Correio da Cidadania

Guerra ao Irã pode começar no Iraque

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Terceira Guerra Mundial? Conflito entre EUA e Irã toma conta do ...
Na semana passada, o New York Times revelou uma mensagem vazada do Pentágono aos comandantes das tropas no Iraque.

Ordenava que eles preparassem uma ofensiva para destruir grupos de milicianos ligados ao Irã, que vinham provocando os EUA com repetidos ataques a bases estadunidenses, tendo até matado alguns soldados.

Ao mesmo tempo, o presidente Trump, em um briefing à imprensa, declarou que, de acordo com informações, o Irã ou seus proxies (grupos associados a Teerã) planejavam um “ataque de serpente” contra suas tropas no Iraque. “Não façam isso”, advertiu, pois “nossa resposta será muito maior”.

Há um mês, cinco foguetes, de autores anônimos, choveram sobre bases norte-americanas, matando três soldados, sendo dois estadunidenses e um súdito da rainha.

Os EUA culparam o Hizbollah-Kata’ib, movimento aliado do Irã, e retaliaram, bombardeando cinco bases e depósitos de armas desse grupo. Segundo fontes militares do Iraque, foram mortos nessas operações três soldados iraquianos, dois oficiais da polícia local e um civil, além de um aeroporto ter sido danificado. The Donald não apresentou qualquer prova ou mesmo indício de suas acusações, mas, deixa pra lá, quando o império fala, o mundo tem de acreditar.

O ministro do Exterior do Irã, Jared Zarif, respondeu a Trump negando a responsabilidade de Teerã nos ataques. Admitiu que, como apoiador dos milicianos iraquianos, seu país tinha influencia sobre eles. Mas influência não quer dizer controle concluiu.

Tem suas razões, se bem que haja dúvidas do Hizbollah lançar uma ação politicamente tão importante sem o nihil obstat de Teerã.

Por outro lado, ao eximir o Irã das culpas e prometer ferozes reações a eventuais ataques norte-americanos, o general Bagheri, chefe do Estado-maior iraniano lembrou que os iraquianos tinham seus próprios motivos para atacar as forças dos EUA.

O principal é a negativa de Washington de retirar seus soldados do Iraque apesar do parlamento de Bagdá o ter exigido, assim como o premier interino Mahdi. Eles bradam que o ataque de Trump representa uma rejeição da soberania iraquiana, um abuso de força que viola as leis internacionais.

De fato bombardear locais no território de um país, e ainda matar cinco soldados sem declaração de guerra ou notificação prévia a autoridades do Iraque, constitui uma infração das mais sérias de acordo com o Direito internacional.

The Donald não se tocou, reforçou o antiamericanismo local ao cobrar o governo de Bagdá pela retirada o pagamento dos milhões de dólares gastos na base. Mais tarde, tentou amenizar o impacto das suas vorazes declarações, informando que seria necessário um pedido oficial do premier para atender às exortações de suas forças irem embora do Iraque. Mas, claro, o interino Mahdi jamais ousaria puxar as barbas de Tio Sam...

Em seguida, renunciou e até agora os parlamentares iraquianos ainda não aprovaram um sucessor. E os militares dos EUA continuam ocupando as bases alheias.

Também pesou bastante na malquerença o assassinato do general Mahdi al-Muhandis, chefe e fundador do Kata’ib Hizbollah, como efeito colateral do assassinato do general Suleiman, por ordem do morador da Casa Branca, além da morte dos seis policiais e milicianos iraquianos, vítimas do último bombardeio já mencionado.

Todas estas mortes aplicadas pelos militares norte-americanas em cidadãos iraquianos no interior desse país fizeram os atuais dirigentes do Iraque subirem nas tamancas, ainda mais por que o Katai’b Hizbollah, o alvo preferencial dos mísseis ianques, integra a Frente de Mobilização Popular, movimento que tem a maior bancada no congresso nacional e integra as forças locais.

Referindo-se aos ataques, Bahr al Uloom, embaixador iraquiano nas Nações Unidas, clamou: “O governo do Iraque expressa sua condenação, nos termos o mais possível fortes, daqueles bárbaros ataques que violam a soberania do Iraque”. E ainda falou que seu país prenderia e processaria os perpetradores, o que, evidentemente, não passa de uma bravata (Al Arabya 18-03-2020).

Enquanto o congresso iraquiano não aprovar o nome de um novo primeiro-ministro, o governo não vai voltar a pedir a retirada dos EUA. O que deve demorar muito.

Enquanto isso, a tensão entre norte-americanos e milicianos pró-Irã pode esticar a corda em demasia. Se as trocas de tiros entre os dois adversários forem longe demais, matarem número significativo de soldados de ambos os lados, dá para prever que algo muito desagradável pode acontecer.

