Correio da Cidadania

Entre a justiça e Trump, o Brasil decide mal

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Logo depois de Bolsonaro proclamar obediência eterna aos EUA de Donald Trump, as coisas começaram a mudar no front externo. Como todo mundo sabe, um dos pontos básicos da política externa norte-americana é blindar Israel (seu aliado número 1), nos vários foros internacionais.

Durante a 40ª reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Brasil deu uma virada brusca. Deixou de defender os direitos dos palestinos, passando a defender Israel, com o ardor de um neoconvertido aos dogmas da política externa estadunidense.

A primeira prova da sua nova fé ele a deu na resolução de condenação de violências sofridas pelos habitantes de Gaza nas manifestações diante da cerca que separa o estreito do Estado de Israel, iniciadas em 30 de março do ano passado.

O relatório da comissão independente de investigação da questão foi definitivo: “as forças de segurança de Israel cometeram violações de direitos humanos e de direitos humanitários, que podem constituir crimes de guerra ou crimes contra a humanidade”.

Não surpreendeu ninguém. Os relatos de organizações humanitárias, aceitos pela imprensa mundial, já haviam informado que as forças armadas do exército de Telavive atuaram de forma nada civilizada.

Elas chegaram com aparato bélico: tanques de guerra, metralhadoras e 100 snipers (atiradores), que tinham ordens de atirar com munição real, em quem chegasse perto da cerca e também nos chamados “provocadores”.

Foi o que eles fizeram, matando 189 civis e ferindo mais de seis mil pessoas. Crianças, velhos e mulheres não foram poupados. Nem mesmo médicos que atendiam aos muitos feridos.

O governo de Israel justificou-se alegando seu “direito de defesa”. A manifestação teria sido organizada pelo Hamas. O que, aliás, jamais foi provado.

Mesmo que fosse verdade, ponderou Rupert Colville, porta-voz do Conselho de Direitos Humanos da ONU, não se justifica a matança dos participantes de uma manifestação pacífica.

O major Danny Sjursen (professor em West Point) o reforçou: “para respeitar a moral e a lei internacional é permitido matar somente combatentes e usar apenas a força necessária para remover uma ameaça. Uma olhada no vídeo fala por si: os soldados de Israel pensam que estão acima da lei, de qualquer lei”.

Muitas fotos e vídeos no YouTube mostram claramente que os snipers israelenses mataram civis a tiros, usando força mortífera contra prosaicos estilingues.

Diante das evidências, o Conselho de Direitos Humanos da ONU só podia mesmo condenar Israel, por 28 votos contra 8, entre eles da Hungria (do fascista Orban), dos EUA e seus seguidores: Ucrânia, Austrália e... Brasil. Fomos o único país latino-americano, membro do Conselho, que ficou contra os palestinos. México e até o Chile e o Peru, governados pela direita, votaram a favor deles.

Em seguida, foi a debate resolução que denunciava novas malasartes de Israel, violando direitos humanos da população síria e drusa das Colinas de Golã, durante a ocupação militar desse território tomado à Síria.

Propunha-se que o exército israelense fosse intimado a interromper uma série de violências contra os moradores sírios da região, inclusive lhes impondo a cidadania israelense.

Mais uma vez o Brasil de Bolsonaro, nos termos do seu alinhamento automático aos EUA de Trump, votou em defesa de Israel.

A justificação foi bizarra: a resolução seria facciosa, pois não incluía nas acusações ações brutais do governo sírio.

Nem poderia, afinal estava se tratando de fatos acontecidos em Golã, em 1967, não do governo atual de Assad no contexto da guerra civil.

Também aqui o Brasil e outros países alinhados com os EUA foram derrotados.

Entre os 26 votos em favor da população do Golã estavam os do México, Uruguai e dois países governados pela direita, Chile e Peru. A Argentina se absteve.

Na terceira votação, o Brasil recusou-se a condenar a expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Golã
Preferiu ficar neutro.

Ninguém teria moral para apoiar a criação de novos assentamentos, apontada como um obstáculo à paz na Palestina pela maioria dos países, inclusive os EUA,

Foram 32 votos favoráveis à condenação, enquanto 10 países ficaram em cima do muro.

Destaco que até a Argentina, cujo presidente foi o primeiro latino-americano a ir a Washington reverenciar The Donald, votou a favor.

A virada brasileira completou-se com uma inusitada declaração da nossa embaixadora na ONU. Ela afirmou que o Brasil se recusaria a discutir novas questões relativas a comportamentos de Telavive, caso continuasse a haver um viés anti-israelense no Conselho de Direitos Humanos.

Diante desta afirmação e dos seus votos no conselho, a embaixadora mostrou ignorar que estava num conselho dedicado à defesa dos direitos humanos. Não dos interesses dos EUA e seu protegé, Israel.

Ernesto Araújo, o ministro das Relações Exteriores da nova era, esclareceu essa bizarra posição: “Apoiar o tratamento discriminatório contra Israel na ONU era uma tradição da política externa brasileira dos últimos tempos. Estamos rompendo com essa tradição espúria e injusta...”

Os fatos demonstram que o ministro está deixando sua imaginação voar.
Desde 2006, nada menos do que 29 resoluções contra Israel foram à votação no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Motivos não faltaram.

Há um ano, relatório do Human Rights Watch (HRW) informa que Israel é culpado em: “pelo menos cinco categorias das principais violações dos direitos humanos internacionais: execuções ilegais, deslocações forçadas de palestinos, detenções abusivas, o bloqueio de Gaza, o desenvolvimento dos assentamentos, as políticas que discriminam os palestinos e outras restrições desse calibre (The Guardian, 12-6-2017)”.

Não dá para duvidar da competência do HRW. Nem de sua imparcialidade. Inimigos de Israel – como a Síria, o Irã, o Hizbollah e o Hamas, além da Venezuela de Maduro, também já foram alvo das flechadas da entidade.

E se você quer mais, que tal ouvir uma opinião dos EUA? Em 2015 (tempos de Obama), o relatório anual do Departamento de Estado criticou o excesso de força do exército de Israel contra os palestinos nos territórios ocupados. Metade dos palestinos mortos por terem presumivelmente atacado militares ou civis israelenses, na verdade, não haviam atacado ninguém.

Entre as 149 vítimas das balas das forças israelenses, apenas 77 lançaram ataques. Todos os demais foram assassinados em manifestações ou durante “operações de rotina”.

Nesse relatório, o Departamento de Estado dos EUA denunciou ainda a existência de uma política israelense de prisões arbitrárias, seguidas de torturas e outras violências, frequentemente impunes.
 
Censura-se a política pró-EUA da “nova era” por colocar a ideologia do governo à frente dos interesses do país.

É verdade: apoiando incondicionalmente Israel, como The Donald preceitua, estamos arriscando nossas vastas exportações de carnes para os países árabes e, assim, golpeando a estabilidade da economia brasileira.
 
Tão grave é fundamentar nossa política externa não na justiça, mas nos tortuosos desígnios de Donald Trump.

O presidente Bolsonaro, que tanto admira os norte-americanos, deveria considerar o que ensinou Thomas Jefferson, um dos maiores vultos da história dos EUA: “paz, comércio e amizade honesta com todas as nações, não se envolvendo com nenhuma”.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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