Palestinos forçados a demolirem suas próprias casas
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- Luiz Eça
- 26/01/2019
Demolir sua própria casa seria absolutamente desumano. No entanto, é uma prática que muitos palestinos têm sido obrigados a adotar nos últimos anos.
Israel é indiretamente responsável. Quando um palestino recebe um aviso de demolição das autoridades israelenses, ele pode ser forçado a fazer ele mesmo esse serviço. Fica mais barato do que pagar a pesada taxa que as autoridades cobram pelo trabalho dos bulldozers.
As demolições são frequentemente impostas por Israel aos palestinos. Em geral, porque as casas não atendem aos complexos regulamentos emitidos pelo exército na Cisjordânia sob ocupação militar.
O governo também pode determinar demolições, anexando áreas onde se situam casas palestinas para construir o muro que isola a Cisjordânia ou para criar, expandir e mesmo beneficiar assentamentos judaicos.
Extremamente graves são as demolições das casas das famílias de terroristas. Tanto a ONU, quanto as ONGs de direitos humanos criticam severamente esta prática. Aqui ocorre uma “punição coletiva”: violação das leis internacional que as condena (art.50, regulamentações de Haia, 1907).
De fato, é desumano punir pessoas inocentes pelo que outras fizeram.
Mas, Israel não está nem aí.
Richard Falk, ex-observador da ONU na Palestina, sustenta que: “…inevitavelmente se leva à conclusão de que Israel está implementando uma política deliberada de forçar os palestinos a deixarem suas casas ou terras, visando estabelecer mais assentamentos e proceder à anexação de fato da Cisjordânia, se não totalmente, pelo menos de parte substancial (Diaktonia, 10-11-2013).”
Uma manobra israelense para alcançar esse objetivo é tornar um elevado número de casas palestinas passíveis de demolição, através da exigência de permissões para construção ou ampliação.
O que é raramente concedido a palestinos. Está em relatório da ONU: entre 2010 e 2014, Israel atendeu apenas 1,5% das solicitações (Middle Easts Eye, 14-3-2018).”
A maioria dos palestinos nem tenta pedir porque a maioria deles não tem condições de pagar as taxas cobradas. Eram 43.600 dólares em Jerusalém Oriental no período citado acima (não há notícias de que os preços atuais baixaram). Como os palestinos poderiam pagar tudo isso? Nada menos do que 80% da população vive abaixo da linha da pobreza.
Diante desta realidade, milhares acabam fazendo suas construções sem seguir os regulamentos oficiais (VICE, 15-4-2014).
Assim, em 2011, estavam nessa condição, pelo menos 32% das casas de palestinos, segundo relatório da Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU.
Em Jerusalém Oriental, qualquer dos 93.100 residentes palestinos sem permissão poderia ter sua casa demolida e ele e sua família ficarem sem teto (Al Monitor, 2-9-2013).
Além é claro, das autoridades lhes cobrarem mais uma pesada quantia pela demolição.
Atualmente, cerca de 500 mil beduínos estão ameaçados de perderem suas habitações, pois suas aldeias estão em vias de serem destruídas manu militari.
Os beduínos das aldeias de Abu Qureinat, Wadi al-Marshash, Wadi al-Na´ham, Abu Tatul e Sowawqeen ergueram seus primitivos lares sem permissão oficial.
Atualmente, estão sujeitos às ações implacáveis da Autoridade para Solução dos Assentamentos Beduínos no Deserto de Negev (Middle East Eye, 11-12-2018). Essa entidade planeja a destruição das aldeias beduínas, com a expulsão dos seus habitantes, abrindo espaço a assentamentos judaicos ou acampamentos das tropas de ocupação. Prática, por sinal, completamente ilegal.
O artigo 53 da Quarta Convenção de Genebra dispõe que: “Qualquer destruição pelo Poder Ocupante de uma propriedade real ou pessoal, pertencente individual ou coletivamente a pessoas privadas… É proibida, exceto quando tal destruição é absolutamente necessária a operações militares”.
Israel se defende com uma argumentação, digamos, um tanto farisaica: os termos da Convenção não seriam aplicáveis a territórios palestinos, pois não constituem parte de um Estado...
