Trump corta asas de seu falcão mais feroz
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- Luiz Eça
- 04/06/2019
Quando John Bolton (o mesmo a quem Bolsonaro bateu continência) foi nomeado conselheiro especial de segurança de Donald Trump, o JStreet, organização liberal judaico-americana, se manifestou assim: “estamos horrorizados pela sua nomeação para conselheiro de Segurança Nacional e acreditamos que essa decisão do presidente põe em perigo a situação nacional do país e a segurança fundamental dos EUA e dos seus aliados, inclusive Israel”.
Não há nenhum exagero nisso; Bolton, desde o governo Bush, do qual foi subsecretário, vem sendo o mais feroz dos falcões dos poleiros de Washington, adepto de fazer guerra a todos rebeldes ao diktat do império norte-americano. Sua nomeação é, portanto, um sério risco à paz mundial.
Fiel a seus princípios bélicos, ele esteve sempre pronto a intimidar, ameaçar, propor ataques e aprovar conflitos bélicos, elegendo o Irã e a Coreia do Norte como principais inimigos.
Diz a CBS News (22 de março de 2018) que Bolton nunca se cansou de pregar a guerra contra Teerã, propondo o bombardeio do país nas suas constantes aparições na Fox News.
Em 2015, antes da celebração do Acordo Nuclear com o Irã, ele foi particularmente enfático: “o tempo está terrivelmente curto, mas um ataque ainda pode dar certo. Esta ação deveria ser combinada com um apoio vigoroso dos EUA à oposição iraniana, visando a mudança de regime de Teerã”.
Em julho de 2017, Bolton afirmou: “a política declarada dos EUA é derrubar o regime dos mulás”.
Ultimamente, Bolton viveu dias de intensa alegria, quando os EUA pareciam dispostos a fechar o tempo com Teerã.
Coube a ele anunciar o envio para o Golfo Pérsico de um porta-aviões e navios auxiliares, mais uma esquadrilha de bombardeiros B-52 para reforçar as forças armadas na região. Eles estariam lá para o que der e vier, e Bolton esperava que viessem pretextos iranianos para as forças estadunidenses abrirem fogo.
Eis que, de repente, The Donald, que vinha esbanjado ameaças de acabar com o Irã, trocou o disco. Negociar a paz com o Irã seria possível. Bastava que o presidente Rouhani fizesse uma ligação para a Casa Branca.
Logo a seguir, o morador da Casa Branca passou a qualificar essa ideia como provável: “estou certo de que o Irã vai querer conversar logo. Se eles quiserem conversar, também nós vamos querer conversar”. Afinal: “ninguém quer ver terríveis coisas acontecendo, especialmente eu”.
Estranho, pois era ele alguns dias atrás a rugir que se os iranianos ousassem atingir os EUA, seu país seria totalmente arrasado.
E The Donald foi ainda mais longe na sua mudança: agora ele até agrada o “maligno” Irã, afirmando que o país asiático tem “um tremendo potencial econômico”.
Quanto à mudança de regime, que Bolton deixara claro ser o objetivo final da escalada: “não queremos mudar o regime, queremos que não haja armas nucleares”. E The Donald foi definitivo: “o Irã tem a chance de ser uma grande nação com a mesma liderança”.
E assim o próprio presidente negou o que seu conselheiro vinha afirmando. E as mais radiosas esperanças de John Bolton pareceram estar se desvanecendo. Ele que queria exatamente o contrário, que o Irã fosse posto de joelhos, com seus líderes postos a correr.
Os líderes iranianos, por enquanto, mostram-se céticos. Não fazem fé na sinceridade de Donald Trump. Não foi ele que, além de romper o Acordo Nuclear, ainda lançou sanções devastadoras conta o Irã?
Rouhani, o presidente iraniano, respondeu que seu país não queria conversa com Trump enquanto as sanções continuassem ferindo fundo a economia do país e o bem-estar do seu povo.
Quanto à exigência norte-americana de se impedir a nuclearização militar do Irã, seriam inócuas. O Irã não estava, nem pretendia produzir bombas nucleares. Como, aliás, os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) vinham comprovando, mês após mês.
Zarif, o ministro do Exterior, foi cruamente objetivo. “Ações e não palavras mostrarão a verdadeiras intenções de Donald Trump”.
Assim como está fazendo no Irã, The Donald vem limando as garras de Bolton e de outros falcões da Casa Branca.
Antes da posse do falcão-mor, o presidente já se lançara a uma guerra verbal contra Kim Jong Um, visando deixar os norte-coreanos apavorados com o lançamento de todas as pragas do inferno, caso o ditador não entregasse os pontos.
Uma vez nomeado, o novo conselheiro de Segurança juntou sua voz vibrante a esse coro sinistro.
Em diversas oportunidades, Bolton se manifestou por um ataque preventivo dos EUA contra a Coreia do Norte.
