Correio da Cidadania

O Israel first perde espaço no Congresso dos EUA

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ISRAEL SECOND / Israel First (Official) - #EverySecondCounts - YouTube
O congressista democrata Brad Schneider apresentou um projeto de lei que parece estranho, levando em conta o exaltado amor do povo estadunidense à sua pátria. Ele determina que o presidente dos EUA deve consultar um representante autorizado do governo israelense antes de vender armas a outro país do Oriente Médio. O objetivo é impedir que com essas armas o país comprador possa ameaçar a superioridade militar de Israel na região.

Veja só no que isso implica no caso do projeto ser aprovado. A soberania norte-americana se veria diminuída, o presidente dos EUA teria de submeter sua decisão à opinião de um governo estrangeiro. Prerrogativa igual, nem mesmo o Congresso do país possui. Ainda neste ano, uma recomendação bipartidária e bicameral de inibir vendas de armas para os sauditas bombardearem civis não foi respeitada por Donald Trump. E os congressistas não puderam fazer nada – o presidente tinha a lei a seu lado.

Agora mesmo Israel quer impedir que os EUA exportem os superjatos F-35 para os Emirados Árabes Unidos (EAU), com quem está em lua de mel depois do acordo que estabeleceu relações completas entre os dois países. O premier Netanyahu alega que, com esses moderníssimos aviões, os Emirados poderiam ameaçar o domínio da aviação israelense. Por outro lado, a negociação interessa a Trump, pois vai render preciosos dólares ao Tesouro de Washington, além de confirmar promessa feita ao monarca-ditador do reino.

Se o projeto Schneider já fosse lei, Trump acabaria tendo de ceder e os interesses israelenses prevaleceriam sobre os interesses dos Estados Unidos. O Israel first pesaria mais do que o America first.

Não seria uma vergonha? O que diriam Jefferson ou Washington, vendo os seu EUA tendo de solicitar o nihil obstat outro país para fazerem transações que lhes convêm?

O projeto do congressista Schneider é motivado pela necessidade de proteger Israel contra as ameaças e ataques dos poderosos vizinhos árabes que o cercam por todos os lados.

Garantir a segurança de Israel foi sempre o propósito do apoio ilimitado dos governos e partidos políticos norte-americanos, inclusive fornecendo bilhões de dólares em armas para o país de Moisés poder se defender de uma possível ofensiva dos seus inimigos.

Trata-se de uma autêntica alienação, não estamos mais na segunda metade do século 20, quando o Estado de Israel estava constantemente ameaçado pelos hostis países árabes das proximidades, contra quem lutou em quatro guerras, entre 1948 e 1990.

Os tempos mudaram, as coisas se inverteram, hoje o país agressivo, que atacou e ameaça novos ataques na vizinhança é Israel.

Neste século 21, os israelenses anexaram as colinas de Golã, parte do território sírio conquistado em 1967; o Líbano foi invadido e ocupado militarmente pelas forças israelenses em duas ocasiões; duas guerras devastadoras promovidas pelo exército e a aviação de Jerusalém deixaram Gaza sem condições habitáveis, com 80% da população dependendo de auxílio externo para se alimentar.

Só em 2019, conforme declarações de generais israelenses, seu país promoveu mais de cem ataques aéreos contra objetivos na Síria, com quem, aliás, não está em guerra; o Líbano jamais bombardeou Israel, mas vem sofrendo ataques frequentes da aviação israelense, dirigidos contra alvos do grupo Hizbollah.

Em contrapartida, foguetes caseiros e balões incendiários têm sido lançados de Gaza para atingir áreas israelenses por grupos não identificados. O estrago provocado é mínimo se comparado com a letalidade e poder de destruição dos ataques aéreos de retaliação do governo Netanyahu contra alvos do Hamas em Gaza, a quem Jerusalém atribui culpa pelos ataques, sem se dar ao trabalho de com provar suas conclusões.

A maioria dos países árabes vizinhos, outrora inimigos, há muito abandonaram qualquer postura agressiva, nem mesmo verbal. Dois deles estabeleceram relações completas com Jerusalém. A Arábia Saudita ainda não, mas Netanyahu e o príncipe MBS (governante de fato do reino do petróleo) são aliados na campanha contra o Irã, o inimigo número 1 das monarquias absolutistas do Golfo Arábico.