É difícil quantificar os números relativos a demolições de casas palestinas, pois muitos casos deixam de ser comunicados. No entanto, relatório da ONG de direitos humanos judaico-israelense, Betselem, estima que entre 2000 e 2017, o governo demoliu 1.706, jogando na rua 9.442 cidadãos palestinos, incluindo 5.443 crianças.
Sabe-se que cada vez mais palestinos optam por eles mesmos destruírem seus lares, por razões econômicas. Uma estatística de agosto de 2018 mostrou que, entre 20 construções demolidas somente na área de Beit Hnina, em Jerusalém Oriental, duas foram pelos seus próprios proprietários.
Comentando a peculiaridades da política israelense de demolição de lares, diz a escritora Nora Lester Mortad:
“É um novo nível de perversidade, quando o opressor faz suas vítimas pagarem pela sua própria opressão, que Israel faz, mandando contas para os palestinos pagarem pela demolição dos seus lares”.
Senadores violam constituição norte-americana para favorecer Israel
A bancada republicana no Senado pretende passar por cima da 1ª Emenda da constituição norte-americana para aprovar lei criminalizando o BDS. O objetivo é proteger interesses de Israel.
O BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) foi criado em 2005. É um protesto pacífico contra os assentamentos e a ocupação militar da Palestina, defendendo a independência dos palestinos e o respeito aos direitos daqueles que foram expulsos de Israel.
Inspirando-se na campanha anti-apartheid da África do Sul, propõe o boicote econômico, político, cultural, artístico e esportivo de Israel. Em todo o mundo, associações de estudantes e de professores; sindicatos; empresas; personalidades intelectuais, esportivas e artísticas; associações religiosas; universidades; legislativos; cidades e até nações têm aderido a seu apelo.
Especialmente nos últimos dois anos, o BDS cresceu de modo substancial, apesar da campanha desferida pelo governo de Telavive, que tenta caracterizá-lo como antissemita.
Em 2018, a Holanda e a Irlanda não foram nessa onda difamatória. Através dos seus ministros das Relações Exteriores, os governos dos dois países, pronunciaram-se formalmente, assegurando a legitimidade do BDS.
Seguiram o exemplo da Suécia que, em 2016, já havia assumido essa posição.
A Irlanda foi mais além. Ainda em 2018, o Senado aprovou lei proibindo a importação de produtos dos assentamentos judaicos. O mesmo foi decidido pelo Congresso chileno.
Preocupado com a expansão do BDS, o governo de Israel lançou-se numa ampla ação diplomática, tentando convencer parlamentos, governos e partidos dos EUA e da Europa, principalmente, de que o BDS era antissemita. Portanto, deveria ser criminalizado e aqueles que aderissem, punidos por leis específicas.
Quarenta organizações judaicas de direitos humanos se opuseram, em manifesto que afirmava ter o BDS um comprometimento comprovado de “lutar contra o antissemitismo e todas as formas de preconceito racial”.
Os esforços de Telavive conseguiram alguns resultados. Os governos do Reino Unido, França e Canadá aprovaram algumas medidas repressivas do BDS.
Nos EUA, 26 estados foram pelo mesmo caminho. Empresas ou profissionais que praticassem o boicote ou desinvestimento propostos pelo BDS seriam colocados na lista negra: não poderiam mais manter qualquer relação econômica ou funcional com o Estado.
Chegou-se ao extremo de se exigir um juramento de lealdade, o signatário terá de garantir que jamais compactuará com qualquer ação prejudicial ao Estado de Israel.
Um caso extremo da aplicação destes regulamentos repressivos aconteceu em Dickinson, no Texas.
Em 2017, o furacão Hurricane atingiu esta cidade de forma especialmente devastadora. Foi exigido das vítimas da calamidade um juramento de não boicote a Israel em troca de ajuda humanitária para salvar suas vidas (Al Jazeera, 17-11-2018).
Essa aberrante defesa dos interesses de um país estrangeiro, mesmo em detrimento de empresas e cidadãos nativos, não está passando em branco.
Centenas de processos de contestação estão sendo abertos em todos os EUA.
As primeiras sentenças começam a aparecer. Os tribunais federais do Arizona e do Kansas declararam as leis anti-BDS violações inconstitucionais dos direitos de liberdade de expressão, consagrados na Primeira Emenda da Constituição.
