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Avanços e recuos na trilha da contraofensiva ucraniana

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Russia says it has captured more territory in Ukraine's Bakhmut | Al  Arabiya English
Parece que a tão aguardada contraofensiva ucraniana vai demorar mais do que o previsto. Inicialmente divulgou-se que seria a qualquer momento, depois passou para abril, em seguida falou-se no meio do verão europeu - ou seja, por volta de agosto. Agora dá-se como provável o mês de setembro.

A Europa vai precisar ter paciência. Os europeus apostam na vitória dos súditos de Zelensky, o que fatalmente deixaria o tigre russo sem dentes. Eles estão ansiosos por um armistício que viabilizaria sua recuperação econômica, inclusive com a volta do gás de Moscou, muitas vezes mais barato do que o gás norte-americano, nos dias de hoje, praticamente o único à disposição do Velho Continente.

Repetidas vezes Zelensky declarou que não pode começar enquanto a Ucrânia não receber dezenas de armas pesadas, aviões, sistemas antimísseis e munições de que seu exército carece para um empreendimento do vulto da contraofensiva.

Estimulados por seu desejo de apressar o grande ataque, os europeus estão atendendo ao presidente da Ucrânia, mesmo tendo de esvaziar seus depósitos de armamentos.

A Alemanha recentemente, enviou armas e munições no valor de 2,7 bilhões de dólares e promete mais mísseis.Por sua vez, a França colaborou com um novo pacote de ajuda militar, compreendendo tanques leves, veículos armados, treinamento de soldados ucranianos, sistemas de defesa antiaérea, artilharia e outros equipamentos.

O Reino Unido se destacou ao contribuir com seus misseis de longo alcance Storm Shadow, capazes de alcançar 250 km.

Podem atingir a Crimeia e alvos no território russo. Se isso acontecesse certamente provocaria retaliações graves de Putin. Londres informou que o governo de Kiev garantiu que jamais ultrapassará esse limite.

No entanto, o Washington Post informou que, baseando-se em comunicação digital interna interceptada, Zelensky sugeriu que a Ucrânia efetuasse ataques no interior da Rússia.

Projeta-se que a Criméia seria o primeiro alvo a ser atingido pelos mísseis Storm Shadow. Como Putin e a maioria dos seus habitantes a consideram parte do estado russo, este ataque poderia provocar até uma reação nuclear de Moscou.

Embora o governo de Kiev provavelmente pense em invadir a Crimeia na sua contraofensiva, Blinken, secretário de Estado dos EUA, discorda, pois: “uma tentativa ucraniana de recuperar a Crimeia seria uma linha vermelha para Vladimir Putin, que poderia levar a uma maior resposta russa (Washington Post,1/6/2023)”.

Ninguém mais do que o governo Biden deseja a derrota de Putin. Já forneceu aos ucranianos dezenas de bilhões de dólares em armas e equipamentos militares, treinamento e dinheiro para a economia ucraniana não colapsar.

No entanto, ele não ficará triste se a guerra se prolongar por anos afora para dar tempo ao exército da Ucrânia, super-reforçado pelos aliados, poder, não só arrancar os dentes do tigre russo, como também torná-lo indefeso gatinho, incapaz de assustar os países da União Europeia e de criar obstáculos à hegemonia estadunidense no planeta.

Os 6 bilhões de dólares que faltam para completar os 113 bilhões autorizados pelo Congresso para a defesa da Ucrânia deverão ser gastos até julho. Assessores da Casa Branca confirmaram que está em estudos uma nova e generosa doação de armamentos, capaz de suprir as necessidades ucranianas na contraofensiva e também nos meses seguintes, elevando as chances de o país vencer e continuar lutando e destruindo os recursos militares russos.

Esta previsão é um tanto otimista. Relatórios indicam que os estoques de armamentos norte-americanos vêm encolhendo desde o fim do ano passado. Antes de destinar novas armas e equipamentos às necessidades da guerra da Ucrânia, é imperativo para os EUA aplicar o suficiente para a recomposição de seus recursos militares.

