Correio da Cidadania

Guerra do Vietnã mancha a história dos EUA

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No filme The Post – A Guerra Secreta, ora passando em São Paulo, o jornal Washington Post publica relatório secreto a revelar fatos vergonhosos praticados por governos dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã.

É um episódio que mostra a falta de escrúpulos das mais altas autoridades dos EUA ao provocar a guerra e enganar seu povo, falsificando informações e escondendo ações condenáveis.

As origens da Guerra do Vietnã se situam no fim da revolução vitoriosa, que expulsou os colonizadores franceses da região.

História

Na conferência internacional de Genebra, em 1954, o Vietnã foi dividido provisoriamente em duas partes, sendo o Sul governado por um regime capitalista e o Norte, pelos comunistas. Eleições foram programadas para a unificação do país. Previa-se vitória comunista, pois seu líder Ho Chi Minh tinha conquistado grande prestígio durante a luta contra os franceses.

Como não era bem visto pelo povo, Ngo Dinh Diem, o líder do Sul, optou por vetar as eleições onde seria certamente derrotado, separando oficialmente o Vietnã do Sul do Vietnã do Norte. Inconformado, o governo nortista iniciou algumas operações militares, almejando unificar todo o Vietnã, sob um regime comunista.

O mundo estava, então, em plena Guerra Fria. De acordo com a Teoria do Dominó, doutrina da política externa dos EUA, caso um país se tornasse comunista, aqueles com quem fizesse fronteira seguiriam o mesmo caminho.

Com base nessa teoria, os estrategistas estadunidenses acreditavam que a mudança da China para o comunismo, em 1949, poderia provocar a queda do vizinho Vietnã, acelerando um processo de expansão comunista pela Ásia.

A partir do governo Eisenhower, os EUA passaram a enviar amplos recursos financeiros ao regime de Ngo Dinh Diem e a fornecer armas e treinamentos para o exército local. Além de “conselheiros”, com influência crescente no governo de Saigon, sustentada pela ajuda yankee.

Mas não se conseguiu evitar que guerrilheiros vietcongues (comunistas vietnamitas), se infiltrassem por todo o país, criando bolsões onde sua palavra era lei.

Em 1959, o Viet Minh (exército do Vietnã do Norte) e os vietcongues iniciaram formalmente uma guerra contra o regime do Sul.

Reagindo, o governo Kennedy aumentou a participação política dos conselheiros norte-americanos tocando um programa de “construção de nação” (nation building). Buscava-se, especialmente, fortalecer o governo. Foi inútil.    

O corrupto e ineficiente regime de Saigon continuou acumulando erros políticos e derrotas consecutivas, frente às forças comunistas.

Em 1963, num golpe militar (autorizado pelos EUA), Ngo Dinh Diem foi assassinado.

No ano seguinte, Lyndon Johnson, o novo presidente, optou por integrar mais seu país nas ações militares sul-vietnamitas. Sob orientação de treinadores norte-americanos, o exército de Tio Sam passou a realizar raids nas regiões do campo do Vietnã do Sul e nas próprias costas marítimas do Vietnã do Norte.

Em 1964, o NSA, Agência de Segurança Nacional, comunicou a Johnson que dois destroieres estadunidenses teriam sido atacados pela marinha norte-vietnamita no Golfo de Tonkin. Dois dias depois, por informação do NSA, esses mesmos vasos de guerra estariam sob ameaça da marinha comunista.

Sem vacilar, Johnson foi ao Congresso, pedindo autorização legal para defender suas forças no Sul da Ásia.

Ela lhe foi concedida pela Resolução do Golfo de Tonkin, com base na qual os EUA mobilizaram suas forças militares contra os norte-vietnamitas, iniciando assim a Guerra do Vietnã.

Johnson ordenou logo a seguir bombardeios maciços no Vietnã do Norte, num conflito que se expandiu, chegando a envolver 540 mil soldados norte-americanos do exército, marinha e aviação.

Foram 10 anos de lutas, que se estenderam por toda a gestão Johnson e parte da gestão Richard Nixon. Terminou em 1973, com um acordo de paz entre o Vietnã do Norte, o Vietnã do Sul e os EUA, que retiraram do país suas forças armadas e conselheiros civis.

Mas as operações militares só cessaram de vez em 1975, quando da tomada de Saigon pelas forças do Viet Minh e dos vietcongues.

E assim o Vietnã se tornou um país com regime comunista. O saldo da guerra foi terrível: morreram mais de 1 milhão de soldados e civis vietnamitas e 58.226 soldados dos Estados Unidos da América.

