A aposta arriscada do Irã
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- Luiz Eça
- 08/07/2019
Quando retirou os EUA do Acordo Nuclear com o Irã, em 2015, Trump declarou guerra econômica ao país. Através do que chamou de “máxima pressão”, impôs sanções severas para asfixiar a economia iraniana, com participação involuntária da Europa e do resto do mundo, forçados a não investir no Irã e a parar de comprar seu petróleo.
Seu objetivo era obrigar o Irã a aceitar a introdução de normas mais rígidas no acordo, fechar seu programa de mísseis balísticos e renunciar a um papel ativo na política do Oriente Médio.
Sob o peso das sanções, o Irã entrou em crise. Sua economia deve encolher 6% neste ano, com a inflação atingindo 52,6% (FMI) e o PIB caindo 4,5%, depois de uma queda de 1,9%, em 2018 (World Bank).
As exportações de petróleo, de longe o principal produto do país, que, antes das sanções chegavam a 2,5 milhões de barris por dia - não passaram de 400 mil, em maio deste ano (Oil Price, 29 de junho). O desemprego atual é de 12,5%, 16% no caso dos jovens.
Neste ambiente tormentoso, com inflação alta e crescente, além da grande falta de alimentos, medicamentos e outros produtos essenciais, a vida está ficando cada vez mais difícil para o povo iraniano.
Recentemente, o presidente Rouhani comparou as angústias da sua nação ao sofrimento que todos tiveram de gramar durante a guerra entre o Irã e o Iraque. Mas garantiu que não vai recuar.
Com a economia iraniana fazendo água, negociações insistentemente propostas pelo governo de Washington seriam, aparentemente, uma tábua de salvação.
Pelo menos, representariam uma esperança. Esperança vã, garante o governo iraniano.
Ele afirma que negociações não trarão qualquer concessão significativa ao país. The Donald jamais retiraria suas exigências não só porque deixaria indignados os aliados Israel e Arábia Saudita, inimigos do regime iraniano, como também iria contrariar seus interesses hegemônicos no Oriente Médio.
Para se defender da ação devastadora dos EUA, o Irã tem uma estratégia definida: aguentar os efeitos da crise decorrente das sanções até as eleições presidenciais norte-americanas, em novembro de 2020, quando um candidato democrata pode ganhar.
E, possivelmente, mudar tudo.
Tanto Joe Biden, o favorito, quanto Bernie Sanders e Elizabeth Warren, que vêm subindo nas pesquisas, têm posições adversas às principais políticas de Trump no exterior. Com qualquer deles na Casa Branca, a “máxima pressão” do presidente deve arrefecer. Ou acabar, caso um dos últimos, ambos progressistas, vença.
Teerã conta com que, sob um presidente democrata, os EUA voltem ao Acordo Nuclear que Trump rejeitou ou, pelo menos, abrandem as sanções para o Irã conseguir se levantar.
Contra-ataque
Mas a estratégia iraniana não se limita a deixar a banda passar, de olho em novembro de 2020.
Ela envolve também um componente agressivo: o enfrentamento dos EUA em pé de igualdade, revidando ameaças com ameaças.
Enquanto Trump fala que poderá reduzir o Irã a cinzas, Rouhani fala que poderá bloquear o golfo de Omã, por onde circulam 30% das exportações mundiais do petróleo, o que causaria uma elevação desmesurada dos preços deste produto e reeditando algo talvez pior do que a crise mundial de 2008.
Avançando na sua postura ousada, Teerã foi mais longe ao enviar um ultimato aos signatários europeus do Acordo Nuclear: sairia gradualmente desse acordo, se eles não encontrarem meios para cumprirem seus compromissos de colaborar decisivamente para o desenvolvimento iraniano, driblando as sanções estadunidenses, num prazo que venceu neste 7 de julho.
Seus governantes lembram que investir no Irã e promover o comércio dos países europeus com Teerã são itens básicos do Acordo Nuclear.
Representam a contrapartida europeia à desistência do Irã em promover um programa nuclear pacífico, que facilmente poderia se tornar militar.
O Irã está fazendo sua parte, conforme atestam repetidas fiscalizações da Agência Internacional de Energia Atômica. No entanto, Teerã acha que os europeus não estariam se esforçando para cumprir suas obrigações.
