Correio da Cidadania

Os estadunidenses começam a abrir os olhos

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Durante muitas décadas a política norte-americana de manter e mesmo expandir seu poder imperial foi apoiada pelo povo.

Pentágono e Casa Branca, com apoio da grande mídia, espalharam a ilusão apoteótica do país destinado por Deus a liderar o mundo pela democracia.

Talvez por razões pragmáticas, essa posição foi universalmente ratificada quando o país de Washington e Lincoln assumiu o papel de defensor da humanidade contra a ameaça hegemônica das bárbaras ditaduras nazista e soviética.

Ao mesmo tempo os estadunidenses trataram de justificar o emprego da força contra alguns países hostis aos nobres desígnios do império. Mas o tempo costuma ser um fator inexorável de mudança.

Acostumados com a automática aprovação dos seus atos, os governos de Washington entraram numa rota crescente de intervenções cada vez mais abusivas.

Sob Trump, tornou-se corriqueiro o uso de sanções devastadoras que penalizam povos inteiros com a fome, a doenças inclusive epidêmicas, a privação de moradia e o esgarçamento do tecido social.

Aos poucos, o povo dos EUA começou a questionar as ideias supremacistas do establishment nacional e a olhar a realidade de forma mais racional.

As pesquisas vêm mostrando que a ideologia imperial vem perdendo terreno. As intervenções militares com fins de ampliar hegemonias já não são mais apoiadas de formas tão generalizada.

Pesquisa da Pew Research Center, realizada em julho deste ano, revelou que a maioria dos norte-americanos considera que as recentes guerras no Oriente Médio, que custaram cerca de 5 trilhões de dólares e as vidas de sete mil soldados não valeram á pena, foram inúteis e descabidas (The Guardian, 11-11-2019).

Em relação à intervenção militar no Iraque, a posição contrária venceu por 62%%, contra 32% favoráveis.

Quanto à guerra sem fim no Afeganistão, o placar foi 59% a 36%; e 58% dos estadunidenses renegam a intervenção militar na Síria, contra 36% que a apoiam.

A Pew também checou a opinião dos veteranos dessas guerras. Os resultados foram praticamente iguais ao da população em geral.

A maioria dos veteranos (64% a 33%) afirmou que não valeu à pena lutar no Iraque, enquanto no Afeganistão o resultado foi 58% a 38% e na Síria a intervenção militar foi vista de forma negativa por 55%, ante 42% de apoiadores.

O Smithsonian Institute também quis ouvir o que pensavam veteranos e militares na ativa no conflito do Afeganistão. O resultado foi ainda mais contundente: nada menos do que 84% afirmaram que a guerra e a ocupação desse país do Oriente Médio “já foram longe demais” (Idaho Statesman, 14-11-2019).

Todos esses números são eloquentes: o povo e, especificamente, os veteranos das guerras querem que o governo retire as tropas envolvidas nessas três guerras.

E corroboram outras pesquisas que definem o povo da América como refratário a guerras desnecessárias para a defesa nacional.

Ou seja, guerras ligadas a interesses imperiais. Como presidente dos EUA, Trump não é obrigado a aceitar resultados de pesquisas.

Numa democracia, todo o poder emana do povo, mas somente quando ele se expressa através de eleições ou referendos.

Pesquisas não são instrumentos legais para os cidadãos manifestarem sua vontade.

Mas ninguém duvida de que os norte-americanos estão fartos de guerra, querem our boys de volta para casa. E o mais rápido possível. The Donald é quem parece não ter muita pressa.

Ele insiste em manter no Iraque as tropas que lutaram contra o Estado Islâmico (EI), apesar de o califado estar reduzido a um movimento terrorista como tantos outros, sem um exército capaz de tomar cidades.
Essa decisão estratégica vincula-se ao objetivo final de aniquilar o regime republicano/religioso do Irã.

Posicionados em diversas bases no território iraquiano, os soldados norte-americanos estão prontos para entrar em ação contra o governo de Teerã, em caso de guerra. Algo que, como se sabe, o povo dos EUA não quer, de jeito nenhum. Pode bem ser que acabe acontecendo, pois as sanções, que estão destruindo a economia dos iranianos pode conduzir ao desespero e a ações cada vez mais agressivas contra seus algozes.

No Afeganistão, a diplomacia dos EUA tinha praticamente acertado um cessar fogo com os talibãs, prelúdio de um provável acordo de paz entre as duas forças.

Na última hora, Trump desistiu, alegando má fé dos adversários, pois não tinham mantido seus ataques mesmo durante as negociações, objetivando alcançar uma posição de força na discussão das cláusulas do acordo.

Só que “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” é um principio valorizado pela Casa Branca.

Trump desconsiderou o fato de estar cometendo exatamente o mesmo pecado que atribuía aos talibãs. Até com mais intensidade, pois entre 10 de maio e 8 de agosto (enquanto as negociações entre as partes corriam soltas), sua força área, somada às forças de países aliados da OTAN e do Afeganistão, tinham aumentado seus ataques em 57%, comparando com o mesmo período em 2018.

Na guerra da Síria, os norte-americanos abandonaram os bons amigos curdos aos ataques militares dos turcos. Na retirada para o vizinho Iraque, parte das suas forças foram desviadas para tomar um campo petrolífero de propriedade do Estado sírio.

The Donald garantiu que continuariam a ocupação explorando o petróleo local para fornecer recursos aos curdos em sua luta para garantir sua secessão da Síria.

Evidentemente essa ação é ilegal, pois se trata de um autêntico roubo de uma região e recursos naturais alheios. Na verdade, os impérios só reconhecem proibições do Direito Internacional legais quando alvejam adversários.

As questões mais sérias envolvidas nas intervenções militares dos EUA no Oriente Médio são outras.

Existem perspectivas concretas de conflitos bélicos com a Rússia, engajada na defesa do governo de Damasco, e com o Irã, pela disputa da influência sobre o Iraque e pela amplificação da política de “pressão máxima” dos EUA sobre o país do presidente Rouhani.

Não podem ser descartadas as possibilidades de que tais conflitos degenerem em guerras, generalizadas por todo o Oriente Médio.

Para Donald Trump, isso seria uma hecatombe, um golpe brutal nos seus sonhos de emplacar mais um período na Casa Branca. Uma missão talvez impossível convencer o povo de que essa eventual conflagração teria sido culpa dos malignos inimigos dos valores tradicionais da sociedade norte-americana.

Por outro lado, pode ser inviável controlar a pressão do Pentágono, adepto das soluções militares, e da voracidade por lucros da indústria de armamentos, cujas vendas quase igualam o total obtido por suas concorrentes no exterior.

O povo dos Estados Unidos parece consciente do papel dessa indústria no fornecimento dos meios para, não só preservar as guerras, como também reprimir brutalmente protestos populares, isso sim um desrespeito aos direitos humanos, que alicerçam a Constituição dos EUA.

Do desfecho do choque entre os interesses eleitorais do presidente e os interesses do império e das grandes corporações de armas dependem questões capitais.

Principalmente a segurança do planeta.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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