ou dois anos nas altas rodas dos principais movimentos de resistência. Os líderes não lhe deram valor, envolvidos em lutas internas pela disputa de um poder, na verdade, bem fragilizado.

Talvez agora, com a reação que aproximou a maioria dos povos islâmicos por conta das recentes ações de Trump, os responsáveis pelo Hamas e pelo Fatah caiam em si e assumam seus deveres com as aspirações do seu povo.

“Palestina, primeiro” seria um bom lema, apesar de incômodas associações verbais com o slogan de Donald Trump. Mas talvez por isso também.

Governo de Israel impõe e Facebook censura palestinos

A liberdade de informação, fundamental na civilização moderna, está sendo violada em um dos países que mais se orgulham de sua democracia: Israel.
O Intercept, de 30 de novembro último, conta como pressões do governo israelense levaram o Facebook - uma das principais mídias sociais – a cortar os posts de palestinos críticos do regime de Telavive.

Para destacar a importância dessas mídias, o Intercept reproduz citação, publicada pelo The Independent (24-10-2017), de Mousa Rimawi, relator e diretor do Centro Palestino para o Desenvolvimento e Liberdade da Mídia:

“Os sites de mídia social são... Uma eficiente janela para empoderar jornalistas e palestinos em geral para expressarem suas opiniões livremente”.

Infelizmente, esta janela está se fechando. Explica Runawi; “Mas a sistemática vigilância e observação das autoridades de ocupação israelenses (se tornaram) um plataforma aberta para perseguir e oprimir a informação de opiniões dos usuários”.

O Intercept explica como isso vem acontecendo. Convocados pela ministra da Justiça israelense, Ayelet Shaked, uma delegação do Facebook foi a Israel participar de uma reunião com autoridades israelenses. Esclareço que Shaked é das mais agressivas vozes da direita de Israel. Já chamou as crianças israelenses de “pequenas serpentes” e aprovou o bombardeio de civis, quando feitos de escudos por radicais do outro lado, entre outras declarações um tanto quanto desumanas.

O Intercept afirma que os resultados previsíveis desta reunião estão agora claros e bem documentados. O Facebook passou a realizar uma agressiva censura contra os ativistas palestinos, que protestam contra a ocupação ilegal da Cisjordânia (também chamada Margem Oeste), orientada e determinada pelas autoridades de Israel.

Esta denúncia é confirmada pela fonte mais insuspeita: a própria ministra da Justiça de Israel. De acordo com Shaked, Israel enviou ao Facebook 158 pedidos de supressão de posts palestinos... Para remover o que Israel considerou como  sendo “’conteúdo incitador” e a empresa atendeu  95% dos pedidos (al Jazeera, 28-9-2016).

Nem o papa Francisco consegue um índice de obediência tão alto. E note que ele é considerado infalível...

Em março de 2017, o Facebook cancelou a página do Fatah, partido moderado do conciliador Mahmoud Abbas, que era seguido por milhões de pessoas porque continha uma velha foto de Yasser Arafat segurando um rifle.

Arafat foi o grande líder da resistência palestina. Participou de várias reuniões de paz com autoridades de Israel, sob a égide dos EUA. E foi ele quem, oficialmente, reconheceu o Estado de Israel.

O The Independent (24-10-2017) publicou relatório do Centro Palestino de Informação narrando que pelo menos 10 das contas dos seus administradores, nas línguas arábica e inglesas - seguidas por mais de 2 milhões de pessoas - foram suspensas, sendo 7 delas permanentemente, depois das decisões arbitrárias tomadas na reunião do Facebook com a ministra Ayelet Shaked.

O New York Times (7-12-2016) revela o modus operandi do controle do Facebook exercido por Israel: “as agências de segurança israelenses monitoram o Facebook e enviam à empresa os posts que eles consideram ‘incitamento à revolta’, que responde, removendo a maioria deles”.

Não dá para garantir que todos os posts rejeitados consistiam apenas em simples denúncias, protestos contra a ocupação, apelos para entrada no Hamas ou no Fatah, coisas assim.

Certamente, alguns incitavam atentados. Difícil que fossem a maioria.
Mas, claro, o mesmo rigor não pesa sobre os posts dos israelenses adeptos das políticas do governo.

Diz o al Jazeera : “ataques incendiários postados em língua hebraica atraíram muito menos atenção das autoridades israelenses e do Facebook. Um estudo descobriu que 122 mil usuários clamaram por ações brutais, usando palavras como ‘assassinar’, ‘matar’ ou ‘incendiar’. Os árabes foram os recipientes número 1 desses comentários de ódio. No entanto parece haver pequeno esforço para o Facebook censurar tais posts”.

Os fatos demonstram que o Facebook tem sido discriminatório, excessivo com os palestinos e absolutamente tolerante com os israelenses, aceitando odiosas mensagens, que estimulam violências, por vezes das mais cruéis.
São comuns no Facebook, segundo o Intercept.

O Times of Israel (30-12-2017) informou a existência de verdadeiras campanhas no Facebook, que pedem vingança contra árabes por atentado terroristas, aliás, criticados pela maioria dos árabes israelenses.

Talyz Shilok Edry, que tem mais de mil seguidores, postou: “que orgasmo provoca a visão do bombardeio pelas forças israelenses de Defesa de prédios em Gaza, (atingindo) crianças e famílias, ao mesmo tempo!”

A página do Facebook do grupo Lehava (com mais de 37 mil seguidores e cuja sigla significa Prevenção da Assimilação na Terra Sagrada) é dedicada a pregações contra relações românticas entre homens árabes e mulheres israelenses. Em junho, publicou a foto de um jovem diante de uma bandeira israelense, usando uma camiseta com a seguinte frase: “todos os cidadãos de Ashdod estão como o Lehava, esperando que Gaza seja transformada numa fogueira”.

Restrições à liberdade de informação dos palestinos estimulam o antissemitismo do mesmo modo que atentados terroristas estimulam a islamofobia.

Produtos ambos da mesma raiz fundamentalista da qual se originam tanto o radicalismo israelense quanto o islâmico.

E o Facebook? Será que tem consciência do mal que sua subserviência a Israel está causando?

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