Os candidatos à Casa Branca e a política internacional (4): América Latina
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- Luiz Eça
- 21/02/2008
Somente nos últimos anos do seu governo o presidente Bush se deu conta de que estava ignorando a América Latina. Emendou-se editando um pacote de benesses modestas, o que foi perfeitamente explicável pela preferência em investir no front do Oriente Médio, onde as coisas estão pra lá de pretas. E, é claro, pela situação pré-falimentar em que se encontram os Estados Unidos.
O principal objetivo da Casa Branca na América Latina no período Bush era a criação da ALCA, acordo de livre comércio entre as nações do continente, de olho no aumento das exportações de produtos americanos. Com a ALCA rejeitada pelos líderes do Mercosul, Bush partiu para seu plano B, a negociação de acordos bilaterais de livre comércio com cada país da região.
Sua política externa previa também apoiar os governos "amigos", ou seja, que seguissem o FMI e o Banco Mundial. Como se sabe, o fracasso dos dogmas dessas instituições trouxe a vitória de grupos de esquerda na maioria dos países da América do Sul. Alguns deles mais pragmáticos, casos do Chile, Brasil e Uruguai, se acomodaram e deixaram de ser problema para Washington. Mas houve rebeldes que perturbaram os interesses yankees, e muito, adotando políticas capitalistas não-ortodoxas (Kirchner) ou socializantes (Chávez, Evo Morales e Rafael Correa). Em ambas as situações, multinacionais de origem americana se viram prejudicadas com o cancelamento de acordos leoninos, desapropriações, perda do controle de setores-chave, redução de dívidas, regulamentações severas etc.
Fora um momento em que agiu de acordo com os padrões históricos da política externa americana – quando apoiou um golpe de Estado na Venezuela –, Bush comportou-se até educadamente. Seus porta-vozes não deixaram de criticar a rebeldia das "plantas daninhas" do quintal dos Estados Unidos. Seu governo pressionou, diretamente e através do Banco Mundial e do FMI, com ameaças e mesmo efetivos cortes de verbas. Mas não foi muito além disso.
O próprio Chávez não recebeu ataques da Casa Branca tão violentos quanto os que ele vem brindando a Bush. A demonização do líder bolivariano ficou por conta da imprensa americana. Bush preferiu adotar uma estratégia indireta, concentrando seu poder de fogo no apoio total ao presidente colombiano Uribe, o grande rival de Chávez, a quem chegou a conceder 4,1 bilhões de dólares num ‘plano Colômbia", de aplicação altamente questionável. Tudo para fazer de Uribe um contrapeso às ações do presidente da Venezuela no continente. Sim, porque Chávez não se limita a desapropriar multinacionais americanas, cortar privilégios e acusar Bush de um sem número de felonias.
Ele representa uma ameaça diplomática séria. Brandindo a arma do petróleo, que oferece de graça ou quase isso, Chávez trouxe alento à embargada economia cubana e ganhou o apoio de dois países da América Central (Nicarágua e República Dominicana), aos quais fez generosas doações. Com seus petrodólares, comprou bônus do governo argentino, financiou programas bolivianos e promoveu projetos de desenvolvimento no Equador, reforçando os laços com esses países.
Considerando esse quadro, será que teremos mudanças com o sucessor de Bush? Não se for John McCain, o cavaleiro andante do império, que promete acabar com as torturas e com Guantánamo, mas continua a favor da hegemonia universal. O mesmo não se pode dizer com referência aos dois candidatos democratas. Seu partido dispõe de uma forte base sindical que, diferente do que acontece no Brasil, influi no governo e não é influenciado por ele. Esse pessoal é contrário a acordos de livre comércio, à sombra dos quais empresas americanas mudam-se para países onde os salários são baixos, exportando empregos em vez de criá-los nos Estados Unidos. Tanto Obama quanto a senhora Clinton já criticaram o NAFTA (acordo de livre comércio entre Estados Unidos, Canadá e México), afirmando que deve ser revisto por apresentar "sérias falhas".
Quanto aos tratados bilaterais com países da América do Sul, por enquanto, foi celebrado apenas com o Peru, do ex-socialista Alan Garcia. Aquele que Bush mais desejava, que contemplaria a Colômbia, do fidelíssimo Uribe, ainda não foi aprovado pelo senado americano, embora assinado pelos dois presidentes em novembro de 2006.
Para fazer lobby, Uribe já foi a Washington duas vezes e Condy Rice trouxe dez congressistas democratas à Colômbia. Tudo em vão. Os senadores do Partido Democrata persistem rejeitando, alegando ligações do governo colombiano com paramilitares, assassinatos de líderes sindicais, leis sociais deficientes e perseguições a movimentos de direitos humanos.
No ano passado, Obama e mais 10 senadores do partido enviaram a Uribe uma carta em termos fortes, condenado-o por suas declarações contra oponentes sindicalistas e defensores dos direitos humanos. Posteriormente, Hillary associou-se à manifestação dos seus colegas.
Não é temerário concluir que, tanto Obama quanto Hillary, sendo governo, pouco se interessarão em promover acordos bilaterais de livre comércio com a Colômbia ou com outro país qualquer.
Outra mudança esperada da parte de uma eventual presidência democrata na política latino-americana deverá ser maior flexibilidade no relacionamento com Cuba. Os dois candidatos já falaram em abrandar o rigor das restrições às viagens e ao envio de dinheiro. Provavelmente, haverá maior boa vontade com os cubanos, especialmente da parte de Obama, que já falou em realizar "encontros incondicionais com Fidel Castro" para discutir os contenciosos, coisa que Hillary, até agora, tem repudiado.
Mas as eventuais mudanças vão ficar por aí. Todos os candidatos, seja qualquer dos democratas, seja o republicano (omitimos Huckabee por estar fora do páreo), continuarão defendendo os interesses das multinacionais, protestando contra socializações e intervenções estatais na economia, censurando Chávez e pondo o FMI e o Banco Mundial em ação para pressionar os governos rebeldes.
Não confundamos as coisas: um novo Jimmy Carter ainda está para nascer.
Luiz Eça é jornalista.
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