O jogo sujo

Em 1967, o então secretário de Estado Robert McNamara ordenou a preparação de um estudo abordando o envolvimento norte-americano no Vietnã até 1967.

Por revelar fatos altamente desabonadores para o governo dos EUA, este estudo deveria ser mantido secreto.

Em 1971, porém, Daniel Ellsberg, membro do grupo que realizou o trabalho, entregou uma cópia à imprensa para que o divulgasse. O povo precisaria ser informado, pois, para Ellsberg, “os documentos demonstravam um comportamento inconstitucional por uma sucessão de presidentes, a violação dos seus juramentos e do juramento de cada um dos seus subordinados”. Ele os entregara os jornais, na esperança de que sua revelação pudesse ‘‘tirar a nação de uma guerra errada”.

Com a publicação do que foram chamados Pentagon Papers, os cidadãos dos EUA tiveram ciência de que diversos dos seus presidentes haviam mentido para justificar a guerra, aprovado violências dos soldados sul-vietnamitas, apoiado militares locais corruptos, influenciado eleições e promovido bombardeios ilegais contra o Laos e o Camboja, países com quem os EUA não estavam em guerra.

Antes mesmo de o presidente Lyndon Johnson ter denunciado os supostos ataques navais norte-vietnamitas, a América já vinha lançando ataques costeiros contra o Vietnã do Norte, ações terrestres com fuzileiros navais e ainda bombardeado o Laos.

Nada disso fora informado ao público pelos canais oficiais. Os Pentagon Papers começaram a ser publicados pelo New York Times, em junho de 1971. Enfurecido, o presidente (recém-eleito) Richard Nixon entrou com uma liminar na Justiça, alegando que a publicação tinha de ser suspensa por ameaça à segurança nacional. E ganhou, num juizado de primeira instância.

Não adiantou. Logo em seguida, o Washington Post passou a também veicular o mesmo estudo, reproduzido em seguida por jornais de todo o país. Nixon fez de tudo para obrigar a imprensa a interromper a comunicação dessa desconfortável matéria.

Travou-se, então, uma verdadeira batalha judicial. Por fim, o caso foi para o Supremo Tribunal de Justiça e, desta vez, o presidente republicano perdeu. A liberdade de imprensa vencera.

Nixon também buscou punir Ellsberg pelo vazamento dos Pentagon Papers, processando-o com base na lei de Espionagem, de 1917. E diversas acusações de furto e conspiração foram levadas aos tribunais pelos advogados do presidente. Se fosse condenado por todas elas, Ellsberg pegaria 115 anos de prisão.

Mas a Justiça o absolveu. A publicação dos Pentagons Papers causou escândalo na sociedade norte-americana e no exterior. Os EUA perderam muitos pontos internacionalmente, a credibilidade da Casa Branca aproximou-se do chão.

Revoltados por uma guerra injusta, que já matara dezenas de milhares de jovens, cidadãos dos EUA, especialmente os jovens, multiplicaram passeatas de protesto por todo o país.

Talvez o fato mais grave nesse episódio da história dos EUA foi a responsabilidade direta do presidente Johnson na declaração de guerra.

Ele baseou sua postura em pressupostos que se provaram falsos. No chamado primeiro incidente do Golfo de Tonkin, o destroier norte-americano Maddox, em missão de vigilância e espionagem secreta na costa norte-vietnamita, reportara ataque por três contratorpedeiras inimigas. Foi travado então um combate, no qual somente os inimigos sofreram perdas.

Dois dias depois, o Maddox e o Turner Joy, outro destroier, notaram no radar e no sonar a presença de manchas, consideradas como indicadoras de navios norte-vietnamitas hostis. Novos disparos de canhões, desta vez sem resposta.

Esses duas informações foram recebidas e interpretadas pela NSA (Agência Nacional de Segurança), que as levou ao presidente Johnson e a seus principais assessores.

Aí, as coisas começaram a cheirar mal. Sem esperar sequer a confirmação do primeiro incidente, Johnson já estava no Congresso propondo autorização legal para a deflagração da guerra do Vietnã.

Soube-se depois, conforme declarou o almirante Ulisses Sharp Junior, comandante-chefe da frota do Pacífico, que “ele não tinha certeza sobre a suposta ação entre as lanchas e o Maddox e o Turner Joy, nem se havia barcos norte-vietnamitas destruídos (US Trnascription of Telephone Conversation in 4-4-1964)”.

E, segundo o capitão Herrick, do Maddox, fora dele o primeiro tiro, não dos comunistas, como o presidente garantira.

Sem contar que os navios norte-americanos não tinham direito de estar naquela parte do Golfo de Tonkin, pois se tratava de águas territoriais norte-vietnamitas.

