Correio da Cidadania

Sem os jovens, Biden não ganha

0
0
0
s2sdefault


Até 4 de junho, nas quatro últimas pesquisas citadas pela Real Clear Politics, Biden deixou Trump comendo poeira. Na CNB, ele venceu o republicano por 48% x 41%; na Monmouth, o resultado a favor do democrata foi 52% x 41%; na Economist/You Gov, 47% x 40% e na Charge Research, 48% x 45%. Começa a se esboçar uma tendência.

Enquanto isso, as pesquisas de aprovação de Trump foram desastrosas para ele. Segundo a CNBC, 56% dos americanos consultados desaprovaram o governo do presidente, enquanto apenas 44% lhe deram uma nota boa.

Na Economist/YouGov, novo mau resultado: 43% de aprovação contra 53% de desaprovação. O resultado da pesquisa Morning Consult também foi duro de engolir: 55% contra 41%, a favor. Por fim, na pesquisa da Rasmussen, The Donald teve de amargar uma desaprovação de 54%, alcançando apenas 44% de opiniões favoráveis.

Como veio a tempestade

Mas as dores de cabeça do habitante da Casa Branca não ficaram só nisso. Nos chamados swing states, onde nenhum dos dois partidos costuma predominar, nas eleições de 2016, Trump venceu 7 enquanto 6 ficaram com madame Clinton.

Nos resultados das pesquisas apresentados no site do UVA- Center for Politics, em 28-05-2020, Biden apareceu na liderança em todos os 13 swing states, embora em 5 deles as diferenças fossem pequenas.

Com tantas surpresas dolorosas, os chefes da campanha de Trump estão vendo aproximar-se a eleição presidencial com fundadas apreensões. Ainda mais considerando o péssimo papel do chefe nas recentes passeatas antirracistas.

Trump também perdeu suas principais bandeiras: a poderosa recuperação econômica e o baixíssimo desemprego – graças a seus fracassos no enfrentamento da Covid 19.

Antevendo os pesados efeitos negativos do vírus nos sucessos do seu governo e, consequentemente, na sua reeleição, ele preferiu inicialmente tentar convencer a si e ao povo que tudo não passava de um ventinho...

Em 22 de janeiro, dois dias depois de confirmado o primeiro caso de covid 19 nos EUA, negou que havia uma pandemia, e esclareceu: “nós temos tudo sob controle. É só uma pessoa que chegou da China. Dentro de um par de dias isso vai estar perto de zero”.

Ficou, bem além. Nas semanas seguintes, apesar de várias vezes alertado sobre o brutal impacto da terrível praga, o morador da Casa Branca só se mexeu no começo de março, tendo decretado emergência nacional em 13 desse mês.

Esse atraso foi fatal. De acordo com estudos da Universidade de Columbia, se o lockdown tivesse sido decretado uma semana antes, 36 mil norte-americanos seriam salvos; 54 mil, se fosse duas semanas antes.

E quem teria sido corresponsável por essa perda entre 36 mil a 54 mil vidas? Enquanto os índices de contaminação e de mortes cresciam de modo fulminante, o presidente só confundia a população com afirmações desencontradas e mentirosas.

Seu mantra, “tudo está sob controle”, foi repetido incansavelmente em muitas ocasiões. Assim como a ideia de que a pandemia não era tão terrível. E, mesmo que fosse, a cloroquina curava, sem contar que os resultados nos outros países seriam piores do que nos EUA.

As culpas a princípio caíam sobre o Partido Democrata, que usaria o covid-19 para assustar o povo e, assim, prejudicar o governo Trump.

Mais adiante, ele veio com nova teoria da conspiração: o vírus fora desenvolvido em laboratórios da China para atacar o povo estadunidense, embora, mais adiante, admitiu maliciosamente que talvez o “vírus chinês” escapara para assolar o mundo, por negligência ou erro dos cientistas do ex-império do Meio.

Por fim, a Organização Mundial da Saúde foi denunciada por The Donald. Como marionete da China, estava corroída pela ineficiência e submissão suspeita a seus chefes, em Beijing, daí resultando orientações erradas, gerando mortes em massa, em escala planetária.

E o presidente dos EUA ordenou a saída norte-americana da entidade, fato considerado por Richard Horton, editor da respeitada revista médica The Lancet: “um crime contara a humanidade”.

Esse enxame de mentiras e insanidades trumpianas era apimentado com elogios candentes ao maravilhoso trabalho do governo Trump na contenção do covid 19 e na proteção do povo norte-americano.

Não adianta mentir

Não pegou. O índice de credibilidade presidencial junto ao seu povo caiu para um patamar muito baixo.

As recentes pesquisas eleitorais indicam sua performance no affair pandemia como um dos principais fatores da atual rejeição do presidente nas pesquisas.

