Correio da Cidadania

O Irã caiu numa armadilha

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O conflito entre EUA e Irã agravou-se depois dos ataques a petroleiros no Golfo Pérsico.

Ao mesmo tempo, a relação do Irã com a União Europeia, até agora amigável, tornou-se delicada depois que Teerã começou a reduzir suas obrigações no Acordo Nuclear, do qual ameaça sair a menos que a Europa faça algo para defender a economia iraniana das sanções de Donald Trump.

Novos eventos aconteceram, pressagiando dias extremamente sombrios para os iranianos.

No dia 4 de julho, fuzileiros navais britânicos apreenderam o petroleiro iraniano Grace 1, que navegava pelo estreito em frente à cidade de Gibraltar, território inglês na Espanha.

O Reino Unido justificou-se: o navio transportava petróleo para a Síria, país cujas importações estavam proibidas por sanções da União Europeia.

Um dia antes, por estranha e providencial coincidência, o governo de Gibraltar (que não tem controle sobre questões internacionais) havia emitido um regulamento que autorizava o “ministro-chefe” a deter qualquer barco caso houvesse “motivos razoáveis” para suspeitas de violações ou violações iminentes dos regulamentos da União Europeia.

Como é óbvio o Irã protestou, garantindo que acusação era falsa. Como também é óbvio, os ingleses juraram o contrário. Há muitas dúvidas para se saber quem está falando a verdade.

O que parece provável é que a apreensão foi, digamos, ao arrepio da lei.
É a opinião de Carl Bindt, ex-primeiro ministro sueco e membro do Conselho da União Europeia de Relações Externas. Ele afirma: “a legalidade da apreensão pelo Reino Unido de um navio-tanque em direção à Síria, com petróleo do Irã, me intriga. Ela se relaciona a sanções contra a Síria, mas o Irã não faz parte da União Europeia. E o princípio da União Europeia não impõe sanções contra países (de fora). Isso os EUA é que fazem (The Guardian,20/07/2019)”.

A posição de Bindt baseia-se no art.35 de resolução do Conselho da União Europeia sobre sanções. Está preto no branco, não há o que negar.
Como, se vê, o governo inglês não hesitou em contrariar a própria lei da União Europeia, o que não fica bem para um país tão ínclito e impecável.
Por que então o governo de Sua Majestade agiu desse modo ?

Ao que tudo indica, para obedecer a ordem que veio dos EUA, conforme o site Lloyds List, em 9/07/2019, ou que foram solicitadas por Washington ao governo de Londres, conforme José Borrell, ministro das Relações Exteriores da Espanha.

O que, afinal, dá no mesmo.

Satélites norte-americanos devem ter localizado o Grace 1 e o governo Trump apressou-se a convocar seu fiel Reino Unido para deter o navio. O que foi aceito pressurosamente. Havia óbices legais à controversa operação.

Os arts. 37, 38, 39, 40 e 41 da Convenção das Nações Unidas sobre a Lei dos Mares, ratificada por 167 países, inclusive o Reino Unido, garantem liberdade da navegação mercantes em estreitos como o Estreito de Gibraltar. Proíbem expressamente que países vizinhos aos estreitos interfiram na passagem de navios mercantes. E definem os poucos casos em que os países costeiros aos estreitos podem intervir. Em nenhuma deles se enquadra a apreensão do Grace 1 (Gareth Porter no American Conservative, 23/07/2019)”.

Acredita-se que com este lance os EUA montaram uma armadilha para pegar o Irã. E o Irã caiu nela. Como a corte da Casa Branca esperava, o indignado governo de Teerã não deixou passar barato.

Retaliando a ação em Gibraltar, apreendeu um petroleiro de bandeira inglesa, o Steno Impero, que navegava pelo Estreito de Ormuz, próximo ao Irã.

Alegou que o barco tinha penetrado em águas iranianas sem autorização.
Como era esperado, o governo de Londres contestou: o Steno Impero estava em águas internacionais. E a apreensão do Steno Impero fora ilegal, exatamente como a do Grace 1.

Só que pelo Estreito de Ormuz passam 20% de todo o petróleo mundial. O Ocidente temeu que, por obra e graça dos iranianos, a navegação por lá poderia ser interrompida até por muito tempo, o que levaria o preço do petróleo para as alturas e a Bolsa para baixo, deixando uma desagradável crise no seu rastro.

Os EUA, como o próprio Trump admitiu, não teriam nada a perder porque atualmente tem muito petróleo, até exportam.

No entanto, no seu papel de “benfeitor da humanidade”, dispunham-se a colaborar, formando uma frota de navios de guerra que escoltariam os petroleiros pelo Estreito de Ormuz. Garantindo sua segurança contra ações “malignas” do Irã.

Trump convocou seus aliados a participarem. Caberia a eles fornecer as belonaves, ficando os EUA com a função de assumir o planejamento e o apoio logístico necessários.

Ninguém topou. Os diplomatas das nações amigas declararam que o clima na região já estava muito quente, com os atentados em navios no Golfo Pérsico e o abatimento recíproco de drones iranianos e norte-americanos. Eles não queriam jogar mais lenha na fogueira.

O Reino Unido respondeu preferir que os países da União Europeia formassem sua própria esquadra.

As informações são de que Itália, França e Dinamarca, de cara, disseram que estão dentro, enquanto a Alemanha pede mais detalhes: em princípio, topa, mas não toma decisões precipitadas. Sabe-se ainda que a ideia foi bem vista pela maioria dos países da União Europeia.

O Irã, que tinha a boa vontade das nações do Velho Mundo, subitamente, está em vias de ficar isolado.

Por solidariedade continental, elas acreditam que o Reino Unido tem razão na controvérsia que o opõe ao Irã. É simples assim.

A tendência é que a confiança que o Irã vem conquistando vá desaparecendo. Enquanto seu regime viria a ganhar uma imagem de irresponsável e agressivo.

E o Irã ficaria sozinho no mundo, sem a proteção europeia contra a fúria implacável dos Estados Unidos de The Donald.

O governo Rouhani sentiu que a barra ficou pesada. Rapidamente prometeu que o Irã garantiria a segurança do Estreito de Ormuz, não permitindo qualquer perturbação nos seus mares. Essa garantia foi apresentada diretamente ao ministro do Exterior da França, Jean-Yves Le Drian, ao qual se dirigiu também um apelo para que se fizesse um esforço para se voltar à diplomacia.

Poucos dias depois, no dia 24 de julho, o presidente iraniano declarou que seu país estava pronto para negociações justas, não só para evitar a ruptura do Acordo Nuclear, também para resolver o problema da navegação no Estreito de Ormuz.

Há dúvidas sobre a tentativa de Rouhani. Até que a Alemanha e a França se esforçaram para driblar as sanções estadunidenses contra o Irã.

Em vão. Sem a colaboração das empresas da região não tem como sequer conseguir atenuar os efeitos das sanções. E até agora nem um único grupo empresarial da região ousou participar de um plano desse tipo, pois significaria desafiar o governo de Washington, sempre pronto a punir rebeldes.

A dura verdade é que o Irã caiu na armadilha. Para escapar, vai depender de um acerto com a Europa, numa negociação em que ele se acha agora em situação fraca.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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