Correio da Cidadania

Depois de 40 anos de neoliberalismo, o Labour propõe renacionalizações

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No Reino Unido, depois da 2ª Grande Guerra, o governo trabalhista de Clement Attle iniciou um processo de ampla socialização. Foram passadas para o Estado as empresas inglesas de automóveis, energia, petróleo, aviação comercial, aço, carvão e os serviços de água, telefone, gás, transporte urbano, telecomunicações, eletricidade, transporte ferroviário e saúde pública.

Era o Estado do Bem Estar a todo vapor. Dizia-se que, sem o estigma do lucro, as empresas teriam mais recursos para produzir melhor e mais barato, em benefício da população e do país como um todo.

Mas não deu certo. O Estado Britânico podia ser um patrão altruísta, mas provou ser incompetente. O que acabou custando muito caro para os ingleses.
E assim o Reino Unido entrou em crise.

O Partido Conservador aproveitou bem o descontentamento geral. Ganhou o poder, propondo reprivatizar a economia, com a substituição do socialismo trabalhista pelo neoliberalismo.

Nos anos 80, especialmente no governo Thatcher, todas as socializações dos trabalhistas foram revertidas, a não ser na área da saúde. Mesmo desprezado pela dama de ferro e seus sucessores, o Serviço Nacional de Saúde teve sempre um desempenho tão brilhante que se tornou referência em todo o mundo.

Mesmo diante da crise do sistema capitalista no período 2007-2008, o neoliberalismo continuou surfando no Reino Unido, respeitado inclusive pelos governos trabalhistas de Tony Blair e Gordon Brown.

Nem o Labour, nem os partidos europeus de centro-esquerda ousaram contestar a propriedade privada dos meios de produção.
 
Até no mês passado. Ao contrário do Brasil, onde convenções nacionais só existem para o lançamento de candidatos (já previamente escolhidos pelas direções partidárias), no Reino Unido os membros dos partidos debatem os grandes problemas nacionais. E as soluções são aprovadas democraticamente, no voto.

Na Conferência Anual Trabalhista, John McDonnell, importante figura do partido, apresentou as ideia básicas do novo programa do Labour.

Talvez a principal consista na volta do trabalhismo socialista, com a renacionalização de certos setores privatizados pelos conservadores. Desta vez, a premissa é diferente.

O novo socialismo trabalhista não se fundamenta no tradicional princípio da socialização como panaceia para a promoção do bem estar de todos. Agora, a eficiência vem em primeiro lugar.

Com o Labour chegando ao governo, serão socializadas apenas empresas das áreas essenciais à vida diária, onde o fracasso da iniciativa privada foi flagrante.
Coerente com sua nova ideologia, o Labour promete ressocializar as empresas de serviços públicos, cuja desastrosa performance têm sido alvo de severas reclamações do povo inglês.

Pesquisa YouGov, realizada em fins de maio de 2017, comprovou esse quadro. Perguntados qual tipo de empresa preferiam na administração de diversas áreas, os respondentes optaram pelas estatais, conforme os resultados abaixo: Água 59% x  25%; Energia 52% x 25%; Correios 65% x 21%; Ferrovias 60% x 25%; Educação 81% x 6%; Transporte Urbano 50% x 35%.

Os ingleses mostraram-se satisfeitos com apenas alguns setores que tinham sido privatizados pelos conservadores: aviação comercial - 65% x 14% e telefones -53% x 30%.

Esses números mostram o fracasso das empresas privadas inglesas como prestadoras de serviços públicos.

McDonnell informou que o primeiro setor é ser renacionalizado será o serviço de água.

Ele comentou a respeito da baixa imagem das empresas privadas de água na pesquisa YouGov: “não foi surpresa. Veja só o escândalo do serviço de água. Contas que cresceram 40%, de modo geral, desde a privatização; 18 bilhões de libras pagas em dividendos. Companhias de águas receberam mais em reduções fiscais do que pagaram de imposto. Diariamente, a água suficiente para atender às necessidades de água de 20 milhões de pessoas é perdida devido a vazamentos”.

