Correio da Cidadania

A guerra não acabou na Colômbia

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A guerra civil devastou a Colômbia durante 52 anos, causando a morte de 280 mil civis, o deslocamento de 7 milhões de pessoas e seis milhões de hectares tomados à força ou por abandono e outros meios em geral ilegais.

Em 2016, um acordo de paz foi assinado entre o governo colombiano e os líderes das FARCs, mas as violências continuaram. As baixas agora, não de soldados e guerrilheiros, mas de líderes comunitários, ativistas, defensores de direitos humanos e líderes sindicais. Eles são alvo dos bandos de paramilitares e pistoleiros pagos por latifundiários, que os consideram esquerdistas e amigos dos guerrilheiros.

Os ativistas vivem em constante terror. A qualquer momento podem ser atacados e executados.

O ombudsman dos direitos da população, Carlos Alberto Negret, informou que no período de 2016 (fim da guerrilha) até meados de junho de 2018, um defensor de direitos humanos foi morto a cada três dias (The Guardian, 15-8-2018).

Em 2017, primeiro ano completo depois do acordo de paz, 121 desses ativistas foram executados, o dobro do ano anterior.

Os grupos de direitos humanos têm documentados 609 assassinatos, entre janeiro de 2002 e setembro de 2017.

Ivan Duque, o presidente eleito em 7 de agosto, prometeu redobrar esforços para proteger os líderes sociais ameaçados.

Duro de acreditar, pois Duque é fortemente influenciado pelo líder populista de direita Álvaro Uribe, cujo apoio lhe garantiu a vitória nas urnas.

Desde os anos 90, quando governou o estado de Antioquia, Uribe é acusado de apoiar grupos de paramilitares, autores de extermínios e estupros generalizados.

Os paramilitares colombianos formavam grupos armados ilegais, criados pelo exército para combater guerrilheiros e militantes de esquerda com mais flexibilidade, sob o nome de autodefesas Unidas da Colômbia (AUC). Por serem uma força irregular, não estavam sujeitos a regulamentos, nem ao controle das autoridades.

Chefes militares foram acusados de delegar aos paramilitares da AUC a tarefa de liquidar camponeses, líderes de sindicatos e suspeitos de apoiarem os movimentos rebeldes.

Eram protegidos por elementos graduados do exército e da política. Diz o padre Javier Giraldo em “A Democracia Genocida” que pelo menos 40% do legislativo colombiano chegara a ter laços com a AUC.

Algum tempo depois da fundação do seu movimento, os paramilitares passaram também a atacar camponeses para lhes tomar suas terras, em benefício próprio ou de latifundiários, que os haviam contratado.

Tendo as costas quentes, praticavam atrocidades - torturando, matando, saqueando e estuprando à vontade. Normalmente, não se preocupavam em apurar a possível cumplicidade das vítimas com a guerrilha.

Nos conflitos pela terra, de 70% a 80% das vítimas foram mortas por esses grupos.

Testemunhas revelaram que o então governador Álvaro Uribe e seu irmão, Santiago, estiveram envolvidos com os paramilitares.

Álvaro teria mesmo apoiado ações dessa gente no estado de Antioquia, que governava. Como os membros do grupo CONVIVIR. Credenciados pelo governo federal para prestar serviços de segurança, eles nem sempre se distinguiam pelo bom comportamento.

Em 1998, o Human Rights Watch denunciou que recebera “informações credíveis de que os grupos CONVIVIR do Médio Magdalena e das regiões do sul de Cesar eram dirigidos por paramilitares conhecidos e ameaçaram assassinar colombianos que consideravam simpatizantes da guerrilha ou rejeitavam a adesão aos grupos cooperativos”.

Entre as relações perigosas de Álvaro Uribe estaria o cartel de Medellín, conforme o Le Monde Diplomatique (agosto de 2018), chefiado pelo notório Pablo Escobar. Uribe foi também presidente da Colômbia.

