Esquerda moderada deve eleger o presidente do México
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- Luiz Eça
- 20/06/2018
O México aguarda as eleições presidenciais de 1º de julho, assolado por três pragas: o narcotráfico, a corrupção e Donald Trump, o presidente dos EUA.
Solidamente implantados no México, os bandos de traficantes de tóxicos já enfrentaram vários governos, e mesmo até as forças armadas, mas continuam a dar as cartas em diversas partes do país, subornando autoridades locais e matando, tanto rivais quanto civis inocentes.
Estima-se que o total dos lucros da comercialização de drogas ilícitas tem variado entre 13 e 49 bilhões de dólares anuais.
A corrupção é generalizada, particularmente entre os grupos políticos que dominam o país há muitos anos. Chega a ser considerada um verdadeiro setor da economia, calculando-se que o total das somas envolvidas equivale a 9% do PIB, mais do que o turismo (Le Monde Diplomatique, 4 de junho).
Sendo a impunidade total, causa verdadeira fúria na maioria da população.
O tratado do Nafta, em 1996, de comércio livre entre o México, os EUA e o Canada, trouxe um considerável incremento às exportações mexicanas, com reflexos benéficos na economia do país.
Mas The Donald é uma sombra maligna. Ele ameaça liquidar o NAFTA caso não se mudem os termos do tratado, prejudicando o México. O que já vem pesando negativamente na economia mexicana, reduzindo o índice de crescimento, que chegou a ser negativo em fins de 2017.
O governo atual do presidente Peña Nieto, apesar de anunciar novos planos para derrotar o tráfico, obteve resultados insignificantes. Em 2017, o número de assassinados pelas gangues atingiu 25 mil, o mais alto desde os anos 90, quando se começaram a fazer esses cálculos (BBC News, 27 de maio).
No período da administração Peña Nieto, a corrupção de figuras do setor político chegou ao zênite.
Os escândalos se repetiram. 16 assessores-sênior do presidente e ex-governadores de estados foram alvos de investigações criminais que levaram alguns deles à prisão. Javier Duarte recebeu subornos no valor de 3 bilhões de dólares durante sua administração de Vera Cruz.
Segundo recentes cálculos, as famílias mexicanas gastam em média 14% de seus rendimentos no suborno de funcionários e autoridades públicas.
Mais de 30% das empresas afirmam que pagaram propinas para garantir contratos com os setores da administração; 36,7% tiveram de fazer o mesmo para conseguirem ser ligadas aos serviços de provedores de água.
Em março deste ano, congressistas mexicanos, assustados com as ações da Lava Jato contra a corrupção da Odebrecht no Brasil, votaram uma lei proibindo que funcionários civis de alto nível (inclusive parlamentares e membros das administrações públicas) fossem sujeitos a processos criminais por enriquecimento ilícito.
Até a justiça eleitoral deu um mau passo, quando seu tribunal aprovou a candidatura de Rodriguez Calderón, governador de Nuevo Leon, apesar de 58% das assinaturas necessárias ao registro serem claramente falsificadas.
Justificando-se, um dos juízes pontificou: “as regras especificam um certo número de assinaturas, elas não dizem que devem ser legítimas (El País, 12 de abril)”.
Segundo estimativas, as famílias mexicanas gastam em média 14% dos seus rendimentos no suborno de autoridades e altos funcionários. Mais de 30% das empresas afirmam que têm pagado propinas para garantir contratos com o setor público; 36% para conseguirem ser ligadas aos principais provedores de água.
Os candidatos presidenciais dos dois maiores partidos (PRI e PAN) parecem ser mais do mesmo.
Meade, do populista PRI (Partido Revolucionário Institucional), candidato apoiado por Peña Nieto, é acusado de enriquecimento ilícito e Anaya, do conservador PAN (Partido de Ação Nacional), marcado por grande número de fraudes.
Ambos carregam ainda pesados fardos que obstaculizam sua corrida presidencial.
Além da gestão malvista de seu apoiador, Peña Nieto, Anaya tem contra si o fato de ser um dos chefões do PRI.
Essa facção governou o México durante 71 anos ininterruptos, entre 1929 e 2000, um recorde no continente.
Foi fundado como Partido Nacional Revolucionário, depois Partido da Revolução Mexicana e finalmente Partido Revolucionário Institucional (PRI).
Inicialmente, era um partido de esquerda, integrante da Internacional Socialista.
Nesse tempo, nacionalizou muitas empresas, criou programas sociais e organizações profissionais, fortemente ligadas ao governo.
Aos poucos se afastou das suas origens, aproximando-se de empresas e adotando posturas neoliberais e direitistas. Nos anos 50 já era um partido de centro-direita, embora populista.
Formou-se uma burocracia corrupta que instituiu um sistema de subornos que espalhou a corrupção por todos os setores do país.
Governando aliado a grupos empresariais favorecidos, o PRI garantiu-se no poder através de eleições fraudadas.
Mas a população foi tomando consciência cada vez maior da espoliação que vinha sofrendo e, nas eleições de 2000, revoltou-se contra o PRI, elegendo o conservador Vicente Fox, do PAN. Nas seguintes eleições, em 2006, apesar da desilusão que já se sentia, continuou a dar chance ao PAN e elegeu Felipe Calderón.