Na renacionalização dos serviços públicos, todos os atuais empregados serão aproveitados nas mesmas funções que ora ocupam.

Quanto aos diretores, alguns serão substituídos, outros mantidos, porém, com alta redução nos seus salários: o máximo permitido será de 20 vezes o salário-mínimo (BBC, 24 de agosto).

Na apresentação das novas proposições do Labour, McDonell provocou outra grande surpresa: as empresas com mais de 250 trabalhadores terão de colocar anualmente, 1% de suas ações em um “fundo de propriedade inclusiva”, até se chegar a um máximo de 10%.

O valor das ações à disposição de cada trabalhador será fixado em 500 libras, sendo o excedente reinvestido nas empresas de serviços públicos. Os dividendos serão pagos a todos os funcionários de acordo com uma taxa fixa.

Os dirigentes do Partido Trabalhista calculam que 40% dos trabalhadores em empresas privadas, cerca de 10,7 milhões – serão beneficiados inicialmente pelo novo sistema.

A distribuição de ações proposta virá a reduzir a grande concentração de renda existente no Reino Unido, aumentando os rendimentos e a segurança da força de trabalho.

É intenção do Labour evitar os erros da socialização da década depois da 2ª. Grande Guerra. O partido deve promover uma consulta entre economistas e especialistas em administração para criar um modelo democrático de empresas de serviços públicos.

Nesse sentido, planeja-se colocar essas firmas sob a autoridade de conselhos locais, de trabalhadores e consumidores. Diz McDonnell: “Mas, vamos ser claros, a nacionalização não significará um retorno ao passado. Não queremos trocar um administrador remoto por outro (administrador remoto)”.

Críticas choveram da parte de empresários, economistas e partidos de direita.
Considerou-se, de um modo geral, que as novas medidas paralisariam a economia, sendo marcadas por ultrarradicalismo e completo desconhecimento da realidade empresarial.

Na verdade, não estamos diante de um mergulho no escuro, de uma experiência audaciosa, que pode por em risco a estabilidade socioeconômica britânica.

Em editorial, o The Guardian (24 de setembro) ponderou: “muitas destas políticas são norma em outras economias ocidentais avançadas. E as empresas não podem reclamar que o dinheiro (dos dividendos pagos aos funcionários) poderia ser usado em investimentos, quando as médias de investimento (no Reino Unido) são baixas apesar dos grandes cortes nos impostos das corporações”.

Ao avaliar as novidades expostas por McDonnell, o The Guardian foi incisivo: “no entanto, o partido dele (o Labour) deveria ser elogiado por pensar agressivamente sobre como impedir que uma minoria controle e acumule riquezas num nível tão alto”.

É melhor que os empresários se acostumem à ideia de que os novos tempos do Labour poderão estar chegando. É grande a chance de o partido assumir o poder até o fim do ano.

Com o voto dos seus parlamentares e dos conservadores contrários ao Brexit defendido pelo primeiro-ministro Teresa May, a proposta de acordo com a União Europeia poderá ser derrubada na Câmara dos Comuns.

Brexit sem acordo parece inaceitável para a maioria da opinião pública. Enfraquecida pelo fracasso, Teresa May, provavelmente, terá de renunciar.

Nesse caso, o Labour irá pressionar por novas eleições parlamentares, que deverão contar com apoio expressivo da população.

Na última pesquisa, o Partido Trabalhista superava os conservadores por uma diferença de 4%.

As chances de o Labour vencer seriam muito grandes. Jeremy Corbyn costuma cumprir o que propõe.

Mas, não é de se crer que os empresários ingleses tenham muito a temer do “socialismo do futuro”.

Como diz o The Guardian: “o plano do sr. McDonnell é capitalista, embora, não como o que nós conhecemos”.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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