Na sua gestão (2002-2010), aconteceu o escândalo dos chamados “Falsos Positivos”. Empenhado em combater as FARCs, o governo quis estimular o ânimo guerreiro dos soldados, oferecendo prêmios para cada guerrilheiro morto.

Muitos militares acharam mais cômodo assassinar civis inocentes, vestindo seus corpos com uniformes da guerrilha e os apresentando como inimigos mortos em combate. E, assim, esses gloriosos patriotas se habilitavam a ganhar aumentos, promoções, dinheiro e outras mordomias.

Investigação revelou que, até 2012, houve quase três mil vítimas dessa sinistra velhacaria. Somente em 2007, um em cada cinco colombianos, contabilizados como baixas da guerrilha, eram, na verdade, “falsos positivos”.

Depois de algum tempo massacrando pessoas, as AUCs decidiram entrar no ramo dos tóxicos. E se deram bem como traficantes. A certas alturas, detinham 40% dos negócios de exportação de cocaína e drogas similares. Talvez tenha sido uma má ideia.

Decididos a golpear o tráfico nas Américas, os EUA uniram-se à opinião pública, à Justiça e aos parlamentares colombianos de esquerda e centro, numa cruzada contra as gangues de traficantes.

Os paramilitares, cujas estripulias sangrentas estavam horrorizando o povo, foram o alvo principal. Em, 2002, criou-se uma lei especial para dar um jeito neles.

Funcionou, a principal organização paramilitar, a AUC, foi obrigada a fechar suas portas. Seus milicianos envolvidos nos piores crimes foram presos. Aos demais, ofereceu-se a reintegração na sociedade e o perdão desde que entregassem suas armas e confessassem suas ações criminosas.

Dos cerca de 31 mil paramilitares existentes, 20 mil aceitaram a desmobilização, enquanto mil foram condenados à prisão, extraditados para os EUA ou simplesmente sumiram.

Os 10 mil restantes formaram novas gangues ou se associaram às que estavam em ação. E logo voltaram a praticar suas malasartes.

Na cidade de Buenaventura, por exemplo, a Human Rights Watch (maio, 2014) descobriu que: “Vizinhanças inteiras foram dominadas por poderosos grupos sucessores dos paramilitares, que restringiram os movimentos dos moradores, recrutam seus meninos, cobram “proteção” aos  negociantes e rotineiramente se engajam em horríveis atos de violência contra quem se opõe à sua vontade”.

Em outras regiões, diversos grupos de paramilitares continuam matando. Os ativistas, suas vítimas de hoje, protestam.

“A FARC pode ter deixado o campo de batalha, mas outros grupos entraram no seu lugar “, diz Edwin Capaz, coordenador de direitos humanos da Associação dos Conselhos Indígenas do Norte de Cauca. “É a mesma gente que praticou massacres anos atrás. O único crime que nós praticamos foi defender nossa terra e nossos direitos”.

Outro ativista, Hector Marino, completou: “nós fomos alvos militares nos conflitos e ainda somos nos dias de hoje”.

No ano passado, os fantasmas do passado de Uribe, dos tempos em que governou Antioquia, renasceram.

Procuradores o acusaram de ajudar a planejar os massacres promovidos por paramilitares nas cidades de La Granja (1996), San Roque (1996) e El Aro (1997), e o assassinato de Jesus Maria Valle (1998), um advogado e defensor de direitos humanos, que trabalhava em favor de ativistas locais.

Não há chances de Uribe ser condenado. É o líder colombiano com maior prestígio popular. Seu partido e aliados são poderosos no Congresso. Tudo indica que seu impeachment jamais será decretado, mesmo se houver provas consistentes de suas culpas.

Ainda que o presidente Duque queira, na realidade, acabar com a guerra contra os líderes sociais e prender aqueles que os tem assassinado, não vejo seu mentor, Uribe, entusiasmado em favorecer esse eventual desejo.

Afinal, os ativistas de direitos humanos e líderes comunitários muitas vezes o atacaram, sob acusações de compromissos ou tolerância com os paramilitares.

Leia também:

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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