Quem ganhou as eleições nos EUA?
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- Luiz Eça
- 26/11/2018
“Foi uma vitória incrível”, Trump trombeteou. Como sempre, não se deve levar a sério o que ele diz.
Avaliando friamente, foram os democratas que venceram. É certo que o Senado continuou nas mãos republicanas, que também saíram com mais governadores.
Vantagens que, aliás, eles já detinham antes do pleito. Mas são apenas parte da história. Há outros fatos a considerar.
Os democratas conseguiram 7% a mais na votação popular. Índice bem superior aos 2% de vantagem de Hillary Clinton sobre The Donald, na disputa presidencial de 2016.
Foi uma diferença significativa. Se as eleições presidenciais se realizassem agora, o candidato do Partido Democrata estaria, provavelmente, arrumando as malas para se mudar à Casa Branca.
Nos três estados que decidiram a última eleição para presidente em favor de Trump – Michigan, Pensilvânia e Ohio – foi o partido adversário que ganhou.
Antes das eleições, o Partido Republicano tinha ampla vantagem nos governos estaduais: 32 x 16.
Na votação de 6 de novembro, os democratas reduziram essa diferença de maneira maiúscula: caiu de 16 governadores a mais para apenas três. Agora, o placar é 26 x 23, sendo que ainda pode diminuir, pois está havendo recontagem de votos na Florida, onde a diferença entre os dois primeiros foi mínima, menos de 0,5%.
Quanto ao Senado, seria muito difícil para os democratas recuperarem a maioria.
Das 100 cadeiras, 33 foram submetidas à votação; 25 cadeiras eram de oposicionistas (23 democratas e dois independentes, que votam sempre juntos). De outro lado, apenas 8 ocupadas por republicanos seriam postas em jogo.
Portanto, enquanto o Partido Democrata poderia perder até 25 cadeiras nesta eleição, os republicanos só estavam ameaçados em 7.
Apesar dessa desproporção, o partido de Franklin Roosevelt perdeu apenas duas cadeiras, tendo ganhado sete dos rivais. E ainda pode eleger o senador pela Florida, pois ali os votos estão sendo recontados.
Valeram muito as vitórias da oposição em estados onde os partidários do presidente ganharam em 2016, a saber: Pensilvânia, Michigan, Minnesota, Ohio e Wyoming.
No Texas, que o partido do governo atual domina há décadas, o senador republicano Ted Cruz, eleito no pleito anterior por uma margem de 15%, desta vez quase perdeu para o democrata Beto O’Rourke, que chegou somente 2% atrás dele.
Estando os democratas em forte crescimento no “estado da estrela solitária”, não será surpresa se o seu candidato a presidente nas próximas eleições, em 2020, acabe superando The Donald ou outro candidato do GOP (Great Old Party, apelido do Partido Republicano).
O Texas tem o maior número de votos eleitorais no país, por isso mesmo tem sido fundamental para os candidatos republicanos.
Um dos principais fatores nas derrotas eleitorais democratas em certos estados foram as chamadas supressions (supressões), normas locais que reduzem o número dos possíveis eleitores.
Nesta eleição, elas beneficiaram o Partido Republicano, que possuíam o maior número de governos estaduais, a quem compete editar as supressions vigentes nos seus territórios.
Na Dacota do Norte, por exemplo, exigia-se que o eleitor provasse seu endereço residencial. Milhares de índios foram barrados, já que eles não têm endereços, vivem em reservas, onde não há nem rua, nem números de casas. Os moradores recebem cartas através de caixas postais.
Provavelmente foi por isso que Heidi Heitkamp, a candidata democrata, perdeu. Grande parte dos seus adeptos é composta por esses primitivos habitantes da América.
Na Georgia, Brian Kemp, o candidato republicano, era o secretário de estado desde 2010. Nessa qualidade, ele expurgou da lista de eleitores todos aqueles que supostamente haviam morrido ou mudado para outro estado ou país.
Até 2016, um milhão e quinhentos mil cidadãos foram riscados. Muito estranho, pois no quadriênio anterior, sem Brian Kemp na sua secretaria atual, o número dos cidadãos excluídos das eleições não passou da metade.
De acordo com advogados da Georgia, o expurgo atingiu especialmente cidadãos das classes pobres, das minorias, como negros, hispânicos e LGBT- que tendem a votar nos democratas, ainda mais nesta eleição, onde a candidata do partido, Stacey Abrams, é negra, militante de direitos civis e defensora dos imigrantes.
Ela perdeu muitos votos por conta dos cidadãos que, conforme estipulou o secretário Kemp, teriam mudado para outro estado.
Experts asseguram que, dos 687 mil expurgados, 341.143 continuam morando na Georgia (reportagem investigativa de Greg Palast, publicada no Atlanta Journal-Constitution).
A maioria deles é gente pobre, eleitores prováveis da candidata democrata.
Estas transgressões foram levadas à justiça eleitoral, que também está processando a recontagem de votos, devido à escassa vantagem de Brian Kemp.
Nas eleições da Casa dos Representantes (Câmara Federal), os democratas ganharam o controle por uma ampla margem, apesar de uma brecha legal, aproveitada em muitos estados governados pelos republicanos, a chamada gerrymandering (manipulação).
