Correio da Cidadania

Um fio de esperança na Ucrânia

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Foto: Russos protestam contra a realização da guerra na Ucrânia. Silar / Commons Wikimedia.

Quando a Finlândia e a Suécia pareciam ter passagem livre para entrarem na OTAN, Erdogan, o presidente da Turquia, acendeu o sinal vermelho. De acordo com os estatutos da organização seria necessário o apoio de todos os países-membros para que os dois países escandinavos fossem aceitos (The Telegraph, 18/5/2022). Justificando sua postura, Erdogan disse que a Finlândia e a Suécia asilam opositores, os curdos do PKK, por ele considerados terroristas. Aparentemente, os suecos e finlandeses não estão dispostos a remover o obstáculo erguido pelo presidente turco.

Mas a última palavra pode ainda não ter sido dada. Sendo Erdogan um político extremamente pragmático, acredito que seu veto visa apenas obter alguma concessão da OTAN ou mesmo da União Europeia, que, aliás, tem negado o acesso da Turquia à organização, argumentando que não se trata de uma nação realmente democrática – requisito indispensável para pertencer à comunidade dos países do Velho Mundo.

Tomara que o autocrata de Ancara fique firme. A entrada desses países na OTAN viria tornar ainda mais difícil um acordo de paz na guerra da Ucrânia, uma vez que para a Rússia seria inaceitável ter mais países da hostil OTAN colados à seu território. Seriam mais 1.300 km de novas fronteiras que, somados aos 2.295 km da fronteira ucraniana, somaria 3.595 km, cercando totalmente a Rússia pelo Oeste.

Para Putin, a segurança do seu país ficaria seriamente ameaçada, pois a OTAN poderia instalar em pontos estratégicos dessa vasta linha fronteiriça  canhões e lançadores de mísseis que, num conflito eventual, atingiriam Moscou e outros grandes centros em questão de minutos, deixando estas cidades em ruínas. Como a desculpa para a guerra foi exatamente para impedir esta visão assustadora, concluo que o ingresso das duas potências na OTAN teria tudo para causar um ruído ensurdecedor.

Inclusive porque aumentaria o poder da OTAN e seu apetite por se expandir, talvez atraindo também a Moldova e a Georgia, conquistas sugeridas pela mídia internacional, que diminuiriam ainda mais a inserção internacional da Rússia.

Trata-se de algo que alimenta os sonhos dourados de Biden. Diante do crescente desgaste de Moscou, graças às perdas na guerra e aos efeitos das sanções, o objetivo americano de enfraquecer a Rússia para obrigar Putin a pedir água acabaria logrando sucesso.

Acredito que, para os EUA e o Reino Unido, o objetivo principal na guerra da Ucrânia é mesmo destruir a Rússia de Putin – em especial impedir de concretizar a expansão da sua influência geopolítica.

O governo do autocrata das estepes não é somente desumano, brutal e violador das leis internacionais. Há aspectos relativamente positivos: desde que Putin começou a dar as cartas em Moscou, a Rússia tem contestado a liderança mundial perseguida pelos EUA.

Acredito que o mundo será melhor se existirem diversas lideranças, competindo entre si para agradar os países que preferem viver fora de qualquer rebanho. Seguindo essa política, a Rússia de Putin tem desafiado o império americano ao garantir com armas e/ou vantagens econômicas países que resistem ao diktat de Washington. O Irã, a Síria e a Venezuela são exemplos atuais. Você pode criticar algum ou todos esses regimes, mas não seu direito de serem independentes.

Acabar com o protagonismo internacional dessa Rússia de Putin, um obstáculo no seu projeto hegemônico, leva os EUA a jogarem contra negociações de paz que poderiam livrar a Ucrânia de uma guerra desastrosa. Até mesmo o autocrata Putin já sacou que fez uma verdadeira barbeiragem e não vê a hora de sair de cena.

Evidentemente, as partes – Ucrânia, OTAN, EUA e Rússia- precisam renunciar a algumas das suas exigências de paz já conhecidas. Sem isso, as negociações jamais dariam certo.

Por enquanto, Putin parece inflexível e os EUA, secundados pelos fiéis Reino Unido e a Ucrânia de Zelensky, preferem manter acesa a chama da luta do Bem contra o Mal.

Mencionando raramente possíveis negociações, Tio Sam e seus acólitos entoam louvores aos valorosos combatentes ucranianos; apregoam denúncias de barbaridades dos malignos soldados russos contra as mulheres, crianças e ucranianos de um modo geral; boicotam a participação dos russos em inúmeras entidades e atividades na área internacional e celebram a coragem desse novo herói do nosso tempo, o ínclito Zelensky, mesclando todas estas ações com apelos à destruição do diabólico Putin e sua Rússia. Está aqui Biden que não me deixa mentir: Em Varsóvia, em 26 de março último, ele declarou em alto e bom som : “Pelo amor de Deus, esse homem (Putin) não pode permanecer no poder (Washington Post, 7/4/2022).”

