Pelo princípio de igualdade, Israel tem de ser sancionado
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- Luiz Eça
- 15/05/2020
Anexar boa parte da Cisjordânia ocupada, incluindo muitos assentamentos israelenses, era promessa da campanha eleitoral de Bibi Netanyahu. Seu então rival, Benny Gantz, era mais modesto: só tomaria dos palestinos os territórios dos assentamentos.
Na discussão do acordo do futuro governo dos dois, Gantz aceitou a promessa do líder do Likud, tal sua ânsia em se unir a ele. Nenhum dos novos senhores de Israel se incomodou por estar desrespeitando as leis internacionais.
Do que fizeram questão foi se colocarem sob o guarda-chuva de Trump, determinando que, embora a data da ilegalidade fora marcada para 1 de julho, aguardariam o necessário nihil obstat do paternal presidente dos EUA. A anexação não pegou bem na comunidade internacional.
Em setembro do ano passado, os governos do Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Espanha avisaram que uma anexação unilateral de qualquer parte da Cisjordania seria uma “violação séria da lei internacional”.
A eles se somou James Claveley, ministro do Reino Unido para o Oriente Médio e o Norte da África, que deu peso à advertência europeia, alertando Netanyahu e Gantz que tal ato poderia acarretar severas consequências.
Por sua vez, 11 embaixadores em Israel - do Reino Unido, Alemanha, França, Irlanda, Holanda, Itália, Espanha, Suécia, Bélgica, Dinamarca, Finlândia e União Europeia - enviaram ao ministro do Exterior israelense uma objeção formal à tomada das terras palestinas (canal 13).
E todos eles consideraram ter cumprido todo o seu dever. Poderiam ir dormir sossegados.
Netanyahu e Gantz não ficaram nada preocupados diante dessas solenes manifestações da comunidade europeia. O ex-premier israelense, por exemplo, está acostumado a receber condenações da ONU e de outro países a suas abundantes ações ilegais.
Sabe que não passam de words, words, words, que logo se desvanecem no esquecimento.
No passado, críticos das malasartes do governo de Bibi (apelido do ex-premier) pediram algumas vezes providências efetivas ao Conselho de Segurança da ONU, mas os EUA prontamente acudiram para vetar qualquer ação contra seu protegé.
Atualmente, os países ciosos de sua imagem de guardiães do direito internacional, quando Israel desrespeita direitos humanos, limitam-se a somente marcar posição, produzindo objeções em boa linguagem diplomática.
Eis que um grupo uniu-se para dar fim à leniência internacional com Israel. São mais de 130 personalidades, ativistas e deputados dos dois grandes partidos ingleses, incluindo conservadores como Lord Paten (ex-presidente dos tories), Andrew Mitchell (o secretário de Desenvolvimento Internacional) e Margareth Hodge, líder da campanha contra o suposto antissemitismo no Labor.
Eles foram signatários de uma carta ao primeiro-ministro Boris (Bojo) Johnson apelando para que impusesse sanções a Israel, caso a união Netanyahu-Gantz realmente anexasse partes da Cisjordânia, pois seria claramente ilegal diante da lei internacional.
A carta acentua que a aquisição de territórios alheios pela força é firmemente proibida conforme a Convenção de Genebra.
Recentemente, a Inglaterra aplicou duras sanções contra a Rússia pela conquista da Crimeia, em 2014.
A anexação de grande parte da Cisjordânia por Israel é um caso perfeitamente igual. Pelo princípio da igualdade, os israelense deveriam sofrer sanções, como os russos sofreram. Nessa ocasião, “o nosso governo (do Reino Unido) estabeleceu que nenhuma anexação pode continuar incontestada”, diz a carta, “precisa agora tornar público a Israel que qualquer anexação terá severas consequências, inclusive sanções”.
E conclui: “palavras não bastam. Netanyahu ignorou as nossas palavras, precisamos impedir seu governo de estabelecer este precedente alarmantemente perigoso nas relações internacionais”.
Na verdade, já houve um precedente.
Em 1967, Israel invadiu e ocupou as colinas de Golã, parte integrante do território da Síria. Em 2010, investigação do jornal Haaretz apurou que cerca de 131 mil sírios foram expulsos do Golã. Além disso, o exército israelense destruíra 200 aldeias sírias (+972, 18-07-2017). Por outro lado, Israel estimulou a transferência de colonos judeus para assentamentos no Golã. Hoje, eles já somam 30 mil nas terras e cidades que eram dos sírios e dos drusos.
Em 1981, o governo israelense decretou a anexação do Golã, tornando-o, unilateralmente, parte do Estado de Israel.
Foi uma medida totalmente ilegal, repudiada pela ONU (resolução 497, de 1981) e por todos os países do mundo, inclusive os EUA. O país de Jefferson e de Washington, embora não aceitassem a tomada do Golã, vetaram, como sempre o fizeram, qualquer medida que desagradasse Israel.
Com a eleição de The Donald, os EUA voltaram atrás, passando a reconhecer Golã como parte de Israel.
Desta vez pode ser diferente. Dizem que Netanyahu dá muita atenção a ameaças.
Imagine que Johnson concorde em sancionar Israel, caso persista em tomar terras palestinas que não lhe pertencem. Faria sentido, pois Bojo já se declarou várias vezes favorável à solução dos dois Estados independentes e soberanos e a anexação tornaria inviável um Estado palestino, condenando-o a depender eternamente de subsídios do exterior.
Isso porque, com a perda de boa parte da Cisjordânia, ele não passaria de um grupo de territórios não-contíguos, separados entre si por terras de Israel. Algo como os bantustões, planejados pelo último governo de apartheid da União Sul-Africana, para alojar os negros do país.
Como se sabe, um Estado assim foi desenhado pelo plano Trump para resolver o problema palestino, chamado (por ele e apaziguados) de plano do século. Obviamente foi rejeitado in limine pelas organizações palestinas.
Ora a solução dos dois Estados independentes, que Boris apoia, é incompatível com a anexação de muitos territórios da Cisjordânia a Israel (apoiada pelos EUA) que implica na impossibilidade de existir um Estado palestino independente.
Aprovando sanções para bloquear a ambição expansionista de Netanyahu e Gantz, Boris entraria em choque com o próprio Trump.
O premier inglês jamais teria coragem de afrontar o líder dos EUA, sancionando Israel e rompendo uma tradição de dezenas de anos de absoluta impunidade do país sionista.
Mesmo porque Bojo tem sido um ardente aliado de Bibi Netanyahu, desde seus tempos de ministro do Exterior do Reino Unido.
Embora digam que Johnson agora é outro homem, depois de escapar das garras do coronavírus, não é de se crer que tenha mudado tanto ao ponto de se tornar compassivo diante dos palestinos e da justiça de sua causa.
Os interesses que o ligam a Trump e Netanyahu não devem ser abalados. Milagres não costumam acontecer.
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.