Deve piorar quando for computado o desgaste que já sofre por obra da sua conduta truculenta, clamando por mais prisões dos jovens das manifestações antirracistas, pelos governadores dos estados.

Outros fatores igualmente graves são os perversos efeitos colaterais da pandemia nos EUA: o aumento brutal do desemprego, que pode chegar a 25% ou até 35% conforme citação do site do banco Goldman Sachs (CNN Businness, 13/05/2020), e a forte recessão que projeta queda no PIB para 5,9%.

Com esse quadro devastador, o cidadão não está mais se sentindo bem no seu país. Muito pelo contrário.

Ensina o marketing político que “sentir-se bem” (ou não) pesa de modo decisivo nas escolhas dos eleitores. Quanto mais tempo a pandemia durar, menos tempo haverá para uma recuperação econômica dar frutos. Calcule: estamos no começo de junho. Parece possível que o vírus deixaria o país funcionar bem antes dos próximos cinco meses?

A estas alturas, você deve estar pensando que Biden já pode ir começando a preparar a lista de convidados para a festa de sua posse, não?

Não.

Seu triunfo seria uma barbada se a eleição fosse hoje. Mas, como só será daqui a cinco meses, Trump ainda poderá recuperar sua força.

Biden terá trabalho para vencer

Quem nas últimas pesquisas diz que prefere Biden, não necessariamente irá votar em 6 de novembro.

O que poderia ajudar o habitante da Casa Branca a não ser obrigado a tirar do peito sua amada faixa presidencial?

Não seria a primeira vez que o marido da celestial Melania viraria para cima de um candidato dos democratas. Hillary ainda está com dores nas juntas, fruto da derrota que sofreu em 2016.

Sua habilidade e agressividade nos debates é uma séria ameaça a uma boa participação do ameno e murcho Biden.

Não se pode desprezar a imensa criatividade de The Donald na produção de sucessivos fake news, que obrigariam os chefes da campanha de Biden a neutralizar e contra-atacar de forma a fazer o feitiço virar contra o feiticeiro. No entanto, estamos para ver se eles forem capazes desta verdadeira proeza.

Mas, o pior vem agora: nos EUA a abstenção nos pleitos presidenciais costuma ser alta. No último foi maior do que o normal. Nada menos do que quase 44% dos norte-americanos não se aproximaram das urnas, dando ao ex-astro de TV uma vitória contra todas as pesquisas e prognósticos.

Um dos principais motivos desse trágico desinteresse foi a falta de confiança em madame Clinton de grande número (talvez a maioria) dos adeptos de Bernie Sanders. Talvez a maioria dos jovens progressistas optou para aproveitar o feriado de modo mais agradável.

É fato que Biden não tem os dúbios comprometimentos e posições de Hilary. É fato também que, enquanto o apoio de Bernie àquela senhora foi pouco mais do que formal, ele está fortemente envolvido na campanha de Biden.

Na eleição de 2016, os jovens entre 18 e 29 anos representaram 15,70% dos votos, sendo que em 2020 espera-se que essa porcentagem seja maior.

A maior parte dos eleitores desta faixa é democrata. E a maior parte dos jovens democratas segue Bernie Sanders; são, portanto, adeptos da facção mais à esquerda do partido – os chamados progressistas. É vital para a vitória de Biden que o senador por Vermont consiga convencê-los a irem votar no ex-vice de Obama. Não será fácil.

A abstenção entre jovens costuma ser alta. A campanha de Biden teme que, nas eleições de 2020, muitos jovens do Partido Democratas adotem esse comportamento. Nas pesquisas, eles afirmaram que votariam em Biden mas podem acabar não indo às urnas.

Por quê?

Talvez se o tempo estiver ruim, chovendo, fazendo frio e o coronavírus ainda assustar, ou “não seria pela falta do meu voto que Trump venceria...”

São razões que podem pesar quando não existe motivação.

Biden é visto pelos pela maioria dos jovens progressistas como um político medíocre. Não iria promover mudanças profundas. No máximo, algumas reformas que só diminuiriam o domínio do país pelas corporações e políticos de direita, que continuariam no poder.

Bernie tem bons argumentos para modificar esta postura um tanto radical.
Basta conferir.

Bernie defende saúde grátis para todos, através de um plano estatal, eliminando os convênios particulares. Biden não vai tão longe.

O cidadão poderá escolher entre um convênio particular e um plano do governo que tornará médicos, hospitais e remédios teoricamente acessíveis a todos, através de negociações do Estado com esses setores e de uma série de bônus e medidas em favor dos mais pobres.

Um político pouco empolgante

Em Educação, o ex-senador defende praticamente o mesmo que o líder progressista. Em vez de garantir gratuidade para todos, do maternal à universidade, sua proposta é investir exponencialmente nas escolas públicas, subsidiar o pagamento dos custos das universidades a estudantes de famílias com rendimentos inferiores a 125 mil dólares anuais, o que alcançaria tanto pobres, quanto a baixa classe média.