Quanto ao segundo incidente do Golfo de Tonkin, somente em 2005 foram revelados estudos secretos da NSA, afirmando que a presença de vasos de guerra norte-coreanos, como se interpretou pelas manchas do radar e do sonar jamais foi confirmada.

Pilotos que sobrevoaram a região onde estavam os destroieres supostamente ameaçados, no mesmo dia do aviso, não viram nem sombra de qualquer belonave do Vietnã do Norte.

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Ho Chi Minh

Revelações recentes

Ainda em 2005, em The Gulf of Tonkin Incident – 50 years later - A Footnote to the History of the Vietnã War, John White contou que a NSA prestou a Lyndon Johnson informações deliberadamente distorcidas pela inteligência, para caracterizar falsas culpas comunistas.

Não há dúvidas de que o presidente norte-americano agiu pelo menos com leviandade. No seu afã de fazer guerra total ao Vietnã do Norte para impedir o progresso comunista na Ásia, ele aceitou as informações que implicavam o governo de Hanói, sequer esperando por sua confirmação, como caberia a um chefe de Estado agir em circunstância de tal gravidade.

Fez pior, no seu discurso ao Congresso pedindo a guerra, apresentou fatos inverídicos, como a existência de corpos de marinheiros estadunidenses boiando tragicamente (Fabian Jankovic em Politic of Suspicion).

Parece correta a respeitada intelectual Hannah Arendt, quando se referiu às estratégias de comunicação norte-americanas no Vietnã: “a política de mentir foi sempre dirigida contra o inimigo, porém, senão exclusivamente, mas principalmente, destinada ao consumo interno, para propaganda em casa e especialmente com o propósito de enganar o Congresso”.

Em 14 de agosto de 2014, Robert McNamara, secretário da Defesa na época do início da Guerra do Vietnã, afirmou: “é incompreensível que alguém, ainda que remotamente familiar com nossa sociedade e nosso sistema de governo, possa suspeitar da existência de uma conspiração (The Guardian)”.

Negou assim a ideia de que Lyndon Johnson e outros indivíduos de linha dura do seu governo tivessem combinado para usar o incidente do golfo de Tonkin como pretexto para jogar os EUA na Guerra do Vietnã. Os fatos provaram que ele pode estar errado.

A inteligência norte-americana realmente distorceu o que aconteceu, Johnson acreditou nas informações de olhos fechados e as apresentou ao Congresso, acrescentando alguns detalhes criados por ele. Por sua vez, quase todos os parlamentares embarcaram nesse trem, sem pedir maiores investigações, o que algo com a dimensão de uma possível declaração de guerra exigiria.

Todos eles acreditavam que só com as forças armadas dos EUA seria possível impedir a queda do Vietnã em mãos comunistas e o subsequente avanço vermelho pela Ásia.

Algo inaceitável para Washington. O envolvimento militar tornava-se obrigatório, mesmo ao preço da prática de atos ilegais, violentos e abusivos – violando-se a Constituição norte-americana e o Direito Internacional, se preciso.

Tudo isso teria de ser escondido do povo, para evitar protestos generalizados, que poderiam prejudicar o esforço de guerra nacional.

Afinal, na guerra vale tudo. O que não é bem assim. Justamente para limitar os efeitos tenebrosos dos conflitos bélicos é que existem as Convenções de Genebra.

Nela, os Estados têm criado regras para proteger ao máximo os direitos humanos de civis e soldados nos choques militares. Várias delas foram desrespeitadas na Guerra do Vietnã.

Felizmente, existem pessoas que ousaram denunciar o mau comportamento de figuras e instituições do governo, mesmo se arriscando a sofrer perseguições e prisões.

Apesar de alvo das iras do presidente Nixon, Daniel Ellsberg conseguiu ser absolvido pela justiça.

Os heróis de hoje

Mas, Chelsea Manning, teve de gramar anos de cadeia, intercalados por temporadas em celas solitárias.

Edward Snowden não pode voltar a seu país, pois generais e altas autoridades civis já o pintaram de traidor.

Julian Assange não é norte-americano, mas tem de viver na embaixada londrina do Equador, para evitar ser mandado aos EUA, onde o establishment local o espera com uma faca entre os dentes.

Todos estigmatizados por provarem que o rei estava nu. Queriam que ele se sentisse obrigado a se vestir de modo adequado a seus princípios e poderes.

Haverá outros, prontos a se lançarem nessa luta incerta, fértil em punições, vazia de recompensas. Em gerar gente assim, os EUA têm sido excepcionais.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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