Pouco antes da reunião entre os presidentes dos EUA e da Coreia do Norte, ele opinou: “eu penso que a sessão entre os dois líderes poderia ser muito curta, com Trump dizendo ‘diga-me se você começou a total desnuclearização… Me responda agora ou nós começaremos a pensar em alguma coisa diferente”.
Infelizmente para Bolton, os dois presidentes saíram do encontro trocando elogios e carinhos, prometendo concretizar a paz, através de medidas concretas.
Nos meses seguintes, esse clima foi perturbado, pois, na hora do vamos ver, as visões de ambos mostraram-se opostas: para Trump, primeiro Kim tinha de desnuclearizar seu país, só aí os EUA levantariam as sanções, enquanto o norte-coreano insistia no contrário.
Nos meses seguintes, apesar de muitas declarações às vezes azedas, partidas dos dois lados, não se encaminhou nada.
Mais recentemente, a Coreia do Norte fez um teste, lançando um novo míssil, teoricamente proibido por decisão internacional.
Bolton não perdeu a chance de jogar gasolina na fogueira. Clamou que Kim Jong Un estava violando resoluções do Conselho de Segurança da ONU.
E afirmou que Trump iria por na linha os norte-coreanos. Furiosos com esta e outras críticas do falcão-mor, eles apelaram. Chamaram Bolton de “provocador de guerras”, “ser humano maldoso” etc. O porta-voz de Pyongyang foi ainda mais longe: “Bolton não pode ser considerado um conselheiro de segurança que trabalha pela segurança, mas um conselheiro de destruição da segurança, que destrói a paz e a segurança”.
Esperava-se que Trump subisse nas tamancas. Defendesse energicamente seu conselheiro. Ledo engano.
The Donald admitiu que o teste de mísseis “perturbou alguns dos meus homens, e outros, mas não me perturbou”. Afinal, ele disse que se tratavam de “armas pequenas”, contradizendo Bolton.
Assim desmoralizado, só restou ao falcão recolher-se à sua gaiola, sem dar um pio.
Quando ele fora nomeado, The Donald estava a fim de adotar uma política internacional mais agressiva para intimidar os adversários, usando o imenso poderio dissuasivo dos EUA.
Era como estava agindo em relação ao Irã. Inicialmente, The Donald até cansou de tanto anunciar desgraças incalculáveis pendentes sobre os iranianos, caso ousassem encarar os EUA.
Com o tempo, resolveu mudar, era hora de trocar a escalada militar pela busca da paz.
As eleições presidenciais estavam chegando. Pegaria mal se nessa ocasião os EUA do governo Trump estivessem arriscando our boys em 5 guerras: Afeganistão, Iêmen, Síria, Coreia do Norte e Irã.
Sem contar que o envolvimento com as questões da Venezuela e da Líbia, obrigaria o país a, pelo menos, fornecer armas e apoio logístico aos bons amigos rebeldes.
Inúmeras pesquisas provam que o povo norte-americano opõe-se fortemente a aventuras militares.
Trump sonha em tirar os EUA do pântano do Afeganistão, da impopular guerra do Iêmen e da guerra perdida na Síria. E não quer se meter em novas aventuras bélicas, estas com ingredientes nucleares, contra o Irã e a Coreia do Norte.
Acredita-se que as três primeiras guerras têm boas chances de acabarem antes das eleições de novembro de 2020.
Trump conta com que suas sanções façam iranianos e norte-coreanos entregarem os pontos.
O tempo parece estar a seu favor, quanto mais os dias passam, mais sofrem os povos desses países e abranda o ardor dos seus dirigentes.
Enquanto isso, Trump deverá prodigalizar acenos de paz aos dois países adversários e até reduzir suas condições, como já está fazendo no affair com o Irã. Ali, abandonou a exigência para Teerã parar de intervir em outros países e limita-se a pedir que o Irã apenas forneça melhores garantias de que não irá construir bombas nucleares.
Caso as coisas engrossem com Irã e/ou Coreia do Norte, The Donald dificilmente atacará esses países. Embora ele não tenha conseguido acordos de paz, o povo levará em conta que seu presidente fez de tudo para se alcançar esse objetivo.
Com a mudança da política presidencial, John Bolton e outros assessores linha dura tornaram-se incômodos. The Donald já estaria iniciando a fritura do seu falcão mais feroz.
Disse o New York Times, que, na reunião da AIPAC (maior lobby pró-Israel nos EUA), ele pediu ao magnata e grande doador de suas campanhas, Sheldon Anderson, que sondasse Bolton. Como ele estaria se sentindo diante da nova orientação de Trump?
No dia 30 de maio, o mesmo New Tork Times reportou sérios desentendimentos entre os dois. Para analistas, seria o primeiro movimento para o falcão cair do poleiro.
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.