Os blefes
Os principais governantes da Europa argumentam que estão fazendo o possível, mas não podem obrigar suas empresas a investirem no Irã, temerosas que são das duras sanções yankees.
Talvez os iranianos tenham razão. Por coincidência ou não, poucas semanas depois do ultimato iraniano, Federica Mogherini, chefe de Política Exterior da União Europeia, anunciou que um mecanismo especial para promover negócios livres das sanções estava em operacionalização e em breve seria lançado.
Foi o que aconteceu. Na semana seguinte, a União Europeia informou que o INSTEX já acabava de ser implementado. Trata-se de um sistema de pagamentos de país a país sem o uso de dólares.
Foi criado há sete meses, sob protestos e insinuações ameaçadoras dos EUA. Nos meses seguintes, não se falou mais nele. Parecia ter deparado com barreiras insuperáveis. Por fim, em fins de junho, Federica Mogherini afirmou que o INSTEX estava prestes a sair do papel.
Logo que os primeiros negócios entre empresas europeias e iranianas se realizarem com sucesso, Teerã brecará o processo de aumento do enriquecimento do seu urânio acima dos 3,6% impostos pelo Acordo Nuclear.
Se o INSTEX acabar sendo uma bola fora, o jogo começa a ser muito perigoso para o Irã.
Teria de desrespeitar normas do Acordo Nuclear, num processo por etapas, até torná-lo letra morta.
Os signatários europeus, que até agora reprovam a desatinada retirada dos EUA de Trump, em apoio ao Irã, mudarão de lado. O país de Rouhani ficará isolado, sem ninguém que o defenda de uma eventual agressão.
É verdade que, The Donald não quer guerra. Seria muito desvantajoso para sua almejada reeleição, pois pegaria mal mesmo em boa parte dos seus adeptos.
Em recente pesquisa Hills-Harris, 58% dos respondentes se disseram contra uma abordagem militar no conflito com o Irã. Apenas 5% eram a favor da guerra e 19% preferiam ataques limitados.
As cartas
Uma guerra contra os iranianos não seria propriamente um passeio. The Donald falou que em poucos dias o Irã seria derrotado, previsão nada realista.
O Irã tem o 14º maior exército do mundo. Seus soldados parecem fortemente motivados, ao contrário do visível desinteresse das forças de Saddam Hussein na Guerra do Iraque. O país possui modernos mísseis de curta, média e longa distância, capazes de atingir as bases norte-americanas na região.
Seus sistemas antimísseis são muito eficientes inclusive no ataque a bombardeiros inimigos. E os enormes porta-aviões estadunidenses correm sérios riscos por obra de uma frota de pequenas belonaves equipadas com lançadores de mísseis, difíceis de serem detectadas pelo radar.
Ainda que os EUA poupem seus soldados, concentrando seus ataques nos bombardeios balísticos a partir de aviões e navios, baixas pesadas serão inevitáveis, além de grandes danos nas suas bases na região.
Com isso, o número de norte-americanos contrários à guerra deve subir vertiginosamente, reduzindo as chances de reeleição do atual morador da Casa Branca.
Ainda assim não dá para descartar a opção militar.
Além de o presidente ser um indivíduo de comportamento errático, ele tem à sua volta ferozes falcões tipo Jonh Bolton e Mike Pompeo, mais uma enfiada de generais ansiosos para fazer valer os músculos de Tio Sam contra países rebeldes.
No lado oposto, o moderado presidente Rouhani também tem de se haver com generais e aiatolás agressivos, muitos deles tão fanáticos que acreditam piamente numa ajuda decisiva dos céus.
É bem possível que os “loucos por guerra” dos dois lados ganhem força à medida que o tempo passa e a troca de insultos cresça em volume e intensidade.
Falcões em alta, conflitos verbais se sucedendo e impulsos furiosos do id presidencial desenham um quadro em que uma mera ação militar isolada, desviada da necessária contenção, poderia evoluir para uma guerra.
Uma guerra cujas consequências se estenderão além do Oriente Médio, chegando muito, mas muito mais longe.
“Não perguntes por quem os sinos dobram. Porque eles dobram por ti (John Donne, poeta inglês)”.
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.