Finalizar a Guerra da Síria sem nova crise humanitária
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- Luiz Eça
- 06/03/2019
Não há mais chances de os rebeldes desalojarem Assad do poder. Só a província e a cidade de Idlib estão nas mãos deles. Fora isso, restam-lhes apenas alguns bolsões no noroeste e no leste da Síria. E o trunfo mais importante: Idlib, agora sob a Hayat Tahrir al-Sham (HTS, ex-Nusra Front, filial da Al-Qaeda no país), a única província que resiste ao governo de Damasco.
O Estado Islâmico (EI) já perdeu quase tudo, vive ainda em uns poucos vilarejos e acampamentos de militantes, espalhados pelo deserto.
Dos civis e militares moderados que iniciaram a revolta, não sobraram muitos. São irrelevantes nas hostes das forças que se opõem ao regime de Assad. Uma parte ainda milita nas Forças Democrática Sírias (FDS), também integrada pelos curdos, que as lideram, e apoiada pela poderosa aviação dos EUA.
É nas regiões ocupadas pela FDS que estão sediados 5 mil soldados norte-americanos, à espera da ordem de retirada prometida pelo presidente Trump.
Continuam em luta outros grupos jihadistas, dos quais o mais forte é a Frente de Libertação Nacional, sob influência dos turcos, a qual ao lado da filial da Al-Qaeda, o Hayat Tahrir al Sham, majoritária nas cidades e vilarejos da província de Idlib,
Sendo Idlib a última área significativa governada por rebeldes, o governo Assad prioriza sua tomada, pois isso poderia fazer as diversas forças rebeldes abandonarem seu sonho impossível, fragmentando-se em rendições, acordos com Assad ou ingresso na clandestinidade para continuarem a operar em ações terroristas.
A província de Idlib, com cerca de 3 milhões de habitantes no interior e 170 mil na capital, é agora a última barreira para que o governo inclua no seu mapa praticamente toda a Síria.
Terá pela frente principalmente os guerreiros do HTS, que derrotaram os outros grupos jihadistas, assumindo o governo da província.
Com mais de 20 mil guerreiros, o HTS e alguns aliados tentam impor a Sharia (lei islâmica datada da Idade Média) ao pé da letra nas regiões que controlam, aplicando regras fundamentalistas semelhantes às do EI.
Em agosto de 2018, o ministro do Exterior da Síria, Walid Muallem, declarou que agora o objetivo do seu governo era libertar Idlib. Embora tenha afirmado que o território seria recuperado através de “acordos de reconciliação”, deixou os habitantes de orelhas em pé quando esclareceu: “estamos determinados a derrotar o HTS, não importam os sacrifícios”.
Como para os sucessores da al Qaeda, reconciliar-se não costuma ser opção, teme-se que os sacrifícios seriam inevitáveis. Recaindo sobre o povo, como é hábito de governos em todo o planeta.
Os russos, aliados imprescindíveis de Assad, apressaram-se a ratificar esse receio, garantindo que o governo de Damasco teria todo o direito de “liquidar a ameaça terrorista no seu território.”
Automaticamente, brotaram os pesadelos dos cercos de Aleppo e Racqua, com as devastações causadas, respectivamente, pelos aviões russos e estadunidenses, que destruíram porções substanciais dessas cidades, matando civis inocentes em massa.
Felizmente, a ONU agiu para tentar impedir mais um desastre humanitário na Guerra da Síria.
Por proposta de Staffan de Mistura, seu representante na guerra, foi criada, sob patrocínio da Rússia e da Turquia, uma zona tampão desmilitarizada, de 15 a 20 km de largura, separando os territórios rebeldes dos setores vizinhos controlados pelo regime sírio.
Os grupos jihadistas deveriam abandonar essa zona, devendo ainda retirar de lá todas as suas armas pesadas. Em contrapartida, o regime de Assad se comprometia a interromper temporariamente sua ofensiva contra Idlib.
Era o primeiro passo para se chegar a um acordo entre governo e rebeldes.
Uma das principais vantagens oferecidas é que, no caso de ataques de bombardeios russos e sírios a Idlib, os civis poderiam fugir para a zona tampão, onde receberiam ajuda humanitária.
Foi fixado um prazo para que o HTS e a Frente de Libertação Nacional cumprissem todas as suas obrigações envolvidas no acordo.
De um modo geral, as coisas foram indo bem, apesar de o HTS demorar a fazer o que devia.
No entanto, no mês passado, estes sucessores da al Qaeda lançaram-se numa ofensiva pelo interior da província de Idlib, tomando cidades e vilas e substituindo os governos locais por elementos dóceis a seu comando.
Já conquistaram 90% de Idlib, chegando mesmo a penetrar na própria zona tampão, o que ameaça o acordo subscrito pela Turquia e pela Rússia.
Ora, não estava no script. Possivelmente, o regime de Assad deve reagir, voltando a bombardear Idlib com aviões russos e lançando uma ofensiva terrestre em grande escala.
Espera-se que isso seja evitado, dando mais tempo para que os rebeldes acabem admitindo que sua luta não têm futuro e aceitem entregar Idlib, o que poria ponto final na Guerra da Síria, com quase todas as suas implicações.
Ainda faltaria a limpeza dos últimos e esgarçados redutos do EI, a solução para o problema curdo, um acordo internacional regulando a transição do país para a democracia e a concessão de recursos para a reconstrução da Síria.
Cabe aos EUA, Rússia, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Turquia, França e Reino Unido assumirem todas estas ações.
Parece muito, mas é o mínimo para países cujos interesses políticos impediram que a guerra acabasse mais cedo.
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.