Correio da Cidadania

Quem rompeu o acordo nuclear?

0
0
0
s2sdefault

Imagem relacionada

No Acordo Nuclear do Irã com os chamados 5+1 - EUA, Reino Unido, França, Alemanha, China e Rússia - o governo de Teerã concordava em tomar uma série de medidas para interromper seu programa nuclear pacífico, cujo prosseguimento acabaria possibilitando a criação de bombas nucleares.

Em contra partida, os P5+1 se comprometiam a cancelar quase todas as sanções sobre os iranianos e contribuir para acelerar o desenvolvimento do país.

Quando os EUA saíram do Acordo Nuclear com o Irã, em maio de 2018, os outros países protestaram.

Trump não ligou nem um pouco. Fez mais: impôs sanções que bloqueavam na prática os estrangeiros de negociar com os iranianos e de investir no país.

Mas o acordo não acabou, os europeus e iranianos garantiram que referendavam todas as obrigações nele assumidas, o que foi formalizado num documento, em outubro de 2018.

Durante sete meses os iranianos continuaram cumprindo o que tinham prometido. Já os europeus não fizeram seu dever de casa. Sem os investimentos e compras das principais nações do Velho Mundo, a economia iraniana estava indo para o brejo.

França, Alemanha e Reino Unido alegaram que não fora possível. Suas empresas não tinham coragem de negociar com o Irã e desafiar as sanções da maior potência econômica e militar do mundo, ainda mais sob o governo do belicoso Donald Trump.

Teerã cansou-se de esperar pelas ações dos países do P5+1. Já que, no entender do governo Rouhani, eles não estariam se esforçando, ameaçou que iria, gradativamente, descumprir o que acordara na assinatura do acordo.

Teerã começou a alterar cláusulas num pique lento, até que, a partir de 7 de julho, engatou uma quarta e pisou no acelerador.

Passou a aumentar seu estoque de urânio pouco enriquecido acima dos prometidos 300 quilos e a elevar seu grau de enriquecimento fixado em 3,67%, prometendo chegar aos 20%.

Seria insuficiente para se fabricar uma bomba nuclear, mas dali em diante poderia alcançar em pouco tempo os 90% necessários.

Choveram os protestos. Até Trump rugiu, indignado, apesar de não ter nada a ver com isso, pois os EUA estavam fora do acordo.

França, Reino Unido e Alemanha promoveram várias reuniões, tentando demover o governo iraniano de uma decisão capaz de gerar uma guerra com os EUA.

Apressaram a concretização do INSTEX, um sistema que permitiria a importação de produtos iranianos sem o uso de dólares, fugindo assim às sanções de The Donald.

Seria ótimo se desse certo. Coisa que até agora não está acontecendo. As empresas europeias continuam vendo em Donald Trump uma fera raivosa capaz de tudo, ainda mais contra aqueles que tentassem fazê-lo de bobo.

Enquanto isso, o morador da Casa Branca e seus parças, Bolton e Pompeo clamam para que a Europa saia desse acordo nuclear falido, “desrespeitado pelo Irã.” Governantes europeus lamentam e exigem a volta de Teerã ao bom caminho, caso contrário, adeus acordo e adeus paz. E a imprensa internacional faz eco às censuras ao desleal Irã. Até mesmo o independente (até certo ponto) The Guardian fala em manchete que foram os iranianos que romperam um acordo, que o mundo inteiro celebrava como oportuno e necessário.

Diante do peso de tantas afirmações de autoridades de tal respeitabilidade, a opinião publica é levada a por as culpas no Irã.

A verdade é bem outra. Depois da saída dos EUA pela porta dos fundos, o acordo não foi para o espaço; continuou vivo, graças à manutenção pelos europeus e a China das mesmas obrigações que eles tinham assumido.

Na reunião de julho, os países do P5-1 fizeram uma declaração na qual constava o texto abaixo, sob o item número 6:

“Os participantes reconheceram que, em retorno à implementação pelo Irã dos seus compromissos nuclear-relacionados, o levantamento das sanções, incluindo os dividendos econômicos decorrentes disso, constituem uma parte essencial do JCPOA (comitê gerenciador do Acordo Nuclear)”.

