Correio da Cidadania

Antes de lançado “acordo do século”, já se foi

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Desse novo acordo de paz na Palestina, que Trump chama “o acordo do século”, foram divulgados alguns pontos básicos, via informantes anônimos de alguns jornais como o Haaretz, o Hayon e o Washington Post e o site do Middle East Monitor.

Que podem ou não ser verdadeiros. Mesmo assim, os dirigentes dos partidos palestinos não hesitam em rejeitar o acordo de Trump como digno apenas de vários usos inadequados, inclusive um que a boa educação me impede de mencionar.

E os palestinos têm bons motivos para serem tão radicalmente negativos. Não dá para acreditar na imparcialidade de um presidente norte-americano que reconheceu toda Jerusalém como capital de Israel, fechou o escritório da Organização para Libertação da Palestina (OLP) em Washington, cortou os subsídios para os refugiados palestinos e os hospitais da Cisjordânia e reconheceu a anexação de Golã por Israel.

O viés pró-Israel de Trump ficou ainda mais claro quando ele nomeou, como seus representantes na construção do acordo, três judeus de direita, comprometidos com o governo de Telavive: seu genro, Jared Kushner; o embaixador norte-americano em Jerusalém, David Friedman (ambos financiadores dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, criticados por todo o Ocidente) e Jason Greenblat, seu ex-advogado.

Durante os cerca de 15 meses em que o plano foi montado, esses cidadãos raramente ouviram o que os dirigentes palestinos tinham a dizer.

Preferiram dedicar seu tempo a contatos diretos com Netanyahu e sua coterie, documentados por inúmeras fotos deles carinhosamente abraçados a esses políticos israelenses, tributando-lhes declarações de amizade eterna, mescladas com críticas duras a movimentos palestinos ditos intransigentes, que estariam sempre criando casos.

Para que ninguém duvide de sua parcialidade, o embaixador Friedman proclamou em alto e bom som que “Deus está do lado de Israel”.

Por sua vez, Kushner demonstrou-se contrário à independência da Palestina, pelo menos agora, ao afirmar que os palestinos não sabem governar, embora ele tenha esperanças de que um dia chegariam lá.
Jason Greenblat não ficou atrás: culpou o Hamas pelos problemas da sofrida população de Gaza.

Recentemente, Kushner contou à imprensa qual era a ideia básica do acordo: 30 bilhões em investimento, empréstimos e doações para levar o desenvolvimento à Nova Palestina e a prosperidade a seus felizes cidadãos.

Anunciou também a realização em 26 de junho de uma conferência no Bahrein, batizada de “Paz e Prosperidade”, com a participação dos países que forneceriam os bilhões prometidos.

Quanto a detalhes sobre a nova configuração política proposta para a região, Kushner fez que não era com ele. Recusou-se a falar sobre assuntos chatos como independência palestina, a permanência da solução dos dois Estados (até agora defendida pelo Ocidente em peso), o futuro dos assentamentos, a situação dos refugiados palestinos etc.

Funcionários árabes, familiarizados com as démarches de Kushner e seus parças, entenderam que o genro de Trump deixara escapar que o plano consagrava o controle israelense dos territórios disputados (Washington Post, 14 de abril).

Ele repetira, assim, o que dissera o fogoso embaixador David Friedman na conferência anual da AIPAC, lobby americano pró-Israel: pelo acordo, Israel manteria total controle na segurança da Cisjordânia ocupada e também no Vale do Jordão (Middle East Monitor, 28 de março).

Em 29 de maio, autoridades norte-americanas confidenciaram ao Middle East Monitor (sempre sob sigilo) que “no acordo do século as forças armadas israelenses exerceriam o controle dos assentamentos, do Vale do Jordão e das fronteiras durante cinco anos, enquanto as negociações se desenvolviam”.

Conclui-se por estas palavras que, num período de transição de cinco anos, as partes deveriam discutir os detalhes do acordo, permanecendo a Cisjordânia ocupada pelo exército de Israel, enquanto isso.

Quanto à questão dos assentamentos, segundo diversos informantes anônimos, a proposta do “acordo do século” não fará os palestinos bendizerem Donald Trump. Longe disso.

Todos os blocos de assentamentos próximos à fronteira seriam anexados a Israel. Antes, porém, sua superfície, englobando a já ampla área C (60% da Cisjordânia), aumentaria para dar espaço aos assentamentos isolados, espalhados pela região, que optassem pela sua mudança para essa localização.

Mas não se prevê o abandono dos assentados que preferirem continuar onde estão. Eles seguiriam sendo cidadãos israelenses, com seus assentamentos integrados a Israel, através de rodovias especiais.

Em compensação, Israel teria de parar de construir novos assentamentos, durante os cinco anos de transição. Essa proibição não valeria para construções nas áreas que se espera virão a ser anexadas.

Com essas medidas será respeitada a promessa feita por Netanyahu, na última campanha eleitoral, de jamais entregar um único assentamento aos palestinos.

Quanto à situação dos cinco milhões e quatrocentos mil refugiados palestinos e seus descendentes, a maioria espalhada pelos países vizinhos, as informações vazadas pelos anônimos são, em geral, vagas.

No entanto, sabe-se com certeza é que, nas últimas semanas, Kushner e sua equipe tentaram conseguir que chefes de governos árabes aceitassem receber em suas nações esses palestinos (expulsos pelo exército israelense em 1948 e 1967) e seus descendentes, concedendo cidadania a todos eles.

Não está havendo receptividade. No Líbano, a constituição proíbe espalhar indiscriminadamente direitos de cidadania a estrangeiros.

