Correio da Cidadania

Venezuela no limite

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A nossa grande mídia está envolvida até os dentes numa campanha feroz contra o governo Maduro e o regime bolivariano da Venezuela.

A Folha chega a publicar diariamente pelo menos uma ou duas das escassas páginas de sua seção de política internacional para pintar Maduro como um ditador que reprime com tiros e torturas multidões de manifestantes pacíficos, enquanto seu país se debate numa crise irreversível. O Estadão, O Globo e as emissoras de TV não ficam atrás.

Com palma vibrantes da nossa mídia, Guaidó, o presidente da Assembleia Nacional, se autoproclamou o verdadeiro presidente da Venezuela.

Logo em seguida, os EUA, capitaneando a nau dos governos latino-americanos de direita e centro-direita, apoiaram vigorosamente esta decisão. E os países europeus (salvo a Itália) foram na mesma onda.

Em nosso país, há unanimidade entre políticos, generais, empresários e ministros condenando o regime Maduro e aprovando seu autoproclamado substituto. Posição que parece ser compartilhada pela maioria da população nacional que lê jornal.

Os comentaristas não têm dúvidas: o caos é total, Maduro é um brutal ditador, o socialismo bolivariano fracassou definitivamente nos campos econômico, político e social. E vai ser irrevogavelmente defenestrado.

Somente o PT e alguns grupos de esquerda veem as coisas de outro modo: estaríamos diante de um golpe contra um presidente legal e seu povo, liderado pelos EUA, de olho nas espantosas reservas petrolíferas venezuelanas.

Paixões à parte, todos têm razão nas suas análises do quadro geral do infortunado Maduro.

Fracasso indiscutível

As três milhões de pessoas que já abandonaram a Venezuela e as que continuam abandonando numa média de cinco mil por dia provam o fracasso do líder chavista.

No início do governo Maduro, tudo ainda parecia estar indo bem. A economia já estava fazendo água, mas o ex-presidente Chávez tinha deixado um legado de reformas e ações que deram condições invejáveis de vida ao povo venezuelano.

A jornada de trabalho fora reduzida para 6 horas diárias e 36 semanais, sem redução do salário. As classes pobres (D e E) tinham visto um aumento de 150% no seu poder de compra. A desigualdade social era a menor em toda a América Latina. O sistema de saúde continuava exemplar, com suas 13.721 clínicas, construídas por Chávez em zonas muito pobres.

A desnutrição infantil tinha caído de 21% (antes do regime bolivariano) para apenas 2%. A mortalidade infantil de, 16 por mil, seguia sendo a mais baixa da América Latina.

Mas o sonho acabou, suplantado por uma realidade amarga. A crise se instalou no país, marcada especialmente por uma carência de alimentos de proporções descomunais.

Mesmo com os supermercados espalhados pelas zonas pobres, vale pouco os preços mais baratos de produtos que não existem. Ou existem em quantidades racionadas como em tempos de guerra, gerando filas imensas de gente em busca de leite, pão, carne de frango, batatas, açúcar e outros produtos da alimentação básica.

A grande elevação da qualidade de vida do povo venezuelano promovida pelo chavismo era paga com os grandes lucros do petróleo. Com a queda do seu preço internacional, os governos Chávez e, principalmente, Maduro, acabaram ficando sem dinheiro para custear seus gigantescos programas sociais e de transferência de renda.

Enquanto isso, a inflação passou a subir numa velocidade de Fórmula 1, com números dignos dos tempos da República de Weimar, quando a Alemanha viveu os períodos mais críticos de sua história.

Em 2018 chegou a mais de 80 mil por cento, em 2019 este número deve se multiplicar e seguir destruindo os valores do trabalho.

E a pobreza, que nos tempos dourados do chavismo incluía apenas 25% da população, em 2019 quase dobrou, aumentando para 48% (pesquisa de três universidades de Caracas).

O governo se defende, culpando, além dos baixos preços do petróleo, uma conspiração, unindo grupos econômicos internos, a oposição política e o governo norte-americano.

Quem mente mais?

Possivelmente, há alguma verdade nisso. De fato, o açambarcamento e o contrabando atingem proporções fora do comum. A polícia já apreendeu grandes estoques em firmas até importantes, escondidos para provocar aumentos de preço e de lucros. E o contrabando continua bombando, sem que as autoridades consigam por um ponto final nessa atividade.

Seja como for, não dá para aceitar que, tendo a Venezuela as maiores reservas de petróleo do mundo, passe por uma crise de porte tão devastador.

Somente uma incompetência absurda do governo seria capaz de explicar esta proeza.

A oposição, a imprensa estrangeira e os governos inimigos agregam outras acusações pesadas a Maduro, com o fim de justificar sua derrubada.

Seu governo é rotulado como uma ditadura, que elegeu num pleito ilegal, controla o Judiciário e criou uma assembleia submissa, nega a liberdade de imprensa e reprime, torturando a matando os venezuelanos contrários a ele.

De fato, Maduro tem pressionado a imprensa adversária, mas ainda existem vários jornais diários e emissoras de TV que fazem críticas ao governo.

Sua eleição para presidente em abril de 2018 foi mesmo eivada de irregularidades, com os principais líderes oposicionistas impedidos de concorrer por estarem presos, autoexilados ou proibidos de participar pela justiça, ligada a Maduro.

A respeito das eleições, o então Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad al-Hussein, afirmou que  “não preenchem, de forma alguma, condições mínimas para serem livres e confiáveis”.