Os congressistas estão firmemente empenhados na ajuda à Ucrânia “por quanto tempo for necessário” (conforme a promessa de Biden), mas a segurança econômica do país costuma vir em primeiro lugar.

A difícil situação financeira dos EUA exige significativa reduções orçamentárias nos fundos de diversos setores, inclusive na guerra da Ucrânia (Responsible Statecraft, 17/10/2023). O fluxo do auxílio militar dos EUA a Kiev poderá entrar em marcha lenta – ou mesmo parar – caso o Congresso não aprove novos fundos para esse fim (Defense One, 16/5/2023).

A opinião pública que vinha apoiando maciçamente a causa ucraniana tende a aceitar uma possível decisão do Congresso que deixe Zelensky falado sozinho.
Segundo pesquisa da Associated Press-NORC, em maio de 2022, com menos de 3 meses de guerra, 60% dos norte-americanos eram a favor da remessa de armas para a Ucrânia.

Este número caiu para 48%, na pesquisa realizada em 28 de fevereiro deste ano, enquanto 52% são contrários. E a tendência é de que a queda continue.

Essa situação pode influir na posição dos republicanos, embora os políticos dos dois grandes partidos não costumem levar em conta o que o povo pensa a respeito de questões de política internacional. Vejamos o apoio a Israel: segue total, embora considerado exagerado pela maioria da opinião pública.

O fato é que os republicanos ainda não decidiram que posição tomar. Acredito que, no máximo, aceitarão a proposta de Biden com alguma diminuição na soma requerida, exigindo também um maior controle das armas enviadas, coisa até agora inexistente.

A maioria dos parlamentares não acredita nas ameaças nucleares de Putin. Para os chefes dos EUA e da OTAN, caso vençam a guerra, seria mínima a possibilidade do chefão russos cumprir sua promessa de recorrer a armas atômicas para evitar a ocupação de parte do seu país.

Talvez por isso Biden deixou claro que a meta da coalizão é somente reconquistar o território ucraniano tomado pelos russos. Isso acontecendo, espera-se que Putin, de crista baixa, deixe suas atuais gargantuescas exigências de lado, ficando a coalizão pró-Ucrânia numa posição privilegiada para conseguir um cessar-fogo largamente favorável a Kiev.

Aparentemente, os países aliados estão certos de que a contraofensiva terá um sucesso ribombante. A Ucrânia conta agora as melhores armas do mundo, para as mais variadas e complexas situações de batalha.

Recentemente começaram a chegar os moderníssimos aviões de combate F-16, tidos como capazes de alterar positivamente o curso de batalhas em terra. A aparente dissidência do exército mercenário Wagner, composto por paramilitares recrutados nas prisões russas sob promessa de liberdade, foi um golpe na moral dos militares do exército invasor.

O chefe desses mercenários, o turbulento coronal Wagner, tem veiculado reclamações contra a falta de armas, suprimentos e munições, que atribui à má vontade dos chefes das forças oficiais do seu país, por ele qualificados como incompetentes.

Um exército que se preza não admite que um dos seus comandantes o critique publicamente dessa maneira desabusada. Mas Putin engole esse perigoso comportamento, atentatório da disciplina e da união, indispensáveis a qualquer força militar em tempo de guerra. O líder moscovita sente que não pode se dar ao luxo de perder os paramilitares pois eles têm vasta experiência adquirida em combates na África e uma imagem de grande eficiência.

Que não parece corresponder à realidade. Posicionado na linha de frente no ataque a Bakhmut, o exército de Vagner perdeu 65% dos seus recentes recrutas (Middle East Eye, 27/4/2023) nas lutas pela tomada dessa estratégica cidade.