O secretário de Defesa, Mike Pompeo, o assessor de segurança do presidente Trump, Robert O´Brien e o diretor da Agência Nacional de Inteligência dos EUA, Richard Grenell, pressionam The Donald para responder ao próximo ataque das milícias iraquianas com uma retaliação extremamente pesada, eventualmente atingindo até o próprio território iraniano.

Para Pompeo, como o Irã está sendo devastado pelo vírus, aliado a sanções, estaria sem recursos para enfrentar os EUA, ainda que por pouco tempo. Sentindo-se impotentes, seus líderes seriam pressionados a negociar um novo acordo nuclear costurado pela Casa Branca (New York Times, 21-03-2020).

Grenell é mais radical: sustenta que um ataque realmente para valer, como, por exemplo, destruir a esquadra iraniana, poderia pegar Teerã de surpresa, abatendo a combatividade dos líderes e os enviando de cabeça baixa para a mesa das negociações.

Contrariando esses ardentes falcões, o secretário da Defesa Mark Esper e o conselheiro especial para assuntos de segurança, o general Mark Milay, chefe do Estado maior das forças armadas, alegam que a ação mais agressiva iria fatalmente acabar dando em guerra com o Irã. Que poderá durar meses, matando um bom número de soldados norte-americanos.

Não é um argumento que possa convencer Pompeo e aliados porque a consequência apontada pela dupla Esper-Millay – a guerra – é exatamente o objetivo dos falcões da troupe de Trump.

Dizem as fontes do New York Times que The Donald, atualmente, não está afim de pegar pesado no Irã, prefere ir levando, respondendo de modo moderado aos ataques do Hizbollah-Kata’ib, até os inimigos desistirem por falta de armas.

Surpreendeu a publicação pelo Times do memorando vazado do Pentágono, como indícios de que os EUA pensavam mesmo em retaliações devastadoras no Iraque, custasse o que custasse.

Eis que o comandante dos EUA no Iraque, o general Robert O’Brien, em rara demonstração de profissionalismo e bom senso, opôs-se à ordem. Disse que provocaria uma guerra maior, com o provável envolvimento do Irã, “exigindo o envio de mais milhares de soldados e desviando recursos da principal missão das suas tropas no Iraque: treinar os soldados do país e combater o Estado Islâmico”.
Esta resposta deveria ter alertado os “criadores de guerra” dos EUA de um fato que eles parecem ter esquecido.

Eles se mostram focados numa guerra contra o Irã quando ela deveria começar com ataques matando militares iraquianos, pois o Hizbollah-Kata’ib integra a Frente de Mobilização Popular, movimento com a maior bancada no parlamento de Bagdá. E ainda mais: tendo a ofensiva partido de bases localizadas no território do próprio Iraque. Seriam motivos mais do que suficientes para o Iraque declarar guerra aos EUA.

Quase impossível que isso aconteça, não é de se crer que os dirigentes iraquianos teriam coragem de enfrenar os norte-americanos em operações militares na defesa de sua soberania. No máximo, grupos de milicianos poderiam adotar uma guerra de guerrilhas.

Por uma questão de realismo, o governo de Bagdá deverá apenas protestar, levar seu caso à ONU, à Liga Árabe e à União Europeia.

Possivelmente ganharão apoio dessas entidades e de países de peso, inclusive a Alemanha, a França e a Itália, e de personalidade de destaque internacional. Num cenário assim, não é improvável que The Donald tope recolher suas armas, num acordo que acabe com uma guerra com potencial de se estender, que faria ele perder os votos dos muitos norte-americanos fartos de guerras e a sua reeleição.

Isso, é claro, se o Irã não morder a isca dos belicistas do Pentágono e de Pompeo e entrar na guerra, disparando seus mísseis contra os agressores do Iraque. Não deixa de ser uma opção muito grata à linha-dura iraniana, que cresceu substancialmente nas últimas eleições. Embora o moderado presidente Rouhani ainda tenha força para conter esses insanos, cheerleaders do suicídio.

Mas, se Trump resolver retirar suas tropas e mantiver apenas os militares necessários para continuar o treinamento dos soldados iraquianos, estaria cumprindo estritamente o acordo que os EUA fez com o Iraque. Seria uma decisão legal e honrosa.

Não teria mais suas armas apontadas para Bagdá, pressionando seu governo a se comportar bem. O Irã ganharia pontos na sua luta com os EUA pela influência sobre o Iraque. O empate ainda assim prosseguiria, pois interessa aos iraquianos conseguir vantagens dos dois rivais.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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