O Murder´s Inc. de Israel
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- Luiz Eça
- 09/06/2022
Foto: Os agentes do Kidon teriam assassinado ao menos cinco cientistas iranianos. Reprodução Almanaque dos Conflitos.
No domingo, 22 de maio, o coronel iraniano Sayad Khodayee, foi assassinado à bala por dois motociclistas.
Israel era o principal suspeito devido ao atentado ter idênticas características aos que vitimaram quatro cientistas nucleares iranianos, entre 2010 e 2012.
Como sempre o governo sionista não se pronunciou, mas desta vez suas culpas vazaram na imprensa israelense.
Oficinais de inteligência de Israel deram o serviço, esclarecendo que mataram o coronel por ter, na qualidade de vice-comandante da Unidade 840, da Guarda Revolucionária Iraniana, atuado no planejamento de atentados no exterior contra estrangeiros e israelenses. Fato contestado por oficiais iranianos. Disseram que se tratava de especialista em logística, que tivera papel importante no transporte de tecnologia de drones e mísseis para combatentes na Síria e a milícia Hezbollah, da qual foi conselheiro tático. Nada tivera a ver com atentados (New York Times, 25/5/2022.)
Não há quem discorde de que o assassinato foi cometido pelo Mossad – o serviço de inteligência, espionagem e operações especiais de Israel, através do Kidon, o setor dedicado ao assassinato de inimigos do Estado.
Os agentes do Kidon já mataram centenas de terroristas ou suspeitos, especialmente palestinos em Gaza e na Cisjordânia; dirigentes do Hamas e movimentos afins, no exterior; altos funcionários civis e militares sírios e, mais recentemente, cientistas nucleares iranianos. O assassinato do coronel Khodayee foi exceção, praticado para pressionar o presidente Biden a não retirar a Guarda Revolucionária da lista americana de terroristas, exigência do Irã para assinar o Acordo Nuclear.
Em entrevista ao jornalista Gordon Thomas, Meir Amir, ex diretor do Mossad, definiu o Kidon: “Somos como o carrasco oficial ou o médico no Corredor da Morte que aplica a injeção letal. Nossas ações são todas apoiadas pelo Estado de Israel. Quando matamos alguém, não estamos quebrando qualquer lei. Estamos cumprindo uma sentença sancionada pelo primeiro-ministro, na ocasião.”
No século passado, existiu nos EUA uma “organização de carrascos” semelhante ao Kidon, também especializada em matar inimigos, mas da máfia.
O Murder´s Inc (Assassínios S/A), como a imprensa americana o apelidou, foi fundado em 1929, pela Máfia de Nova Iorque, com o objetivo de assassinar traidores, informantes da polícia e gangsters rivais.
Aceitava também contratos com chefões de quadrilhas de todos os EUA.
O primeiro CEO da Murder´s Inc. foi Louis Buchalter - o “Luizinho”, sendo seu chefe de operações -, e também Albert Anastasia , o “Chapeleiro Louco”.
Os executores dos assassínios eram jovens gangsters novaiorquinos. Recebiam salários fixos, mais gratificações de 1.000 e 5.000 dólares, por assassinato bem-sucedido.
Caso o executor fosse preso, a organização providenciava os melhores advogados para defendê-los. E a família recebia ajuda financeira.
Acredita-se que, entre 1929 e 1941, a Murder´s Inc. matou entre 400 e 1000 indivíduos.
As coisas iam bem até que, em 1941, um ex-membro, Abe Reles, informou tudo à polícia. Como resultado, muitos colegas foram julgados, condenados e executados.
E assim a Murder´s Inc teve de fechar suas portas.
Reles morreu ao cair de uma janela, de acordo com a versão oficial. 10 anos depois, o “boss”, Lucky Luciano, admitiu que pagara 50 mil dólares ao policial que guardava o informante para deixar que o jogassem pela janela.
Já o Mossad e o Kidon continuam atuantes. O assassinato a tiros do coronel Khodayee é uma prova viva, melhor dizendo, morta.
O Irã protestou indignado, mas, fora os países e grupos aliados, ninguém condenou esse atentado.
Como costuma acontecer, mais esta proeza da Murder s Inc israelense deve cair no esquecimento.
Seus executores podem dormir tranquilos. Além dos feitos Mossad serem legais em Israel, ele conta com a simpatia do Ocidente, fiel aos EUA, o protetor de Israel.
Às vezes a eficiente organização de assassinos falha.
Em 1973, na caça aos assassinos de 11 atletas israelenses na Olimpíada de Munique, agentes do Mossad chegaram em Lillehammer, Noruega, para matar um morador local, identificado como Salameh, um dos autores do massacre de Munique.