Apesar dos analistas ocidentais louvarem a suposta superioridade do exército ucraniano, os russos não são azarões de forma alguma. Pelo contrário, estão no páreo e poderão ganhar, sem surpresa.

Eles armaram linhas de defesa, solidamente fortificadas, acompanhando toda a fronteira que separa as áreas sob seu controle das ocupadas pelo inimigo. E contam com uma variedade de armamentos tão modernos e poderosos quanto os ucranianos.

E, no fim das contas, Bakhmut caiu, resultado que fortalece o moral russo e aumenta as dúvidas sobre as promessas redentoras da contraofensiva. Pressupondo a quantidade de soldados mortos durante esta contraofensiva, não deverá restar o suficiente para assegurar a continuidade do avanço.

A reposição dos armamentos postos fora de combate é incerta. Como os ucranianos não possuem uma indústria bélica, vão depender principalmente dos EUA, que, no momento, não podem ser tão liberais como foram até agora. Os países da Europa, alguns com sérios problemas financeiros, outros passando por assustadoras crises econômicas, já deram o que poderiam.

Kiev deve receber um volume de armamentos significativos apenas de uns poucos aliados, da maioria deverá vir uma contribuição meramente simbólica.

Seja como for, os recursos militares que vierem do exterior vão possivelmente demorar muito a chegar, pois ainda precisam ser fabricados (há escassez de armas disponíveis nos estoques esvaziados dos países da Europa).

Diante destes fatos, muitos analistas apostam que, depois de vencer uma batalha decisiva, os exércitos da Ucrânia serão obrigados a deter-se, fortificando suas posições para defender-se de um eventual contra-ataque russo.

A Rússia tem melhores condições para repor suas armas e soldados perdidos. Sua indústria de armamentos é uma das maiores do mundo (só perde para os estadunidenses) e está trabalhando 24 horas por dia, sem parar mesmo nos feriados.

Não faltará armas, equipamentos e munições para rapidamente substituir as suas perdas, por maiores que sejam, no choque com a contraofensiva da Ucrânia.
Com 143 milhões de habitantes, a Rússia tem obviamente capacidade de convocar um número muito maior de recrutas do que a Ucrânia, que conta com apenas 44 milhões de habitantes.

Segundo analistas, 200 mil soldados do país de Dostoievsky já estariam nas fronteiras, prontos para entrar na guerra, assim que fossem chamados. Mesmo com o inimigo interrompendo seu avanço, não acredito que Putin tente contra-atacar, visando tomar mais territórios da Ucrânia. Acho que como ele teme a força unida dos EUA e da OTAN, aceitaria negociar um cessar-fogo, na qual as partes proporiam suas condições.

Nessa situação indefinida, as partes mantêm suas chances de vencer e não parece que topariam renunciar às suas esperanças de uma vitória em termos que deixariam seus cidadãos orgulhosos. Não seria uma situação propícia para acordos de paz.

A luta deveria continuar, para irritação dos habitantes da Rússia e da coalizão, cuja qualidade de vida decaiu profundamente. Eleições presidenciais no ano que vem são pedras nos caminhos de Putin e de Biden.

O povo russo, vivendo sob um regime autocrático, rigidamente controlado pelo governo, deverá dar a vitória Putin. Já Biden não está tão tranquilo.

Não sabemos dos desdobramentos em 2024 da crise financeira, que atualmente atinge os EUA e mais uma vez põe em risco o pagamento da sua colossal dívida pública. Grande parte da população já se mostra contrária à ajuda do governo Biden à causa ucraniana, por envolver mais de 100 bilhões de dólares, que poderiam ser usados para atenuar a situação perigosa das finanças públicas.

À medida que a guerra prossegue, essa tendência deve crescer substancialmente até novembro de 2024, data da eleição presidencial dos EUA. Sendo o principal o responsável pelas bilionárias doações à Ucrânia, Biden deve arcar com os efeitos da indignação popular. Até onde esse sentimento pode influenciar seus votos é imprevisível.

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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