Nobel da Paz para Trump: a piada da vez
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- Luiz Eça
- 13/07/2018
Dezoito parlamentares do Partido Republicano, apoiados por colegas noruegueses, indicaram Donald Trump para receber o a Prêmio Nobel da Paz. Eles deviam estar de fogo.
Alguém consciente (ainda que republicano), jamais poderia ter uma ideia tão absurda.
Se existisse Nobel da guerra, aí, sim Trump seria perfeito. Em um ano e meio de mandato, The Donald já deixou claro ser a favor de soluções de força, em vez de diplomáticas. Além de ter mostrado que dá pouco ou nenhum respeito aos direitos humanos.
Os republicanos dizem na formalização da sua indicação que ele merece o Nobel da Paz pela sua “contribuição para o fim da Guerra da Coreia, a desnuclearização dessa península e para a paz na região”.
Tal justificação é muito discutível. Em março de 2017, quando Trump e Kim, como valentões de botequim, já vinham trocando ameaça e insultos, a China propôs que “Pionguiangue declarasse moratória nos testes nucleares e balísticos. Como contrapartida, os EUA e a Coreia do Sul interromperiam seus jogos militares de larga escala, seguindo-se o início das negociações (The Diplomat, 21-7-2017)”.
Trump rejeitou. Tal ideia colocaria os dois países no mesmo nível, inaceitável para o orgulho norte-americano. A nação líder na democracia, na economia e no poder militar não poderia se colocar na mesma altura dos insignificantes norte-coreanos.
Mais de um ano depois, no chamado “histórico encontro” dos dois líderes, o comunicado final adotava, exatamente, a antes desprezada proposta chinesa...
Apesar das promessas norte-coreanas, o “fim da guerra da Coreia, a desnuclearização da província e a paz na região”, ainda estão sendo discutidos.
A verdade é que, com a irresponsável avalanche de ameaças tenebrosas, os dois estadistas fizeram o mundo tremer de medo de uma guerra nuclear, especialmente quando ambos falaram em destruir os respectivos países.
Premiar Trump pela sua participação nesse lamentável episódio seria esquecer que ele, muitas vezes apostrofou a diplomacia como superada já que, lançando o assustador “todas as soluções estão na mesa”, deixou claro que a guerra seria um caminho possível.
Em relação à Venezuela, ele está sendo mais explícito. Assessores do presidente contaram à Associated Press que, a partir do ano passado, em jantares e reuniões, inclusive com o presidente Santos, da Colômbia, The Donald insistiu na ideia de invadir o país de Bolívar.
Numa ocasião chegou a dizer: “nós temos muitas opções para a Venezuela, incluindo uma possível opção militar, se necessário”.
Receando oposição e, pior, irritação na América Latina, o secretário de Estado, Ralph Tillerson, e o principal conselheiro em Segurança, McMaster, foram contra.
E tiveram um trabalhão para conter a fúria presidencial. Essas posturas de The Donald nada têm de próprias de um defensor da paz.
Como também os dois lançamentos de mísseis contra territórios em mãos de Assad, sem esperar que se provasse a culpa do governo de Damasco nos ataques a gás em áreas rebeldes.
Registre-se como muito grave a responsabilidade de Trump no exagerado número de civis sírios mortos em bombardeios estadunidenses.
Foi a consequência da eliminação de normas dos códigos militares norte-americanos, criadas pelo governo Obama para minimizar o número de vítimas inocentes.
De acordo com grupos de direitos humanos baseados no Reino Unido, devido a essas alterações mais civis morreram nos primeiros sete meses do governo
Trump do que nos três anos de Obama.
Graças a esse desinteresse por questões humanitárias The Donald não tem escrúpulos em colaborar com os bombardeios do Iêmen pelos sauditas, que criaram a maior catástrofe humanitária do século, deixando 22 milhões iemenitas dependendo dos alimentos de entidades internacionais para não morrerem de fome. Além de terem detonado uma epidemia de cólera – que já infectou um milhão de pessoas – e um surto de diarreia aguda, que se expande sem cessar.
Pondo mais lenha nesse incêndio, o governo Trump fechou com a Arábia Saudita um contrato para fornecimento de 100 bilhões de dólares em armas.
A mesma indiferença pela vida dos iemenitas, Trump demonstra pelos detentos de Guantánamo.
Obama fez tudo para fechar a prisão, mas a oposição republicana no Congresso impediu.
O presidente democrata tinha bons motivos para sua pretensão. O “Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos” pediu o fechamento da prisão por considerá-la uma violação das leis internacionais. Relatórios da Cruz Vermelha e do FBI, em 2007, reportaram torturas e abusos impostos aos presos.
