Correio da Cidadania

Em caso de perigo, atire no aluno

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Donald Trump quer trazer o faroeste para as salas de aula. Para ele, armar professores é uma boa solução para enfrentar os ataques à bala de estudantes alucinados, que estão se espalhando EUA afora.

O ideal seria que os professores passem por um aprendizado para que saibam atirar e, especialmente, sacar rápido, como Billy The Kid e Wyatt Earp, acertando o inimigo, perdão, o aluno “mentalmente doente”, antes que ele comece a matar seus colegas.

Reunido com governadores, The Donald, num rompante de heroísmo, afirmou que, mesmo desarmado, enfrentaria algum desses agressores escolares. Como John Wayne já fez em vários filmes.

Por enquanto, saber atirar e dar aulas armado não é obrigatório para os professores nos EUA.

No entanto, cada vez mais estados do país estão adotando programas de treinamento do magistério no uso de armas de fogo.

O Huffington Post de 27 último relaciona alguns exemplos. Na Flórida, a Casa dos Representantes e o Senado locais estão fazendo leis para treinar professores no aprendizado do uso de armas de fogo, prevendo a necessidade de conter alunos enlouquecidos. Um pacote de leis, aprovadas por comitês nas duas casas legislativas, disponibiliza  67 milhões de dólares para criar os “xerifes escolares”, professores e funcionários treinados para aprender a atirar com pontaria certeira.

No Texas, evidentemente, já existe um programa desse tipo, que permite às escolas armarem seus professores.

Na Dakota do Sul, Wyoming, Utah, Ohio e Oklahoma foram votados programas assim ou já tem leis que permitem aos professores trazerem suas próprias armas às escolas.

Em Idaho, uma escola distrital lançou um programa voluntário de treinamento dos professores no uso de rifles de propriedade do distrito.

O estado de Mississippi emendou uma lei que permite aos professores (se passarem por treinamento) carregarem suas próprias armas na escola.

Certamente, o presidente não previu os desdobramentos dessas leis feitas para transformar os professores em hábeis atiradores.

Um professor inseguro, e ministrando suas aulas para classes digamos, um tanto agitadas, pode interpretar mal algum gesto brusco de um aluno e fuzilar um inocente.

Outra situação possível é o professor errar e o aluno ”mentalmente doente” atirar primeiro, travando-se um tiroteio na classe, com vítimas entre os estudantes.

Ou ainda, diante de desordens de uma classe muito agressiva, um professor pode ameaçar mandar bala, caso a paz não se restabeleça.

Seja como for, a ideia presidencial não parece ter sido exatamente um sucesso de público. Pesquisa HuffPost/YouGov mostra que 45% das pessoas brancas admitem algum apoio ao armamento de professores. Já apenas 30% dos não-brancos – negros, amarelos e latinos, que os norte-americanos não consideram brancos - aceitam a ideia. A maioria talvez tema que seus filhos sejam vítimas preferenciais de enganos por parte dos professores-armados.

Setenta por cento dos republicanos aprovaram a proposta presidencial, enquanto que, entre os democratas, houve grande rejeição, só 20% se disseram a favor.

Entidades de professores se opuseram fortemente ao armamento dos professores, seguidos por associações de defesa das leis.

Quem gostou mesmo foram as indústrias de armas que visualizam vendas em massa para os talvez milhões de professores de todo o país.

O público não havia ainda digerido a nova proposta do presidente e eis que The Donald surpreende de novo.

Numa reunião, em 28 de fevereiro, com parlamentares dos dois partidos, ele se apresentou como um grande defensor das restrições ao uso indiscriminado das armas.

Deu no The Guardian: “durante a reunião, Trump pediu uma ‘linda’ e completa lei que ampliaria as investigações dos antecedentes dos compradores nas vendas de armas, tirasse as armas das mãos dos doentes mentais, reforçasse a segurança nos campi escolares e impedisse os jovens de comprarem certas armas”.

Nem parecia o mesmo Trump que algumas horas antes havia proclamado que a NRA (National Rifle Association, lobby de armas, o maior dos EUA) não tinha “fã maior do que ele”. Com motivos até que justificáveis, pois a NRA doara generosos 30 milhões de dólares à campanha eleitoral do presidente.

Ante o misto de estupefação e indignação dos republicanos conservadores presentes, também eleitos com financiamentos polpudos da NRA, The Donald pontificou: ”alguns de vocês parecem aterrorizados pela NRA. Vocês não podem ficar aterrorizados”.

Apesar das suas novas posições, Trump deixou de lado duas propostas fundamentais para controlar as desastrosas consequências da tolerância extrema à compra de armas nos EUA:

– a proibição da venda de fuzis de assalto, semiautomáticos, que podem disparar 600 balas por minuto. Afinal, ninguém precisa de algo tão mortífero para se defender (muito menos os professores...).

– a obrigatoriedade da investigação universal dos antecedentes dos compradores em toda e qualquer transação, já que armas comerciais são vendidas livremente pela internet e em exposições.

Animados com as mudanças no modo de pensar presidencial, os congressistas Joe Manchin (republicano) e Pat Toomey (democrata) vão reapresentar sua lei que exige a verificação universal dos antecedentes.

Eles têm a seu favor 84% dos estadunidenses, conforme pesquisa, os quais também querem a investigação de transações entre particulares, que não existe na legislação atual.

Na reunião, houve quem fosse pessimista quanto à aprovação das posições propostas pelo morador da Casa Branca.

O congressista John Cornyn (republicano) declarou: “uma porção de coisas que parecem ideias interessantes, simplesmente não conseguimos votos suficientes para elas”.

Mais pessimista ainda, o senador democrata Dick Durbin duvidou da sinceridade de Trump: “eu não apostaria nela”.

O realismo ficou por conta de Chris Cox, chefe do NRA. Em tuíte publicado um dia depois de Trump surpreender, Cox revela que The Donald mudou de novo. Na noite de 29 de fevereiro, o presidente lhe teria afirmado que ele e o vice, Mike Pence, “não querem o controle de armas”.

Parece que quem apostou contra o senador Dick Durbin, perdeu.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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