Com Biden, as corporações e as grandes fortunas seriam gravadas com impostos mais pesados. Nada comparável, é verdade, com as fortes importâncias previstas pelo programa de Bernie, apresentado durante as prévias democratas.

Evidentemente as propostas do candidato a presidente incomodariam menos o 1% mais rico, provocariam menor impacto na economia e na política. No entanto, teriam mais chances de aprovação pelo Congresso.

Em outras palavras, representariam um avanço mais lento, mas menos gerador de polarização.

Os jovens, como também Bernie Sanders, acham que as mudanças devem ser rápidas porque a lentidão significa mais anos de sofrimentos para os desvalidos. Para esses progressistas este é o momento para derrubar privilégios e assegurar uma democracia para todos, pois o povo está mais do que nunca indignado com as injustiças do establishment e com o fracasso estrepitoso do populismo de direita do governo atual.

Para os jovens da esquerda democrata, depõem também contra o ex-vice de Obama seu histórico no Senado com posturas contra o ônibus escolar para crianças negras e brancas, o favorecimento injusto às empresas de cartões de crédito e as prisões em massa de pequenos infratores etc.

Não me parece muito grave pois Biden tornou-se senador há uns 40/45 anos. Teve tempo para alterar suas convicções.

Esperto, o ex-vice de Obama nega ser candidato do establishment (The Hill, 28 de abril de 2019). Pelo contrário, jura ser um político afinado com as tendências avançadas do novo Partido Democrata.

Questões externas

As rejeições a ele contam mais quanto a certas posições em política externa.

É verdade que, Biden, em geral, mostra-se progressista, afirmando pretender levar os EUA de volta ao acordo nuclear com o Irã; condenando os assentamentos israelenses na Cisjordânia, o falso acordo do século de Trump e seu genro Kushner (o príncipe consorte), o assassinato do jornalista saudita pelo príncipe coroado Mohamed Bin Salman, as anexações de terras palestinas - incluindo os assentamentos israelenses e a ocupação militar da Cisjordânia. E promete voltar a subsidiar os refugiados palestinos; sair da guerra do Iêmen; reatar relações com a OLP (Organização de Libertação Palestina), apoiar a independência da Palestina e a “solução dos dois Estados “.

Até aí, tudo bem, mas a porca torce o rabo diante de atitudes pró-Israel, que contrariam bastante os jovens democratas. Tendo outrora declarado que o melhor investimento já feito pelos EUA fora os 3 bilhões anuais em armamentos ofertados a Israel, Biden recentemente declarou que nunca usaria esse subsídio para pressionar Telavive a suspender ações antipalestinas.

Além disso, pronunciou-se contra o BDS, que propõe o fim de relações comerciais, esportivas, artísticas e científicas com Israel até que cessem os assentamentos e a ocupação da Palestina, e condenou como terroristas o Hizbollah e o Hamas, apesar de ambos terem há muito abandonado as ações de terror.

Por fim, o candidato democrata tem centenas de páginas de declarações de amor e promessas de defesa a Israel, alternando muitas condenações aos palestinos, cujo povo e autoridades não são cumulados por qualquer elogio. E, enquanto se estende por quilômetros de ataques (justos) ao terrorismo árabe, não foca uma única vez as igualmente condenáveis violências do exército e da polícia de Israel.

Para garantir os votos dos jovens progressistas Biden precisa mudar. Criticar pelo menos com a mesma veemência a brutalidade e o racismo de Israel que dedica aos crimes dos grupos terroristas. Pronunciar-se com força sobre questões do momento como as anexações que Netanyahu e Gantz preparam-se para levar a cabo e o maligno plano de Trump e Kushner para destruir as esperanças palestinas.

Talvez tão ou mais importante: escolher para seu vice alguém como a senadora Elizabeth Warren, que os jovens democratas valorizam por suas corajosas posições progressistas e os moderados respeitam, por seu idealismo e seriedade inquestionáveis.

Acho que assim, mesmo os democratas radicais de 18 a 29 anos, acabarão por votar em Biden. Afinal, ele tem aspectos positivos, pode não ser o ideal, mas seria certamente um avanço.

Não esquecendo que derrotar o contendor republicano tornaria o mundo melhor, não apenas os EUA. Isso vale bem uma missa*.

Nota:

*Em fins do século 16, católicos e protestantes guerreavam na França. Com a morte do rei, os grandes nobres disseram a Henrique da Navarra, líder dos protestantes, que só virando católico ele seria o novo rei francês. Henrique aceitou, justificando-se: “Paris vale bem uma missa”

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
0
0
0
s2sdefault