Dos inimigos de outrora, restam dois, o Líbano e a Síria, aos quais juntou-se um terceiro, o Irã, há mais de uma década. O Líbano, alvo de frequentes bombardeios israelenses, mal tem forças para lançar protestos, assim mesmo cada vez mais raros por inúteis, não há lei internacional alguma que pare Israel, cujos chefes não têm poupado ameaças sombrias: no ano passado mesmo, general comandante do exército israelense previu novo e impiedoso ataque que faria o Líbano regredir à idade da pedra.

A Síria, semidestruída por uma guerra que já dura oito anos, não tem a menor condição militar de reagir aos ataques de mísseis israelenses, que visam forças do Irã, vindas ao território sírio para ajudar o governo legal a vencer grupos rebeldes. Vez por outra, o governo Assad lança uma “ofensiva” contra o agressor Israel.

Sendo apenas verbal, acontece na Assembleia Geral da ONU, um campo de batalha, onde Israel é frequentemente condenado, mas nunca sai punido, graças ao veto amigo dos EUA.

No mês passado, forças israelenses atravessaram a fronteira com a parte do Golã ainda sírio para tomar e explodir dois postos militares do exército de Damasco. Segundo oficial envolvido nesta meritória operação, a razão foi impedir que no futuro, o Irã ou o Hizbollah possivelmente viessem a ocupar essas instalações.
Não preciso dizer que essa ação viola flagrantemente normas do Direito Internacional.

O governo sírio não reagiu, suas forças armadas, ceifadas por 8 anos de guerra implacável, precisam da ajuda dos russos para reconquistarem as últimas regiões em poder dos rebeldes.

Se nos anos seguintes à criação do Estado de Israel, o Egito, a Síria, a Jordânia, o Iraque e mais um ou outro país árabe representavam ameaças palpáveis à sobrevivência israelense, hoje apenas o Irã desempenha este papel. Assim mesmo, os riscos da gritaria dos aiatolás se acompanhada por bombas e mísseis são mínimos, pois o governo Rouhani está sempre baixando o tom da voz iraniana, assegurando que o regime de apartheid sionista vai cair por razões internas, não por ações armadas de Teerã. Lógico, os iranianos podem ser exaltados, mas não são loucos – sabem que não teriam chance de encarar a forças armadas de Israel, ainda mais reforçadas pelos EUA.

Agora, perguntamos: para que os EUA fornecem anualmente 3,2 bilhões nos mais avançados e letais armamentos se os países vizinhos são:

a) aliados de direito, como a União dos Emirados Árabes, o Bahrein ou, de fato, como a Arábia Saudita (contra o Irã), o Egito e a Jordânia (com quem Israel tem relações diplomáticas há anos);

b) vizinhos tranquilos, que não querem briga, como o Iraque, os curdos e o Afeganistão;

c) vizinhos inimigos – Irã, Líbano e Síria – que não têm condições ou interesse em atacar Israel.

Provavelmente, grande parte dos democratas e republicanos leais ao Israel first (por sinal, muitos) habituou-se tanto a agir em defesa do ameaçado Israel que não percebeu que esse país ficou excessivamente forte ao ponto de dispensar proteções militares externas.

A maioria dos norte-americanos filiados ao Partido Democrata já está percebendo. É o que nos contam as pesquisas. Segundo a realizada pelo Gallup, em 16-03-2020, 70% dos eleitores democratas eram favoráveis à criação de um Estado Palestino, que o governo Netanyahu só aceita com território diminuído ao extremo e raríssimos poderes.

Em maio deste ano, a Gallup fez nova pesquisa. E veja o resultado: 43% dos liberais e progressistas (quase todos são membros do Partido Democrata) simpatizam mais com os palestinos do que com Israel, favorecido por apenas 36%.
Trata-se de uma mudança incrível no pensamento democrata já que, em pesquisa de 1997, 35% privilegiavam Israel e só 9% preferiam a Palestina.

Tudo indica que a maioria dos senadores e representantes democratas ainda continua fechando com Israel, apesar de o país não ter mais o que temer dos seus vizinhos (o contrário é o que acontece) – muitos por não terem os olhos abertos, outros por interesses particulares.

Nas eleições de 2020 a proporção dos congressistas eleitos liberais ou progressistas pode vir a ser bem maior. A realidade vem atuando a favor deles.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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