E o documento avançava nesse assunto em seu item 8:

“Os participantes afirmaram seu compromisso, considerando os seguintes objetivos em boa fé e numa atmosfera construtiva: manutenção e promoção de relações econômicas e setoriais mais amplas com o Irã; preservação e manutenção de canais financeiros efetivos com o Irã; continuação das exportações iranianas de petróleo e gás, produtos de petróleo e petroquímicas”.

E o que aconteceu? Enquanto os iranianos cumpriam escrupulosamente suas obrigações (atestado por inspeções periódicas da Agência Internacional de Energia Atômica), os europeus não cumpriram as deles. Não conseguiram promover nem investimentos no Irã, nem exportações do petróleo do país.

Ora num acordo, quando uma das partes deixa de fazer o que se comprometeu, ela está rompendo esse acordo.

Portanto, é inegável: quem rompeu o acordo nuclear com o Irã foram as potências do P5+1.

É como o contrato de compra de uma casa, a prazo. Se você deixa de pagar uma prestação, por mais motivos humanos que alegue, você rompeu o contrato. E perderá a casa se o vendedor quiser.

Os iranianos ainda deram um prazo de sete meses para as grandes potências conseguirem proporcionar algo, alguns investimentos ou compras significativos de petróleo iraniano.

Prazo que ainda vai se estender por vários meses até o programa nuclear de Teerã voltar ao ponto em que foi interrompido pela celebração do acordo, em 2015.

O governo Rouhani forneceu algumas sugestões para os representantes dos governos europeus. Dizem que uma delas foi o empréstimo de uma soma bilionária para o Irã enfrentar seus problemas econômicos, a ser paga futuramente com petróleo. Aparentemente não foi aceita.

Se o impasse perdurar, o Irã terá condições para desenvolver seu programa nuclear e poder usar a energia atômica para fins pacíficos, especialmente na medicina e na produção de energia.

Claro, perderá o apoio político da Europa e, assim, ficará mais fácil para os EUA e seus amigos do peito - Israel e Arábia Saudita - atacarem o território iraniano.

Pode-se esperar tudo do errático The Donald. Mas não vamos esquecer que seu grande objetivo atual é a reeleição.

Como se sabe, o povo norte-americano já se manifestou claramente contra uma guerra ao Irã. Pesquisa Harvard CAPS/Harris revelou que 78% das pessoas aprovaram a decisão de The Donald de cancelar ataque aéreo ao território iraniano, em represália à derrubada do drone norte-americano no golfo de Omã; 57% afirmaram que não querem saber de conflitos militares com os iranianos, sem prévio ataque desse país; e só 38% aprovariam uma intervenção militar dos EUA na região.

O povo não quer ver seus filhos lutando e morrendo no Irã. Dizem que Trump evitaria perdas humanas, usando apenas ataques aéreos, drones e lançamento de mísseis através de navios ancorados no golfo Pérsico.

Claro, parafraseando o grande Garrincha, “você já combinou com os iranianos?”

Como o morador temporário da Casa Branca não faria isso, os militares do Irã não se limitariam a assistir as explosões dos mísseis norte-americanos. Contra-atacariam na certa, enviando centenas dos seus mísseis de curto, médio e longo alcance contra as bases estadunidenses nos Emirados Árabes Unidos, na Arábia Saudita e em outros satélites dos EUA nas proximidades. Muitos militares ali sediados encontrariam a morte.

Os dirigentes do Irã acham que Trump sabe disso e das perdas de votos que seriam provocadas.

Por isso, estão confiantes. Vão sofrer muito chumbo verbal de Trump e retrucar na mesma moeda, acreditando que essa troca de insultos e ameaças não irá redundar em guerra.

É uma aposta perigosa, se perderem seu povo é quem terá de pagar.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
0
0
0
s2sdefault