Ecoando o chefe, Julianne Smith, embaixadora dos EUA na ONU, foi candente: “Queremos ver a Rússia derrotada.” Como zeloso seguidor de Biden, o premier Boris Johnson, do Reino Unido, num encontro com Macron, premier da França, alardeou que havia incitado Zelensky a não negociar com a Rússia e dito que, mesmo que Kiev assinasse um acordo de paz com a Rússia, o Ocidente não assinaria ((Ukraine Pravda, 6/5/2022). Recentemente, o general Austin, secretário da Defesa dos EUA, soltou a notícia de que o novo objetivo do governo Biden na guerra da Ucrânia era enfraquecer a Rússia (The Ron Paul Institute for Peace and Prosperity, 23/5/2022).

E na Ucrânia, Michel Podolak, um dos principais assessores do presidente Levensky e membro da comissão de negociação da paz, revelou as reais intenções do seu governo: “As forças (invasoras) precisam sair do país e depois disso a retomada do processo de paz será possível.”

Sendo realista, a retirada não seria aceita pelos russos como pré-condição do acordo de paz, mas sim como parte da sua conclusão, vemos que a solução supostamente pacífica desse cidadão é absolutamente impossível.

Mais adiante, Podolak revelou sua verdadeira posição: “Eles (os russos) precisam ser derrotados, serem submetidos a uma derrota dolorosa, tão dolorosa quanto possível (US News, 21/5/2022).¨ Bem, nesse caso, não haveria propriamente uma “negociação,” mas decisões ditadas pelos vitoriosos à derrotada e terrivelmente dolorida Rússia…

Os 40 bilhões de dólares de ajuda americana às forças de Kiev, mais 20 bi em armamentos já enviados, somam um total de 60 bilhões de dólares que não visualizam uma paz a curto prazo. É muito dinheiro, suficiente para completar as necessidades militares do governo ucraniano durante muito tempo. Anos, conforme alto funcionário do departamento de Estado, informa a congressista democrata Cory Bush.

Estaríamos, portanto diante de uma guerra de longa duração, o que o governo Biden incentiva, armando os ucranianos com bilhões em armas. Quanto mais ela demore, mais se fortalece a hegemonia dos EUA no Ocidente, como líder da democracia contra um dos seus maiores inimigos.

Mas o boicote de Moscou, começa a sofrer fraturas.

Enquanto os países bálticos e a Polônia, por temerem que o urso das estepes ameace a sua soberania, apoiam a guerra, os principais países da União Europeia- França, Alemanha e Itália – defendem as negociações. Macron, o presidente francês, vitaminado por sua recente reeleição, reafirmou sua posição diante o parlamento europeu: “Nós não estamos em guerra com a Rússia nosso dever (da União Europeia) é ficar ao lado da Ucrânia para conseguir um cessar-fogo. E então construir a paz. No fim, das discussões e a negociação serão através da Ucrânia e da Rússia. Mas não será feito pela negação, nem exclusão de qualquer um deles”.

Por sua vez, Scholz, o premier socialista da Alemanha, depois de prometer armamentos para as forças ucranianas, teve uma conversa com Putin pelo telefone no dia 13 de maio, e depois, publicou um twiter dizendo; “É preciso haver um cessar-fogo na Ucrânia tão rápido, quanto possível.”

A Itália, que sempre formara nas hostes de Biden, também mudou de opinião. Há duas semanas, Draghi, seu primeiro-ministro, surpreendeu ao declarar que “…precisamos pensar na possibilidade de se conseguir um cessar-fogo e começar novamente negociações realistas.

Tanto Scholz quanto Orban, da Hungria, não aceitam os prazos curtos determinados pela OTAN, para cortarem suas importações de gás e de petróleo russos, respectivamente. Isso prejudicaria duramente a economia dos dois países.

Na contramão desses protestos, Biden planeja aplicar pesadas sanções contra quem se negar a boicotar o petróleo russo, alcançando uma série de países. Além da Hungria, também a Índia, a Turquia e a China, entre outros. Essa ideia do governo Biden objetiva reduzir os lucros das vendas do petróleo da Rússia para, a longo prazo, destruir seu papel central na energia global.

No caso dos indianos e turcos, a liderança de Biden promove seus interesses antirrussos, sacrificando os interesses desses países aliados, conforme oficiais americanos (The New York Times,19/5/2022).

Sancionar a China, provavelmente, geraria mais um conflito com Pequim, trazendo graves repercussões econômicas já que os EUA compram anualmente cerca de 582 bilhões de dólares em produtos chineses , o que faz do antigo império do Meio o maior exportador para a América. Não vou afirmar que as negociações produziriam certamente a paz, somente que representam, pelo menos, uma esperança. Bem mais do que os devastadores resultados do projeto de prolongar a guerra, até transformar o tigre russo num frágil gatinho.

 

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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