A repressão violenta, as torturas e prisões injustas de oposicionistas parecem verdadeiras. Só que em escala bem menor do que na Arábia Saudita, sem que os EUA ou a Europa declarem ilegítimo o regime monárquico de lá.

Nas manifestações recentes, o governo Maduro, conforme a grande mídia, se excedeu. Diz Rupert Colville, atual Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, que houve 26 mortes por disparos de agentes das forças de segurança. 5 pessoas foram mortas em invasões de casas e 11 durante saques, portanto, ao praticarem, ações nada pacíficas.

O governo de Israel fez muito mais vítimas ao atacar a bala (de verdade) manifestação palestina não-violenta na fronteira com Gaza. Matou mais de 150 pessoas e feriu 10 mil (Al Mezan Center for Human Rights).

E os EUA agiram. Vetaram moção do Kuwait no Conselho de Segurança da ONU, evitando a formação de uma comissão para investigar esse morticínio.

Estimulados a jogar contínuas pedras na vidraça de Maduro, os jornais brasileiros acabam veiculando fake news.

A fonte da história dos supostos “2 mil generais”, supostamente nomeados pelos chavistas para controlar o exército, foi o ABC, ferrenho crítico de Maduro. Esse jornal espanhol simplesmente mencionou o número de generais, sem indicar sua fonte.

Por sua vez, jornalista da Folha assegurou que o autoproclamado presidente Juan Guaidó, cofundador do partido Vontade Popular, se diz moderadamente de esquerda.

Devia estar de brincadeira, já que o padrinho político de Guaidó, chefe e fundador do Vontade Popular, é Leopoldo Lopez (ora em prisão domiciliar), principal líder da direita venezuelana.

O imperialismo não descansa

Exageros à parte, acredito que haja suficientes indícios de que os EUA estão mesmo envolvidos no golpe que se articula contra o governo de Caracas.

As gigantescas reservas de petróleo venezuelano (as maiores do mundo) exercem uma atração invencível em gente com visão imperial, como os donos do poder em Washington.

Diz o Wall Street Journal (29-1-2019) que Mike Pence, o vice-presidente americano, ligou para Guaidó, garantindo o apoio dos EUA caso ele se proclamasse presidente da Venezuela.

Pence está tão empolgado com a operação que, quando lhe lembraram que Trump fora sempre contrário a qualquer nova intervenção militar norte-americana, discordou: apesar de The Donald ter essa posição “sempre tivera uma visão diferente quanto ao hemisfério”. Ou seja, no quintal da América, contem com os marines (The Guardian, 29-1-019).

O senador republicano Lindsay Graham, notório luminar do war party, informou que, em recente discussão entre ele e o presidente sobre a Venezuela, Trump mostrou-se “realmente falcão”. Ou seja, adepto de ataques militares (The Guardian, 29-1-2019).

Graham teria considerado que atacar “poderia ser problemático”. Segundo o senador, Trump fizera cara de decepção, pois sempre achara que Grahan “gostava de invadir tudo”.

No programa de TV Fox Business, John Bolton, assessor de segurança do presidente dos EUA, confessou que havia “muito em jogo” na crise da Venezuela. E mencionou especificamente o petróleo do país e os benefícios que traria aos EUA, dizendo: “fará uma grande diferença econômica para os EUA se nós pudermos ter companhias de petróleo norte-americanas investindo e produzindo os recursos de petróleo da Venezuela”.

Isto pode muito bem acontecer.

The Donald avançou sua hostilidade, bloqueando os ativos nos EUA da estatal petrolífera venezuelana, no valor de 7 bilhões de dólares. E ainda determinou que seja tomado da Venezuela o dinheiro das importações de petróleo feitas pelas empresas norte-americanas. Serão mais 11 bilhões de dólares retirados do bolso da petrolífera do governo venezuelano.

Maduro poderá conseguir novos clientes, substituindo os EUA, mas isso vai levar muito tempo, trata-se de uma grande quantidade de petróleo a ser negociado, correspondendo a 50% do total exportado pela Venezuela.

Apesar de a Rússia e da China provavelmente virem correndo prestar socorro a Maduro, trazendo empréstimos para suprir a retirada estadunidense, o país ficará meses e meses com sua receita pública (já escassa) profundamente reduzida.

Isso vai acarretar ainda mais inflação, preços mais altos, maior carência de alimentos, maior desemprego, mais gente fazendo filas para comprar o essencial... E fugindo em massa do país.
    
Será fácil para Maduro explorar a situação, apontando o dedo para os EUA, como o país que catapultou a crise.

Boa parte do ódio da população que pesa sobre ele será desviado para a Casa Branca.

Maduro pode ganhar novas forças. E aí The Donald provavelmente lançará seu fogo e fúria sobre a Venezuela.

Negociações urgentes

Toda este drama de erros, cobiça e orgulho tem chance de ser evitado caso as partes aceitem as propostas de novas negociações vindas do papa, do México e do Uruguai.

Maduro já topou, demonstrando que ele está com medo. Guaidó recusou-se, acha que vai ganhar na certa e tem pressa para ascender ao trono.

Sendo ilegal a eleição que deu a presidência ao chavista, é necessária mesmo a convocação de um novo pleito.

De outro lado, a presidência autoproclamada de Guaidó também é ilegal. O artigo 233 da Constituição diz que para a substituição do presidente exige-se incapacidade física ou mental do titular ou abandono do cargo.

Não existe nenhuma dessas condições (Daniel Larison, editor do The American Conservative, em Anti-war, 30-1-2019).

Não sabemos se as duas partes, sob influência do belicismo de Trump e seus áulicos, terão consciência para fazerem concessões e evitarem que seu país vire uma nova Síria.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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