Nos EUA, as eleições são distritais. Tendo ganhado a maioria dos legislativos estaduais, em 2016, o pessoal do GOP dimensionou boa parte dos distritos de vários estados, de modo a favorecer seus candidatos.
Como haverá uma redistribuição dos limites dos distritos nas eleições de 2020, os democratas tendem a aumentar o número dos seus representantes tanto nos legislativos federais quanto nos estaduais.
Sabe-se também que novas leis e medidas vão ser efetivadas, expandindo o número de eleitores aptos.
Citamos a Florida, onde passará a ser admitido que ex-presidiários tenham direito a votar (atualmente é proibido). Serão um milhão e quinhentos mil pessoas que, segundo revisões, tenderão a escolher candidatos democratas nas próximas eleições, gente com visão, em geral, liberal.
Os conservadores republicanos não costumam ter muita simpatia por aqueles que passaram uns tempos atrás das grades.
Já a partir do próximo janeiro, tempestades (até mesmo ciclones) devem ameaçar a navegação de Donald Trump nos próximos dois anos do seu mandato.
Com a Casa dos Representantes dominada pelos democratas, é possível se contar com o naufrágio de projetos de Trump que desagradem ao partido rival.
A maioria obtida dá aos democratas o direito de nomear os presidentes das comissões da casa.
Naquela incumbida de supervisionar Trump e seu governo, eles prometem exigir que The Donald revele suas declarações fiscais.
Sempre que solicitado a isso, o presidente recusou terminantemente. Há de ter suas razões.
Agora, ela será obrigado. Estão programadas investigações sobre escândalos de corrupção de figuras importantes do governo Trump, como o secretário do Interior, Ryan Zinke, e o secretário do Comércio, Wilbur Ross.
Espera-se que os representantes do partido de Obama procurem impedir que Trump atrapalhe o trabalho do conselheiro especial Robert Mueller na investigação da interferência da Rússia nas eleições de 2016, com a possível cumplicidade do presidente e de alguns familiares.
Os representantes Smith e Engel, que deverão presidir as comissões referentes à política internacional, enviaram carta a The Donald, condenando a saída norte-americana do Tratado Internacional para Redução das Forças Nucleares de Alcance-Médio e do Tratado de Redução das Armas Estratégicas.
Não vão deixar essa decisão da Casa Branca passar batida. Os dois também assinaram uma medida para acabar com o envolvimento dos EUA na Guerra do Iêmen. Caso não seja aprovada nesta legislatura, estão tranquilos, será aprovada na próxima, quando seu partido terá maioria.
Engel, próximo presidente da Comissão de Assuntos do Exterior, afirmou que, sem perda de tempo, analisará o modo com que a Casa Branca está conduzindo a política externa dos EUA, convocando os principais responsáveis por ela a audiências na Casa dos Representantes (Washington Post, 7 de novembro).
The Donald e amigos próximos podem já ir se preparando para encarar um interrogatório pouco ameno.
A representante Maxine Waters pinta como outra pedra no sapato do presidente. Promete interpelá-lo para exibir seus registros financeiros e documentos relacionados.
Ela vem sendo uma dura crítica de Trump, que já tuitou chamando-a de “pessoa de baixo QI (The Hill, 8 de novembro)”.
Sua posição de presidente da Comissão de Serviços Financeiros lhe dará autoridade para promover investigações nas transações bancárias de The Donald.
Maxine pretende também intimar o Departamento do Tesouro e o Deustche Bank a apresentarem documentos relativos a essas transações.
Por sinal, o Deustche Bank, uma das poucas empresas financeiras que faz negócios com The Donald, está sendo submetido a rigoroso escrutínio pelos reguladores norte-americanos e europeus, por suspeita de lavagem de dinheiro.
Pela prática desse mesmo tipo de ilegalidade, o banco já foi multado em 630 milhões de dólares pelo Departamento de Justiça dos EUA, em dezembro passado. Suas relações com o morador da Casa Branca não cheiram propriamente a Chanel número 2 e podem criar sérios problemas a The Donald.
Pelas leis, todos os presidentes das comissões dos legislativos têm poderes legais de exigir não só documentos, como também a presença de qualquer pessoa, para depor em audiências públicas.
Não se trata de um fato muito apreciado pelo presidente e seu cercle intime. Todos esses casos deverão fazer The Donald passar muitas noites em claro.
Há outros temas com igual potencial de desgaste, a serem agitados por representantes democratas, os quais vêm afiando suas garras para os embates a partir de 2019.
Parafraseando, o ex-procurador geral Rodrigo Janot, enquanto houver bala, eles vão atirar.
Além do grande aborrecimento que causarão ao governo Trump, a fúria democrata pode influenciar de modo bastante negativo a viabilidade da reeleição com que o presidente sonha.
Claro, ele não vai assistir esses ataques de braços cruzados. Caso as coisas deem errado para seu governo, o presidente certamente culpará a oposição democrata, por rejeitar seus projetos, prejudicando a administração, e ainda obrigando-o a gastar seu precioso tempo na defesa de acusações contra sua honra.
Que o povo estadunidense acredite... Se quiser.
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.