Progressistas vencem primeira batalha no Partido Democrata
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- Luiz Eça
- 15/03/2019
Em 2018, pesquisa da Pew Research mostrou uma enorme modificação no Partido Democrata diante do eterno conflito entre Israel e palestinos.
Na pesquisa de dois anos atrás, Israel era preferido por uma grande maioria dos membros do partido – 43% versus 29%, avantajando-se por uma diferença de 14%.
Já em 2018, havia praticamente um empate técnico, 27% x 25%, Israel na frente por apenas 2%. Seguindo esta tendência, no Partido Democrata de hoje a causa palestina deve ser perfilhada pela maior parte dos seus membros.
Um reflexo deste quadro foi a eleição de grande número de candidatos progressistas ou socialistas-democratas que, aliados a liberais com ideias afins, assumiram posição de destaque na Casa dos Representantes. Foi um crescimento vertiginoso que multiplicou o pequeno número de representantes que estes grupos vinham tendo.
Esta inflexão para a esquerda operou-se principalmente sob impulso da campanha presidencial do senador Bernie Sanders, que empolgou grande número de jovens. No entanto, os líderes tradicionais, em geral conservadores ou liberais de centro-direita, que sempre dominaram o partido, continuam poderosos.
Embora não mais maioria no Partido Democrata, esses grupos conseguiram garantir muitas cadeiras no novo Congresso, talvez mais do que a soma dos progressistas e dos liberais aliados.
Esta divergência se manifestou a partir de um debate entre Ilhan Omar, uma das duas primeiras mulheres muçulmanas eleitas para a Casa dos Representantes, e apoiadores contumazes das causas de Israel, inclusive parlamentares tanto republicanas quanto democratas.
Omar criticou basicamente a influência de Israel e seus lobbies, especialmente a AIPAC, sobre o governo e parlamentares norte-americanos que costumam desfrutar de doações que essa entidade lhes propicia.
“Quero falar da influência política neste país que diz ser ok para pessoas que pressionam pela fidelidade a uma nação estrangeira. Quero perguntar porque serei ok se eu criticar a influência da NRA (lobby das armas) ou das indústrias de combustíveis fósseis ou das grandes farmacêuticas e não (é ok) falar sobre estes poderoso lobby (a AIPAC) que influencia a política”.
De fato, criticar Israel na sociedade norte-americana é um ato pelo menos temerário.
A jovem deputada muçulmana estava abrindo uma caixa de Pandora, de onde importantes entidades e cidadãos, tomados de santa fúria, saíram a público lançando malignos ataques.
O congressista democrata Juan Varga, por exemplo, não vacilou em sacar seu axioma: “Questionar o apoio ao relacionamento EUA- Israel é inaceitável”.
Afinal, segundo outro representante, tanto os democratas, quanto os republicanos estão comprometidos a garantir que “EUA e Israel sejam um só”.
Como era inevitável, as críticas a Israel e as seus lobbies foram imediatamente classificadas como antissemitas
O congressista democrata Eliot Engel acusou Omar de ter proferido um ”vil insulto antissemita”. Talvez por coincidência, este cidadão que é o presidente do Comitê de Assuntos Externos da Casa, já recebeu um milhão e setenta mil dólares para suas campanhas, fruto da magnanimidade de milionários da AIPAC.
Formou ao lado dele o senador Kirsten Gilibrand, outro democrata, que disse até aceitar críticas a Israel, desde que “feitas sem jargões antissemitas sobre dinheiro e influência”. Também por eventual coincidência, ele já recebeu 367 mil dólares em doações da generosa gente do lobby pró-Israel.
A verdade é que Omar nunca acusou os judeus norte-americanos de dupla fidelidade por defenderem Israel. Nem foi preconceituosa em relação aos judeus. Nem censurou supostas características negativas da raça judaica.
O que provocou as iras dos seus adversários foi a crítica ao governo norte-americano e aos congressistas por apoiarem Israel incondicionalmente e serem surdos ao sofrimento dos palestinos, bem como à AIPAC que promove doações aos políticos com óbvias segundas intenções.