O Egito não está a fim de tomar decisões que favoreçam planos rejeitados pelos dirigentes palestinos, como a solução de Trump.

Quanto à Jordânia, já há palestinos demais refugiados no país. Falta espaço para a entrada de numerosos integrantes dessa nacionalidade.

Mesmo que todos estes países topassem atender aos estadunidenses, não seria suficiente trazer multidões de palestinos e jogá-los em áreas desocupadas.

Não adianta muito eles terem se tornado cidadãos de um desses países, raros encontrariam trabalho, pois o desemprego é grande também no Oriente Médio.

Só lhes restaria agruparem-se em campos de refugiados, dependentes de subsídios de nações ricas, trocando assim sua atual vida precária por outra exatamente igual.

Não se sabe se o plano do século preocupou-se com esse fato. Nenhum dos informantes dos jornais o referiu.

O que todos eles contam é que na Nova Palestina só a polícia poderá portar armas, por sinal, leves. Armamentos de guerra ficam totalmente excluídos. Ora, sem armas, não existe exército.

Para sanar essa carência, prevê-se um acordo com Israel, para que seu exército, ainda estacionado no Vale do Jordão, proteja a Nova Palestina de ataques externos.

Mas, não em confrontos com Israel. Alguém duvida que qualquer divergência entre os dois Estados não seria resolvida pela intervenção do exército israelense?

Detalhe: nos termos do acordo, as despesas do exército ficariam por conta da Nova Palestina.

Em Gaza, que faria parte do novo Estado, o Hamas seria obrigado a passar o governo ao presidente da Autoridade Palestina, Mohamed Abbas, político de índole acomodatícia, que jamais lançaria foguetes contra Israel. Cumpriria também a ele cooperar com autoridades de segurança israelenses para conter possíveis rebeldias da população local.

Diante da firme (e até justificável) crença de que o plano do século de Trump só pode interessar a Israel, todos os dirigentes palestinos o condenam.

Admitimos que as informações de anônimos, que vazaram em diversos jornais e sites, não são oficiais.

No entanto, considerando a credibilidade das fontes e dos jornais que as veicularam, devem ser, pelo menos parcialmente, verdadeiras.

A nova configuração política viabilizada por The Donald está nesse caso.
Se for mesmo o que os informantes anônimos vêm revelando à imprensa, os palestinos ganharão muito pouco.

De fato, espremida entre o Vale do Rio Jordão, sob ocupação do exército israelense e a vasta área dos blocos anexados por Israel, a Nova Palestina teria ainda parte dos seus territórios não-contíguos, separados por assentamentos que permanecerão israelenses, por decisão dos seus moradores.

Nesses estreitos limites, a viabilidade do futuro Estado palestino ficará seriamente comprometida.

Tão ou mais importante do que a esperada rejeição palestina é a postura dos países árabes, com cujo apoio os EUA davam como certo.

Não foi exatamente o que os representantes de Trump esperavam.

Disse o rei Salman, da Arábia Saudita, na reunião dos líderes da Organização da Cooperação Islâmica (OIC): “A causa palestina é o marco dos trabalhos da OIC e o foco de nossa atenção até que o fraternal povo palestino conquiste todos os seus legítimos direitos”.

Além disso, em reunião com Mohamed Abbas, presidente da Autoridade Palestina, o monarca foi incisivo ao garantir que não aceitaria nenhum plano que contrariasse a causa palestina.

Presidente Sissi, do Egito: “Não aceitaremos nada que os palestinos não queiram (Reuters, 2 de junho)”.

Emir do Catar: “A prosperidade econômica não pode ser alcançada sem soluções políticas aceitáveis pelos palestinos”.

Sultão do Omã: “Nada que impeça o estabelecimento do Estado Palestino seria aceitável (Al Jazeera, 6 de junho)”.

Rei Abdula, da Jordânia: “uma paz durável no Oriente Médio só pode acontecer com a criação do Estado palestino em terras tomadas por Israel na guerra de 1967 (Reuters, 31 de maio)”.

Para fazer calar estas vozes, o plano Trump acena com um futuro radioso, acima das expectativas mais otimistas. Uma Nova Palestina, cortada por modernas pontes, viadutos e rodovias, servida por completa infraestrutura – usinas elétricas, estações de purificação de água, hospitais, portos e aeroportos.

Onde a população encontraria trabalho bem remunerado, morando em habitações com o conforto necessário.

Tudo isso construído pelo “acordo do século”, com os bilhões oferecidos pelos países do Golfo Pérsico, os Estados Unidos, a União Europeia, o Japão e até pela China.

Estas maravilhas foram apregoadas pelos informantes anônimos do Jornal israelense Hayon. Podem até serem reais, embora pareça difícil acreditar que a China e mesmo a União Europeia topassem colocar seus bilhões nessa aposta.

Os líderes palestinos não se deixam comover por esses sonhos das mil e uma noites. Para eles, a independência e o respeito aos direitos do povo vêm em primeiro lugar.

George Bisharat, professor da faculdade de direito de Hastings, de San Francisco, conta por que não acredita nessa prosperidade prometida pelos EUA: “É difícil existir crescimento e desenvolvimento econômico sustentáveis, a menos que você tenha controle sobre seus próprios recursos: suas fronteiras, espaço aéreo, água e outros recursos semelhantes. Isso, eu penso, é o fundamentalmente errado no enfoque que Kushner parece estar promovendo”.

Pela sua experiência na selva dos negócios, Trump e genro provavelmente pensam que o dinheiro compra tudo. Devem estar surpresos ao descobrirem que a honra do povo palestino não está à venda.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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