Investigação do The Guardian (25 de agosto de 2017) revelou que, nos primeiros anos da Guerra Afegã, era duvidoso que a maioria dos elementos internados em Guantánamo fossem mesmo terroristas.
O fato é que, muitos detentos foram liberados depois de passarem até 10 anos na prisão, punidos por crimes para os quais não havia provas, segundo seus julgamentos.
Obama condenou firmemente Guantánamo: “a América não deve comprometer seus ideais básicos como objetivo de manter um nível adequado de segurança”.
Mas, o máximo que ele conseguiu fazer foi forçar julgamentos rápidos para libertação de cerca de 200 indivíduos considerados sem culpas.
Não deu tempo para o ex-presidente resolver a situação de outros 51 prisioneiros.
Do que depender de Trump, eles não vão sair mais.
Já no seu primeiro dia do mandato, ordenou que Guantánamo fosse reativado e se parasse com as libertações.
Choveram os protestos de organizações de direitos humanos dos EUA e do exterior.
O mesmo aconteceu quando o morador da Casa Branca retirou os EUA do Conselho de Direitos Humanos da ONU e de acordos internacionais, como o Acordo de Paris e o Acordo Nuclear com o Irã.
Na retirada do Conselho da ONU, colocou a defesa dos discutíveis interesses de Israel, acima da defesa dos direitos humanos que se esperava dos EUA, na comunidade internacional.
Nesse episódio, foi ridículo alegar que os EUA saíam porque Israel estava sendo “perseguido”, alvo da maioria das condenações e recomendações do Conselho.
Todo mundo sabe que Israel merece. Assentamentos ilegais, dois devastadores ataques a Gaza, demolição de residências de milhares de palestinos, bloqueio do estreito de Gaza, confisco de terras palestinas... O governo de Telavive dá motivos de sobra para ser criticado publicamente.
No segundo caso, a decisão do presidente, chocante para seus aliados da Europa, vai contribuir para que o aquecimento global cresça, colocando o mundo numa situação mais perigosa nas próximas décadas.
Já ao sair do Acordo Nuclear com o Irã, o presidente republicano pode deixar o Oriente Médio (e talvez o planeta inteiro) à beira de uma guerra.
Caso as sanções impostas por The Donald impeçam investimentos internacionais no Irã, o país pode entrar numa séria crise econômica.
E Teerã não terá porque manter fechado seu programa nuclear. E pior, desta vez ele seria, provavelmente, retomado com fins militares. Como defesa diante das constantes ameaças proferidas por The Donald.
Por sua vez, Netanyahu jamais permitiria que seu grande inimigo tivesse uma única bomba atômica. Bombardeios israelenses das instalações nucleares iranianas seriam inevitáveis, com apoio dos EUA.
É fácil supor que a reação de Teerã não se limitaria a protestos. No começo do seu mandato, Trump ainda vacilava em mostrar ao que ele tinha vindo.
Deixou tudo claro quando demitiu os conciliadores Tillerson, secretário de Estado, e McMaster, conselheiro especial em segurança nacional.
No lugar deles, nomeou, respectivamente, Mike Pompeo e John Bolton, dois falcões dos mais ferozes.
Pompeo chegou a chamar de patriotas os membros da CIA que torturavam prisioneiros, conforme inquérito do Senado. E Bolton, no auge da crise coreana, afirmou: “o jeito de eliminar o problema nuclear norte-coreano é eliminar a Coreia do Norte”.
Trocar conciliadores por notórios belicistas, ainda mais em cargos-chave, só pode significar uma disposição de usar ameaças de guerra e até a guerra, como recursos para vencer adversários externos.
Como se vê, Donald Trump não é propriamente um defensor radical da paz entre as nações.
Quanto aos direitos humanos, o detentor de um prêmio Nobel da Paz só pode os considerar inquestionáveis.
Trump está longe de atender a essa expectativa. Recentemente seu desrespeito aos direitos foi longe demais.
Referimos à separação dos filhos dos pais, imigrantes ilegais, promovida pelo chefe do governo.
Não houve quem não ficasse horrorizado com essa desumana ordem dele. Até mesmo sua esposa, a doce Melania, e outras três ex-primeiras damas: as senhoras Clinton, Obama e Bush (pai).
The Donald acabou levantando a proibição. Mas não por levar em conta os sofrimentos dos meninos e dos seus pais.
“Crianças chorando não me parece boa política”, explicou o presidente de forma pragmática (CNN, 21 de junho). Mais do que isso: demagógica, intelectualmente desonesta.
Como disse o escritor Albert Camus: “um homem sem ética é como uma besta selvagem solta no mundo”.
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.