Corrupção pode derrubar Netanyahu
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- Luiz Eça
- 02/03/2018
Depois de 12 anos governando Israel, Netanyahu está seriamente ameaçado de cair do cavalo. O motivo é o mesmo que está fazendo estragos na política brasileira: corrupção.
Na semana passada, a polícia israelense pediu ao procurador geral do país o indiciamento do premier por chantagem, fraude e quebra de confiança.
Segundo a investigação, Netanyahu andou pisando na bola, não em um, mas em dois casos de corrupção.
E ainda está pintando mais um terceiro, em análise final pelas autoridades policiais.
No primeiro caso, o líder do Likud e sua esposa, Sara, estão envolvidos até o pescoço.
Eles receberam presentes no valor de 300 mil dólares de alguns magnatas, inclusive o israelense Arnon Mitchum, produtor de filmes em Hollywood, como “Uma Linda Mulher”, “The Revenant” e “Gone Girl” e o bilionário australiano James Packer.
Foram vestidos, joias e ainda caríssimos charutos e caixas de champanhe, em quantidade e qualidade de causar inveja a um príncipe saudita.
Retribuindo a gentileza, Netanyahu teria pressionado pela aprovação de lei que isentava do pagamento de impostos durante 10 anos os israelenses que voltassem do exterior para viver em Israel.
Quanto a Packer não foi, certamente, por gostar dos sorrisos do casal que ele o cumulou várias vezes de generosas e dispendiosas dádivas. O segundo caso me parece mais cabeludo.
O Hayom é o jornal mais lido de Israel. Pertence ao magnata do jogo de Las Vegas, Sheldon Adelson, amigo fraternal de Netanyahu, e apoia o premier de olhos fechados.
De outro lado, críticas a ele não paravam de aparecer no jornal número 2 do país, o Yedioth Ahronoth.
Vejamos a armação que Netanyahu urdiu. Ele se dispôs a conseguir que o Hayom cortasse seu suplemento dominical, justamente uma das partes mais lidas do jornal. Com isso, muitos leitores deixariam de lê-lo, emigrando para o Yedioth, que assim se tornaria o jornal número 1 de Israel.
Em troca, o jornal passaria a rasgar constantes elogios às políticas do governo.
Moses topou, é claro. Infelizmente, Sheldon, não. Amigos, amigos – negócios à parte...
E, mais infelizmente ainda, conversas entre Aron Moses e o primeiro-ministro foram gravadas num smartphone pelo seu assistente, Ari Harow.
Posteriormente, Harow deixou seu emprego público para dedicar-se a outras atividades.
Aí, deu azar.
Preso pelo Esquadrão Nacional Antifraude, sob suspeita de ter trabalhado no governo como lobista em favor de empresas privadas, Harow afinou. Para evitar pegar uma longa sentença, o antigo homem de confiança do premier topou fazer uma delação premiada.
Por uma pena branda, prestação de serviços comunitários e multa de 193 mil dólares, ele entregou aos agentes seu smartphone com uma gravação de diálogos entre Netanyahu e Moses altamente comprometedores.
E ainda topou testemunhar contra seu ex-chefe, narrando tudo que sabia sobre as tentativas de Netanyahu para convencer Sheldon Adelson a agir contra seu próprio jornal.
A polícia ainda investiga outros dois casos que poderão colocar Netanyahu e até sua esposa, Sara, em situação desconfortável.
Quando acumulava o Ministério das Comunicações com a chefia do governo, o primeiro-ministro demitiu Avi Berger do cargo de diretor geral desse ministério.
Berger batalhava por reformas incômodas para a Bezeq, gigante das telecomunicações. Seu substituto, nomeado por Netanyahu, foi um certo Shlomo Filber.
Posteriormente, Shlomo saiu do ministério. Antes, porém, ele, em conluio com Nir Hefetz, porta-voz do governo, foram responsáveis pela criação de regulamentos que produziram milhões de dólares para a poderosa telecom.
O destino bateu à sua porta na forma de agentes policiais que vieram prendê-lo pelas ações que deram tanta alegria aos donos da Bezeq. Mas e Netanyahu com isso?
Sabe-se que, graças à empresa, o Wall! – site de notícias de grande penetração popular - passou a cantar em prosa e verso as qualidades do senhor e senhora. Netanyahu.