O fracasso do PAN na guerra contra as drogas, que fora uma das bases do seu programa eleitoral, a continuação da corrupção, as notórias ligações com homens de negócios e os altíssimos índices de pobreza nas gestões do partido enfraquecem Anaya, seu candidato nas eleições de 1 de julho.
Para suceder a Calderón, os eleitores trouxeram de volta o PRI, com Peña Nieto.
Aparentemente, a maioria absoluta da nação percebeu que foi uma má ideia.
Depois de quatro anos do governo Peña Nieto, seu PRI foi chamado de símbolo da corrupção no México, por 83% dos respondentes, em pesquisa realizada em setembro de 2016.
O Bloomberg considera o PRI um autêntico “zumbi (a dead man walking)”.
Lopez Obrador começou sua carreira política no PRI, mas saiu do partido em 1996, como toda a ala esquerda, que criou o PRD (Partido Revolucionário Democrático).
Eleito prefeito da Cidade do México, em 2002, distinguiu-se por seus programas sociais, inclusive de ajuda financeira a grupos vulneráveis como mães solteiras, idosos e física ou mentalmente prejudicados. Também teve sucesso seu programa de tolerância zero que reduziu sensivelmente as estatísticas de criminalidade na cidade.
Candidatou-se a presidente em 2006, perdendo por 0,56% dos votos. Foi uma eleição provavelmente roubada, pois, na véspera do pleito, Obrador apresentava uma consistente vantagem sobre seu contendor do PAN, Vicente Fox.
Obrador não aceitou o resultado e durante vários meses promoveu campanha para recontagem de votos, que chegou a contar com centenas de milhares de manifestantes na Cidade do México.
Mas o Tribunal Eleitoral negou-se a atendê-lo. Obrador não desistiu.
Recandidatou-se em 2012, sendo novamente derrotado, desta vez pelo PRI.
Na ocasião, foi denunciado que o vencedor distribuiu grande número de prêmios para os eleitores em diversas regiões.
Persistente, Obrador fundou o Morena (Movimento de Regeneração Nacional) e voltou a se candidatar pela terceira vez, agora nas eleições de 1º de julho de 2018.
Desta vez o povo perdera a confiança nos políticos tradicionais, com suas reputações sujas por denúncias de corrupções dos mais variados tipos.
Obrador foi bem aceito especialmente pelo fato de não haver uma única acusação de corrupção contra ele, ao contrário dos seus concorrentes.
Além de considerado incorruptível, ele é aprovado pela sua defesa das causas dos pobres e firmeza na luta contra o crime – provadas inclusive na sua gestão na prefeitura da Cidade do México.
Entre as propostas de sua campanha estão ajuda financeira para estudantes e idosos; acesso universal aos colégios públicos; referendo sobre o fim do monopólio da PEMEX – empresa estatal de petróleo – promovido pelo governo anterior; forte estímulo à agricultura, com o objetivo de elevar a produção aos níveis de 1960, quando o México produzia quase tudo que consumia, até mesmo aparelhos domésticos; enfrentar as causas sociais da violência; elevar os salários; construir mais refinarias; reduzir os salários dos que ocupam cargos políticos e aumentar as despesas em bem estar social.
Para vencer a resistência dos empresários, Obrador tem garantido que no seu governo não haverá “nem confiscos, nem expropriações, nem nacionalizações”.
Embora em parte dessa classe Obrador continue sendo visto como um perigoso populista de esquerda, o Financial Times observa que “ele não é temido como muitos pensam (24 de janeiro)”.
Na verdade, ele representa uma nova esquerda, moderada e objetiva, não guiada por princípios que já se encontram datados.
Daqui a poucas semanas, o México ficará sabendo quem é seu novo presidente.
Os observadores garantem que só um tsunami impedirá Obrador de vencer.
Os números de recente pesquisa falam por si.
Enquanto o candidato do MORENA tem 48% das intenções de votos, Ricardo Anaya do PAN tem 28% e, José Antonio Meade, do PRI apenas 19% (EL Pais, 3 de junho).
Como se vê, Obrador consegue índice superior à soma dos outros dois adversários juntos.
Enquanto isso, as perspectivas na eleição dos novos parlamentares são favoráveis ao MORENA. Embora tenha ganhado apenas 35 dos 500 assentos no parlamento mexicano, algumas pesquisas indicam que o partido de Obrador e os seus aliados devem conquistar a maioria no parlamento.
Obrador eleito deverá contar com amplo apoio do Legislativo para respaldar suas ações.
Uma das mais difíceis será encarar o presidente Trump. The Donald vem insistindo para que o México pague pelo muro da fronteira e aceite modificar o NAFTA, em prejuízo do Estado mexicano.
Espera-se de Obrador firmeza e também maturidade para lidar com o presidente norte-americano.
Infelizmente, estas qualidades faltam ao sucessor de Obama. Até agora, ele justifica a célebre frase do presidente Porfírio Dias, de 100 anos atrás:
“pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”.
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.