Os meios jurídicos dos EUA consideram que estas decisões acabarão por se impor em todo o país, anulando as leis pró-Israel.
Os defensores dos interesses israelenses não ficaram vendo a banda passar. Em julho de 2017, 43 senadores – sendo 29 republicanos e 13 democratas – apoiaram um ato contra o boicote a Israel, proposto pelo senador republicano Benjamin Cardin.
Era incrível, mandava para cadeia todos que, de forma direta ou indireta, favoreciam os objetivos do BDS.
Até participantes de qualquer eventual boicote internacional de Israel - mesmo decretado pela ONU - corriam riscos de serem forçados a verem o sol quadrado.
A AIPAC, maior lobby israelense dos EUA, estava por trás deste estranho projeto, capaz de provocar lágrimas emotivas do habitualmente cínico e pétreo Bibi Netanyahu.
Mas, a ACLU – mais antiga ONG de direitos humanos dos EUA –, alertou que a lei era terrivelmente anticonstitucional por violar a liberdade de expressão de ideias consagrada pela Primeira Emenda da Constituição.
Assustados, os senadores democratas tiraram o time de campo, passaram a retirar suas assinaturas.
E o Ato pró-Israel perdeu força. Bem que o senador Cardin tentou passar uma versão suavizada, nos últimos dias da sessão legislativa. Não pegou.
Em sua substituição, o senador republicano Marco Rubio apresentou um novo e hábil projeto. Ele não insiste em proibir e punir quem topa integrar-se na proposição do BDS. Simplesmente proíbe que leis federais possam revogar leis estaduais contra o movimento.
Assim, todas as 26 já existentes – e outras similares que venham a ser aprovadas - estariam fora do alcance do veto de qualquer tribunal federal.
Talvez o senador Rubio e seus parceiros na defesa de Israel deveriam ouvir o ensinamento de George Washington, um dos Pais da Pátria e primeiro presidente estadunidense:
“A nação que dedica a outra ódio ou predileção permanente é, até certo pronto, uma escrava. É escrava de sua animosidade ou de sua afeição, qualquer das duas é suficiente para desviá-la do seu dever e dos seus interesses”.
De fato, o amor dos adversários do BDS a Israel é de tal monta que eles não se tocam com os prejuízos que sua lei pode causar a cidadãos e empresas norte-americanas.
Funcionários públicos e profissionais liberais perderiam empregos ou contratos de serviços, empresas teriam bloqueadas suas transações com o Poder Público.
Não há nada que justifique todos esses sacrifícios. As sanções propostas pelo BDS não são injustas ou reprováveis, pois são legitimadas pelos seus objetivos.
Não é o caso das sanções aplicadas pelos EUA ao Irã, que visam destruir um acordo nuclear de interesse universal, aprovado pela ONU, a União Europeia e quase todos os países civilizados.
Já na campanha antiapartheid da África do Sul, seu alvo justificava o endosso dos EUA, vários países da Europa e Japão.
As sanções do BDS são legitimadas pelos seus objetivos, todos eles aprovados pela ONU. Até os EUA são favoráveis à independência da Palestina, o fim da ocupação militar e dos assentamentos israelenses.
Por enquanto, Trump não revogou essas posições adotadas pelos presidentes anteriores desde dezenas de anos atrás. Mesmo, conforme o próprio The Donald, o reconhecimento de Jerusalém inteira como capital de Israel e a abertura da embaixada norte-americana na cidade ainda dependeriam de conversações entre israelenses e palestinos.
Com as garantias da Constituição dos EUA, os tribunais federais dos EUA devem continuar bombardeando as leis estaduais anti-BDS.
Caso o senador Marco Rubio consiga emplacar sua lei, é bem possível que não passe pela Suprema Corte.
Bernie Sanders, independente, e Dianne Feisntein, democrata – dois importantes senadores judaico-americanos –, escreveram uma carta conjunta apresentando sua posição.
“Embora nós não apoiemos o movimento “Boicote, Desinvestimento e Sanções”, continuamos decididos a defender o direito de cada norte-americano expressar suas opiniões pacificamente, sem temer punições efetivas pelo governo”.
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.