Pesam ainda mais suspeitas sobre o prestimoso Shlomo. Ele teria entregado a Bezeq documentos confidenciais e outras informações que a beneficiaram.
Complicando a história, Shaoul Elovitch, maior detentor de ações da Bezeq, é amigo de família do primeiro-ministro israelense.
Shlomo, Hefetz e Elovitch, este acompanhado por sua mulher e filhos, já se encontram presos.
Contudo, não há no caso indícios claros contra Netanyahu de prática de atos de corrupção. No entanto, o fato dele ter demitido um funcionário que perturbava vida (e os lucros) da Bezeq, seguido da sua substituição por outro, que fazia o jogo da empresa, dá o que pensar.
Os investigadores têm insistido para que Shlomo resolva abrir a boca. Há boatos de que ele já teria firmado um acordo de delação premiada, embora autoridades policiais neguem.
Finalmente, resta mais um fantasma assombrando o lar dos Netanyahu. Este paira sobre a esposa, Sara.
A polícia acusa Nir Hefetz (o porta-voz do governo) de, em 2015, ter, através de um intermediário, oferecido ajuda do Palácio a um juiz para conseguir sua nomeação a procurador-geral. Bastaria apenas que ele usasse sua posição para bloquear quaisquer procedimentos contra madame Netanyahu.
As autoridades policiais não encontraram motivos suficientes para pedir o indiciamento da primeira dama de Israel.
Em setembro, o atual procurador-geral Abishai Mandelblatt havia informado que estava estudando se deveria fazer algo assim. Porém em um caso diferente: uso de fundos estatais, somando 100 mil dólares, para pagar jantares pessoais e serviços de bufê. O que seria considerado fraude.
Não se sabe se Mandelblatt desistiu ou ainda está avaliando se vale a pena ir em frente.
Bem, como diziam no Velho Oeste, onde há uma fumaça, há índios. Seja como for, cheira mal a existência de tantas e tão diversas acusações.
Se o procurador-geral aceitar a recomendação da Polícia pelo indiciamento, instaura-se um processo (ou mais de um) criminal. O que pegaria muito mal junto à opinião pública.
Mas, mesmo condenado pelo tribunal, Netanyahu disporia de muitos recursos para se defender.
Dando tudo errado para ele, será necessária ainda a aprovação do Knesset (Congresso) para ser decretado o impeachment. O que, mantida a atual proporção de parlamentares favoráveis, dificilmente acontecerá.
É possível que, optando o procurador geral pelo indiciamento, partidos da base do governo se retirariam, ameaçando a sobrevivência do governo Netanyahu.
Naftali Bennet, líder do “Lar Judeu”, declarou confiar na integridade do premier. No entanto, caso a Justiça se volte contra ele, insinuou que as coisas poderiam mudar.
É verdade que no caso do assustador indiciamento, o jornal Haaretz admite ser possível que Moshe Kahlon, ministro das Finanças, também dê o fora, levando consigo os 10 parlamentares do seu partido, o Kulagu. O que deixaria o governo atual em minoria, provocando sua queda e a antecipação das eleições.
Mesmo que um desses dois partidos abandone a barca do governo, talvez nem assim ela afunde. O Partido Trabalhista, tradicional força de centro-esquerda, pode salvar Netanyahu, ingressando na coalizão governante.
Seu novo líder empurrou o partido para a direita, reusando quaisquer alianças com os partidos árabes e tomando posições duras em relação aos palestinos.
Claro, todas estas movimentações só se processarão havendo muita gente nas ruas, pedindo a saída de Netanyahu. Os três partidos costumam ser pragmáticos.
Em dezembro do ano passado, dois meses antes da investigação policial colocar Netanyahu contra a parede, resultados de pesquisa da Headshot TV não eram nada bons para o primeiro-ministro; 60% dos entrevistados o queriam ver pelas costas, caso a polícia recomendasse seu processamento por chantagem.
Em agosto de 2017, o Times of Israel informava que, em pesquisa do Canal 10, só um terço dos respondentes considerava o premier inocente das acusações já conhecidas.
Há quem diga que Netanyahu poderia lançar uma guerra contra o Líbano para desviar a atenção da opinião pública.
Há precedentes históricos. Clinton já fez algo semelhante quando mandou bombardear uma fábrica de desodorantes para o povo norte-americano se esquecer de seus deslizes amorosos nos jardins da Casa Branca.
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Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.