China e Irã se unem para encarar os EUA
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- Luiz Eça
- 01/08/2020
Ainda estão se esboçando todos os litigantes na Segunda Guerra Fria e dois movimentos dos EUA conquistaram vitórias táticas para Washington.
A ação estadunidense na disputa entre Pequim e países vizinhos por águas territoriais do Mar do Sul da China colocou seu grande rival diante de um desafio: recentes exercícios aeronavais na região com porta-aviões, liderando esquadras, forçam a China a uma resposta de impacto similar.
Pouco antes, o governo britânico tinha cedido à pressão de Washington e retirado sua aprovação à entrada da tecnologia 5G no país dos Beatles.
Anuncia-se que esta atitude pode se repetir na Europa, prejudicando os interesses da empresa chinesa Huawei, líder mundial nesse sistema de infraestrutura eletrônica, o mais avançado que existe.
No outro extremo do Oriente, os EUA marcaram um gol contra o Irã, o grande inimigo do governo Trump no Oriente Médio.
O morticínio do povo iraniano, diretamente pela escalada do covid-19 e indiretamente pelas devastadoras sanções econômicas de Trump, forçou o governo de Teerã a uma pesada concessão política.
Em troca da permissão tácita da Casa Branca para o Irã importar medicamentos e aparelhos médicos essenciais, o governo Rouhani convenceu os deputados iraquianos aliados a apoiar a indicação a primeiro-ministro de um político bem-visto pelos EUA (Middle East Eye, 14-05-2020).
No ápice da posição ofensiva assumida pelos EUA, um lance do seu principal rival, em conjunto com o Irã, pode inverter o jogo.
As duas nações estão finalizando um acordo de aliança estratégica de 25 anos, no qual a China investirá 400 bilhões na infraestrutura e nas indústrias do Irã.
Os principais setores a serem envolvidos devem ser telecomunicações, ferrovias, portos, instalações petrolíferas, manufaturas e zonas de comércio livre.
Por sua vez, Teerã concederá um desconto de 18% nas importações chinesas de gás e petróleo. Pagar menos é sempre bom negócio, o que deve levar Beijing a aumentar suas compras de petróleo do Irã.
O que não implicará em prejuízo aos iranianos, pois, ainda por força das sanções, eles têm de manter armazenados enormes estoques de petróleo.
Melhor receber 18% a menos dos chineses do que ficar com todo esse volume encalhado, hasta cuando não se sabe.
Esse acordo deverá reduzir ao mínimo a “máxima pressão” do governo Trump, executada através do bloqueio da comercialização do petróleo, que responde por 80% da produção iraniana.
Sendo libertada das destruidoras consequências das punições norte-americanas, a economia do país, ora perto de entrar em coma, será reavivada. Espera-se um aumento exponencial dos empregos, redução dos custos e dos preços ao consumidor e inserção do Irã na economia internacional, colocando o país na rota do desenvolvimento.
Por sua vez, a China ganhará um acesso seguro às fontes de energia, ao contrário do atual, via estreito de Malaca, controlado por grande base dos EUA, em Singapura, que podem fechá-lo a qualquer momento.
A Petroleum Economist informa que o acordo dará ao Irã o direito de adiar os pagamentos pelos investimentos da China por até dois anos. E em yuan e moedas fracas, fugindo ao dólar e às sanções dos EUA, conforme análise do Spectator.
Desse modo, o acordo irá minar a chamada “máxima pressão” dos EUA, deixando Trump sem sua mais poderosa arma para atingir o Irã com impacto.
Além disso: a segurança iraniana será reforçada pela proteção da China contra ações agressivas dos EUA, especialmente no Conselho de Segurança da ONU.
Livre das amarras, a posição regional iraniana tende a ser incrementada, pois: “o atual declínio do esforço iraniano em estabelecer sua hegemonia sobre um ‘arco xiita’, através do Iraque, Síria e Líbano até o Mediterrâneo, receberá uma nova chance (Ásia Times, 21-07-2020)”.
O que iria alentar a posição do presidente Rouhani, enfraquecida pela vitória da linha dura nas eleições parlamentares, criando boas chances para um candidato moderado como ele vencer as eleições presidenciais, em maio de 2021.
Se isso acontecer, a comunidade internacional irá celebrar, pois seriam favorecidas a paz e as chances de entendimento entre o Irã e o Ocidente.
Apesar de todos estes pontos positivos, os primeiros anúncios do novo acordo suscitaram algumas críticas no Irã, por deixar o país excessivamente dependente da economia chinesa.
Claro, esse risco existe. No entanto, a China, única potência que projeta um crescimento neste ano de pandemia, deve manter esse ritmo ascensional por muito tempo, necessitando cada vez mais de energia, a ser suprida pela grande produção de petróleo iraniano, com sua competitividade reforçada pelos descontos no preço e um acesso muito mais seguro do que o atual, ameaçado pelos humores do errático presidente Trump.
Além disso, o acordo com o Irã oferece uma vantagem estratégica de grande relevância para a China, pois lhe garantirá uma âncora permanente no Oriente Médio, que afetaria a supremacia estadunidense na região.
Pequim não deverá se arriscar a perder tantos ganhos, irritando os agressivos iranianos linha-dura com posturas imperialistas.
Não é de se crer que Trump vai ficar na janela vendo a banda passar. Podemos contar com uma reação forte contra a China e o Irã - esses “parceiros do mal”, ainda mais porque as pesquisas o mostram cada vez mais longe de Joe Biden.
Pela sua reeleição, The Donald é capaz de tudo, até de ações provocativas, das que deixam a paz por um fio.
Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.