Diversos representantes dos dois partidos exigiram a expulsão de Omar do Comitê de Assuntos Externos, ao qual ela pertence, ou mesmo que renunciasse à sua cadeira no Congresso, como propôs o sempre teatral presidente Trump.
A jovem representante desculpou-se por ter usado uma expressão que poderia ser confundida com um jargão antissemita. Mas manteve seu conteúdo.
Por pressão de indignados elementos da bancada democrata, a presidente da Casa dos Representantes, Nancy Pelosi, redigiu o esboço de uma resolução contra o antissemitismo, envolvendo Omar, embora de forma implícita. No entanto, mesmo assim passava uma ideia de censura à congressista pelo seu audacioso comportamento.
Contra esse novo macartismo que já pintava, choveram protestos de várias organizações, inclusive judaico-americanas, como a J Street. Não ficaram omissos os senadores Bernie Sanders, Elizabeth Warren e Kamala Harris, principais figuras dos setores progressistas, que defenderam Omar e suas ideias.
Apesar de Nancy Pelosi insistir que a resolução não era contra a jovem muçulmana, acabou concordando em se reunir com representantes das tendências partidárias para discutir a questão.
Na verdadeira batalha que se travou, os progressistas, que no moderado Partido Democrata são rotulados como esquerdistas, saíram ganhando.
Ficou de fora qualquer menção negativa, ainda que indireta, à congressista muçulmana.
Chegou-se a um texto que deixava de atacar exclusivamente o antissemitismo para voltar-se contra todo tipo de preconceitos: supremacia branca, islamofobia, racismo, anti-imigrantes, anti-LGBT - além de antissemitismo.
Apresentada no plenário, a resolução foi aprovada por 407 votos contra 23, sendo que 234 vieram de representantes democratas e 173 de republicanos. Os 23 votos contrários foram todos de republicanos.
O jornal Politico concluiu: “Foi uma nítida vitória de Omar e dos seus aliados da esquerda.”
Parte dos grupos envolvidos na defesa de Omar achou que não foi suficiente. Perdera-se uma chance de também questionar a ocupação da Palestina por Israel.
Jeff Cohen, cofundador da ONG RootsAction, fez essa ressalva, porém, concordou que a resolução era muito importante pois “marcava uma reviravolta no apoio cego do Congresso à subjugação israelense dos palestinos”.
O movimento de jovens judeus estadunidenses, IfNotNow salientou outro aspecto: “Nós estamos numa nova era onde a crítica às políticas injustas de Israel não são simplesmente equiparadas ao antissemitismo. Esta é uma vitória (Mondoweiss, 8-3-2019).”
A organização Voz Judaica pela Paz disse que queria mais, através do seu vice-diretor, o rabino Alissa Wise: “Enquanto as justas críticas a Netanyahu, à AIPAC e aos maus tratos sofridos pelos palestinos continuam sendo falsamente atacados como antissemitas, as ameaças dos supremacistas brancos continuam”.
Mas concluiu: “estamos felizes por ver que a resolução condena o fanatismo real, em vez de ir atrás da representante Ilhan Omar e sua visão de um mundo livre de fascismo e opressão”.
Apesar de ter votado a favor, o representante Doug Collins não perdeu a chance de fazer ironia: “Cá estou... debatendo uma resolução que todos nós devemos ter aprendido no jardim de infância: ‘seja bonzinho. Não odeie”.
Em matéria de ironia, ninguém é páreo para The Donald.
Depois de ter afirmado haver gente muito boa entre os supremacistas brancos de Charlottesville, que carregavam faixas nazistas, cantando “os judeus não nos substituirão”, ele atacou o Partido Democrata por suposto antissemitismo.
Num melancólico cenário hibernal, com fundo de árvores despojadas e céu cinzento, The Donald, sombrio, lamentou que os democratas tenham se tornado um partido anti-Israel e antijudeus...
Embora muitos o considerem um canastrão, Trump é bom ator que interpreta um péssimo papel.
Nas eleições do ano que vem, quando seu espetáculo terminar, veremos se ele colherá aplausos ou vaias, ovos e tomates podres.
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.