Correio da Cidadania

Virada nas primárias do Partido Democrata

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Pouco depois do lançamento de sua candidatura a presidente nas primárias do Partido Democrata, Joe Biden assumiu a liderança. E logo abriu grande vantagem sobre seu imediato concorrente, Bernie Sanders. Progressista como esse senador por Vermont, a senadora Elizabeth Warren aparecia bem atrás, disputando o terceiro lugar com a também senadora, porém não progressista, Kamala Harris.

Até fins de maio, Biden estava dando uma lavada. Conforme as pesquisas, pelo menos 30% dos eleitores democratas pensavam em votar nele, contra apenas 15% a favor do segundo colocado, Bernie Sanders, relegando os demais a uma longínqua rabeira, com menos de dois dígitos percentuais.

A estratégia do ex-vice-presidente vinha dando certo. Ele se apresentava como o único democrata capaz de derrotar Trump. Em 40 anos de senador, seu desempenho, embora longe de brilhante, merecera elogios discretos pelas suas posturas. Posteriormente, na qualidade de vice de Barack Obama, destacou-se como um colaborador fiel e ativo de um presidente hoje lembrado com saudade pelo povo dos EUA.

Seu passado dava ao eleitor norte-americano a garantia de um governo de bom senso, sem mudanças espetaculares. Com Biden na Casa Branca, o país navegaria em águas calmas, livre das assustadoras tempestades provocadas pela insanidade do governo atual.

Seu mais forte adversário nas primárias, Bernie Sanders parecia ter perdido seu momentum. Na eleição de 2016, ele quase fora escolhido como candidato pelos democratas, vencido pela força da máquina partidária e seus líderes tradicionais, que suaram a camisa por Hillary Clinton.

Sanders empolgara muitos membros do partido, particularmente os jovens, por defender ideias avançadas, mudanças radicais nas estruturas do poder, tendo como alvo a anulação do domínio exercido pelos grupos econômicos e a ampliação dos direitos e condições de vida dos mais pobres. Eram ideias bem vistas numa época em que o país mal começava se recuperar da brutal crise econômica de 2008. E o povo almejava derrotar os responsáveis pela crise, o establishment.

Trump aproveitou-se da irritação popular e vestiu a roupa do paladino do cidadão comum, esquecido pelos políticos insensíveis às dificuldades gerais.

Ele foi visto como alguém crítico dos círculos de poder, comprometido com mudanças profundas nas estruturas, defendendo os interesses da classe média e dos setores abandonados por “aquele pessoal lá de Washington”.

Foi assim que The Donald acabou vencendo e, durante sua gestão, decepcionando a maioria da população dos EUA, que sente ter sido enganada. Nas mais recentes pesquisas a desaprovação ao atual presidente variou entre 51% e 56%.

Mudar dá medo

Para os analistas, os norte-americanos hoje querem estabilidade, temem mudanças, cujos resultados são considerados duvidosos. Não passariam de apostas, muito perigosas, pois que nelas está em jogo os interesses do país e as condições de vida dos habitantes.

Atualmente, a candidatura de Bernie Sanders não é mais tão palatável como em 2016. Parece haver sérias desconfianças em relação a um político declaradamente socialista, portanto, portador de ideias revolucionárias, capazes de virar tudo de cabeça para baixo. Enquanto que Biden não desperta entusiasmos, mas expressa a segurança, de que os EUA sejam conduzidos sem surpresas desagradáveis.

Embora o partido venha tendendo claramente para a esquerda e Bernie Sanders continue desfrutando do respeito geral, considera-se que os estadunidenses médios o veriam como alguém muito avançado, com propostas nunca antes testadas nos EUA e, por isso mesmo, indesejavelmente arriscadas.

Diante deste quadro, previa-se que Bernie seria provavelmente derrotado por The Donald. Por sua vez, o ex-vice-presidente pintava como a única esperança do Partido Democrata contra o perigo da reeleição do presidente republicano.

Esta conclusão, alimentada pela propaganda de Biden, não tem sido confirmadas por recentes pesquisas.

Segundo elas, além de Biden, também Sanders conseguiria despejar The Donald da Casa Branca, se a eleição fosse hoje.

Apesar destes fatos, o senador por Vermont segue perdendo longe para o ex-vice de Obama.

Em setembro, porém, verificou-se que nem tudo estava perdido para a esquerda dos democratas, os chamados “progressistas”.

A alternativa

Um deles, a senadora Elizabeth Warren que, no começo aparecia confinada a um longínquo terceiro lugar, engatara em julho uma terceira e no período entre a segunda quinzena do mês de setembro e os primeiros dias de outubro tirou o sono de Biden: entre as seis pesquisas selecionadas pela Real Clear Politics, Warren venceu a metade.