Foi uma furada, ele era inocente, não se tratava do terrorista Salameh, mas do pacífico garçon Bourchik.
A polícia local empenhou-se na busca dos matadores israelenses. E, fato raro, seis deles foram presos e processados. Um foi absolvido e cinco condenados a penas, que variaram de um ano a cinco anos de prisão.
Mas os prejuízos para o Mossad não ficaram aí.
Durante seu interrogatório, Dan Arbel, um dos agentes, deu com a língua nos dentes. Não só revelou nomes e detalhes do assassinato, como forneceu a chave de uma safe house (casa segura) do Mossad, em Paris.
A polícia norueguesa enviou à polícia francesa que, ao revistar a casa, descobriu chaves de outras safe houses do Mossad na Cidade Luz, além de números de telefones e nomes de outros agentes envolvidos na vingança dos 11 atletas mortos em Munique.
Os policiais franceses enviaram esse material a cidades da União Europeia, onde a rede israelense se expandira. Aí, o rei ficou nu. E e comunidade internacional mostrou-se indignada.
O Mossad sofreu um enorme transtorno. Teve de chamar para casa os agentes cujos nomes haviam sido revelados, fechar as safe houses, trocar números de telefones, modificar seus códigos… a maior zona.
E Israel teve de encarar um escândalo em escala mundial já que, pela primeira vez, foi revelado, por provas indiscutíveis, um segredo altamente inconveniente: a existência de um setor do governo de Telaviv dedicado ao assassinato de civis dentro e, especialmente, fora do país.
Embora sempre se negando a aceitar ou negar a autoria dessas mortes violentas, políticos, funcionários e ex-funcionários do Mossad, defendem os assassínios.
Os executores não estariam afrontando a justiça, pois seus atos não eram proibidos pelas leis de israel.
Agiam em autodefesa pois os alvejados haviam praticado crimes contra Israel e continuariam envolvidos ações ferozmente terroristas.
Há muito a considerar a respeito desses argumentos.
O assassinato de civis por entidades ou pessoas em outro país é ilegal –segundo o Direito Internacional. Matar civis só é aceitável numa guerra, e em situações de combate.
Nos assassinatos praticados pelo Mossad, através dos seus funcionários do Kidon, são desrespeitados valores fundamentais na civilização ocidental como o respeito às leis e tratados internacionais, à soberania das nações e aos direitos humanos.
Diz o artigo 6, parte 3, inciso 23 do Pacto Internacional de Direitos civis e Políticos, de 1966: “Poder-se-á aplicar essa pena (de morte) apenas em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente.”
Nas execuções do Mossad, o réu foi julgado por um “tribunal” formado pelo diretor da agência e o primeiro-ministro de Israel, a quem cabe a decisão final.
Não existe advogado de defesa.
Ademais, os dois “juízes” são inimigos do acusado, normalmente um suposto terrorista ou alguém de proa em projetos bélicos contra o Estado de israel.
Num julgamento com juízes parciais e sem advogado de defesa, quais são as chances de se fazer justiça?
Por isso mesmo, as ações do Kidon são execuções extralegais, crime pelas leis internacionais.
No caso do Murder´s Inc, havia também um simulacro de julgamento por autoridades inadequadas, os chefões da Máfia. E os funcionários das duas organizações funcionavam da mesma maneira: como carrascos.
Há mais semelhanças entre os dois grupos: ambos mantinham funcionários assalariados para matar adversários dos seus patrões.
Os assassinos do Murder´s Inc. foram presos, condenados à prisão ou à morte, como criminosos.
Atualmente,os assassinos do Kibon não são nem julgados, isso apesar de violarem decisão da ONU. Veja o que diz a resolução 44/162 da Assembleia Geral da ONU, em 1989: “Os governos proibirão por lei todas as execuções extralegais, arbitrárias ou sumárias e zelarão para que todas essas execuções se tipifiquem como delitos em seu direito penal e sejam sancionáveis com penas adequadas que levem em conta a gravidade de tais delitos. Não poderão ser invocadas, para justificar essas execuções, circunstâncias excepcionais, como, por exemplo, o estado de guerra ou de risco de guerra, a instabilidade política interna, nem nenhuma outra emergência pública. Esta proibição prevalecerá sobre os decretos promulgados pela autoridade executiva.”
A comunidade internacional condenou duramente a Rússia, por violar decisão da ONU que proíbe a violação da soberania de uma nação por outra. Os EUA e a Europa parecem valorizar a ONU somente quando lhes convém.
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Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.