E mais: na média dessas pesquisas, ela reduziu a diferença que a afastava do líder de 15% para apenas 2%. E o placar das primárias democratas mudou bastante: Biden, 26%; Warren, 24 %; Bernie, 17%.

Nas pesquisas sobre as três primeiras pré-eleições do Partido Democrata, Elizabeth Warren aparece de forma destacada: vence Biden em Iowa (22% versus 20%) e em New Hampshire (27% versus 25%), perdendo apenas em Nevada (19% versus 23%).

Em um eventual confronto com Trump, recente pesquisa a coloca na frente (48% versus 44%).

O que teria causado esta alteração tão profunda no ranking dos candidatos?

Até há pouco, a senadora por Massachusetts não era bem conhecida.

A partir de junho, começaram a se realizar debates entre os presidenciáveis democratas. A imprensa aumentou sua cobertura das primárias do partido e das ideias dos postulantes.

E os estadunidenses foram descobrindo Elizabeth Warren. Parece que estão gostando.

Sua atuação no Senado, suas posições políticas e propostas de governo são extremamente parecidas às de Bernie Sanders. Há algumas diferenças, poucas, mas que pesam muito na opinião do público.

Ela não é socialista como Sanders. Seu norte é a reforma do capitalismo norte-americano, destronando os grupos econômicos e seus seguidores políticos, reduzindo as desigualdades e defendendo o direito da população a uma vida melhor. Algo próximo ao slogan dos trabalhistas ingleses: governo para os muitos.

Em alguns pontos concretos, a senadora, embora somando com Sanders, opta por tons menos radicais. Por exemplo: ambos defendem a taxação dos mais ricos, mas, enquanto o senador por Vermont propõe que sejam incluídos todos os que possuam um patrimônio líquido de 32 milhões de dólares ou mais, a senadora por Massachusetts contenta-se com um limite mínimo de 50 milhões.

Em política externa, os dois defendem os direitos dos palestinos.

Ao contrário do judeu Sanders, Elizabeth Warren só adotou esta posição a partir de 2017. Os críticos de esquerda mais exigentes, como o site Electronic Intifada, reclamam que ela nunca se pronunciou sobre o direito dos palestinos refugiados voltarem, o fechamento da embaixada norte-americana em Jerusalém e a devolução à Síria das colinas de Golã, anexadas por Israel. Além disso, Warren continua taxando o Hamas como terrorista, embora o movimento pela libertação da Palestina tenha abandonado formalmente esse método de ação.

Em outras propostas básicas, os dois candidatos progressistas brandem as mesmas bandeiras: saúde para todos, garantida por serviços estatais; universidade grátis; salário mínimo de 15 dólares por hora; redução das desigualdades; repressão aos abusos do mercado financeiro e das empresas de cartões de crédito e corte radical das despesas com armamentos (o orçamento militar dos EUA – quase 700 bilhões de dólares – é igual à soma dos orçamentos militares das demais 10 potências que mais gastam em armas).

Acredito que, daqui para diante, Biden vai sofrer duros ataques pelo governo, o que poderá prejudicar sua candidatura e, por conseguinte, fortalecer a de Elizabeth Warren.

Trump já esboçou sua defesa no inquérito do impeachment que o ameaça. Acusou o ex-vice de Obama de, em 2016, como representante dos EUA, ter pressionado o então presidente Poroschenko, da Ucrânia, a despedir o procurador geral que estava investigando a empresa Burisma. Detalhe: Hunter, filho de Biden, pertencia ao quadro de diretores da Burisma, contratado por 3 milhões de dólares para fazer lobby em favor da empresa.

Biden justificou-se, alegando uma série de fatos, por enquanto aceitos pela imprensa. Mas Trump ainda tem seus trunfos na manga e certamente vai usá-los para tentar desviar o foco das acusações contra ele para as ações do seu aparentemente grande rival entre os pré-candidatos democratas.

A bomba no quintal

Pode ser até que essa manobra pegue. Que a maioria dos norte-americanos acredite que Biden andou mesmo pisando na bola.

É de se crer, porém, que o crescimento de Warren, vitaminado pelos ataques do governo a Biden, a leve à liderança na corrida pela candidatura dos democratas a presidente dos EUA.

Se for assim, o que parece bem possível, The Donald pode ter desperdiçado sua artilharia, mirando no alvo errado.

Enquanto as cortinas do inquérito do impeachment forem se abrindo, espera-se que novos detalhes incriminadores virão para o palco.

Acuado, Donald Trump terá de convencer a opinião pública de que é inocente do crime de usar o poder do presidente dos EUA e o dinheiro dos contribuintes em favor dos seus interesses eleitorais.

Se não tiver êxito, mesmo que o Senado, dominado pelos republicanos, vete o impeachment, o povo não deixará de vetar seu desejo pela reeleição.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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